Na semana seguinte, meu tempo foi dividido entre cuidar das propriedades de meu tio e comparecer a jantares e encontros com os cidadãos locais, que desejavam, a todo custo, conhecer os novos moradores de Woodcottage.
Em um desses jantares aconteceu algo que mudaria todo o rumo dos meus próximos anos, embora eu não conseguisse perceber naquele momento.
Eu e Anastasia fomos convidados para jantar na residência dos Hathaway. Um casal de idosos simpático e muito respeitado na região. Ele, um velho soldado de batalhas, ela, herdeira de uma verdadeira fortuna. Ambos pareciam completamente felizes com suas vidas, aproveitando a aposentadoria e sua fortuna.
Durante o jantar, algumas figuras ilustres estavam presentes. Já havíamos conhecido boa parte destes, Mr. Walter Robinson, o advogado do velho conde, Madonna Giordana, uma modista italiana que havia perdido o marido inglês há alguns meses. Esta, se recusava a ser chamada pelo sobrenome de casada e não utilizava vestes negras, como seria de costume em um período tão curto de luto.Robert, o nosso mordomo, havia me dito que ouvira falar que o velho inglês, marido da italiana, era violento e cruel. Um homem sem coração que não media esforços para conseguir aquilo que queria. Faleceu com problemas no pulmão, deixando uma pequena fortuna para sua esposa, com quem não tivera filhos. Apesar de não possuir o direito de herdar a fortuna de seu marido, Madonna Giordana acabou sendo uma exceção. Por ser amiga e confidente das esposas dos homens mais influentes da região, conseguiu manter não apenas seu dinheiro, mas também o seu status. Era respeitada e estimada por todos e, mesmo sem precisar exercer quaisquer ofícios, insistia em continuar com seu ateliê, trabalhando e produzindo peças para as mulheres e jovens de Bedfordshire.
- Mr. Sharman, que bom vê-lo por aqui. Ouvimos dizer que o senhor não é muito chegado à encontros sociais. - disse Mrs. Morgan, vindo em minha direção. Sua filha em seu encalço, enquanto o marido cumprimentava os Hathaway.
- Meu irmão é muito atarefado, Mrs. Morgan. Quase não tem tempo nem para pentear os cabelos. - sorriu Anastasia, fazendo uma reverência para as duas.
Miss. Morgan sorriu sem mostrar os dentes. Seus olhos azuis me olharam travessos e pareciam se divertir.
- Peço que continue assim, então, Mr. Sharman. Seus cabelos foram feitos para balançarem com o vento e isso lhe cai muito bem. - Miss. Morgan deu uma piscadela para Anastasia, enquanto sua mãe se retirava para conversar com uma outra convidada.
Lhe sorri de volta, tentando ser simpático. Caminhei até uma das mesas, onde alguns copos de Whisky estavam dispostos para os convidados. Miss. Morgan e Anastasia mantiveram uma conversa animada e me afastei de ambas, sendo cumprimentado por um senhor magro e alto que vestia um uniforme militar.
Após o jantar, nos sentamos na sala de música para ouvir Miss. Morgan tocar cravo e cantar uma canção um tanto entediante. Me deu um ataque de risos, quando percebi que ela não conseguia segurar nem a mais simples afinação. Tentei controlar meu riso, colocando minhas mãos na frente da boca, disfarçando, enquanto Anastasia me dava uma cotovelada nas costelas.
Acho que minha irmã estava sendo empática com Miss. Morgan, visto que também não possuía talento algum para a música. Eu também não possuía nenhum talento musical, no entanto, não conseguia controlar meu ímpeto de sorrir.
Mais tarde, quando a tortura de ouvir Miss. Morgan cessou e um homem contratado assumiu o cravo, os convidados se dispersaram pela sala, cada um com suas conversas pessoais. Me sentei junto à lareira, observando as medalhas que Mr. Hathaway havia ganhado em suas batalhas.
- Ele era um homem simples. Mr. Hathaway. - Miss. Morgan sentava-se ao meu lado e falava quase que com um sussurro. Educada e gentil. - A família de Mrs. Hathaway era contra o casamento dos dois, porque ele era um simples soldado, mas ela não deu ouvidos ao que as outras pessoas diziam. Estava verdadeiramente apaixonada. - suspirou.
- Pelo visto, o relacionamento deu certo. - concordei.
- Sim, tiveram cinco filhos. Os rapazes, com altas patentes no exército. A moça filha do casal fez um casamento promissor. O futuro que todas as famílias inglesas gostariam para seus filhos.
Fiquei em silêncio fitando as chamas que cintilavam na lareira. Por um momento, a fumaça que subia dentro da chaminé me lembrou a jovem pálida e sem rosto. Senti vontade que sua pele pálida me tocasse novamente.
- Não pretende se casar, Mr. Sharman? - Miss. Morgan insistiu com a conversa, me perguntando mais do que eu gostaria de responder.
- Não por ora. - respondi secamente.
- Anastasia precisa de uma mulher para orientá-la, não acha? E Woodcottage necessitará de um herdeiro.
Assenti e tomei um gole do copo de whisky que segurava. Miss. Morgan não fora a primeira pessoa a me falar aquilo. Era uma verdade com a qual eu tinha que conviver. Algo que me pressionava por diversas vezes. Mas eu não achava que a criação de Anastasia estava sendo ruim. Mrs. Davies fizera um bom trabalho em educar a minha irmã.
Um som alto e rápido começou a ressoar pela sala. O músico agitara as teclas, traduzindo-as em uma quadrilha animada.
Miss. Morgan sorriu e me estendeu a mão. Seu olhar enigmático fingia-se de doçura e me convidava para acompanhá-la nesta dança. Achei ousado de sua parte, chamar um homem para dançar não era muito comum. Intrigado com sua perspicácia, aceitei.
A dança correu divertida. Todos os casais se juntaram no centro da sala. Miss. Morgan sorria, enquanto conversava amenidades comigo durante os movimentos da dança. Não tinha receio de se insinuar e percebi claramente seu interesse em me conquistar.
Não achei que isso seria um problema. Respondi seus elogios com agradecimentos e também a elogiei uma ou duas vezes para ser cordial. Ela dançava muito bem, com um controle perfeito de seu corpo. Sua pele bronzeada cintilando à luz das lamparinas.Finalizamos ofegantes. Os convidados aplaudiram e caminhei até a janela para respirar um pouco de ar fresco. Anastasia apenas observara a dança, uma vez que ainda era muito jovem para aquilo e que ainda não havia debutado. Ela sorriu para mim quando viu o quanto eu me diverti.
Olhando pela janela, lembrei da chama no bosque que havia me atraído dias atrás. Lembrei da fumaça que me sufocava e de como fui salvo pela mulher misteriosa. Meu coração saltou nervoso e respirei fundo me auto repreendendo. Eu não podia deixar que um sonho tomasse tanto meus pensamentos como vinha fazendo há algum tempo.- Ela veio novamente, não foi? - Mrs. Morgan se aproximou de mim, enquanto também olhava através da janela. A senhora tragava de sua cigarrilha, soprando o ar pela janela aberta.
A encarei fingindo que não sabia do que ela estava falando. Fiquei nervoso. Já era bastante ruim eu mesmo achar que estava ficando maluco com aqueles pensamentos e sonhos.
- Ela está no seu destino, rapaz. Quando a encontrar, não a deixe ir embora. - sorriu com um olhar enigmático.
Ela sacudiu as cinzas de sua cigarrilha para fora do aposento e segurou o meu braço enquanto me encarava com um sorriso nos olhos igual ao da sua filha. Depois, saiu para conversar com o restante dos convidados.
Fiquei pensativo, tentando descobrir o que aquelas palavras significavam. Um vento forte sacudiu as árvores ao longe e me retirei da janela, com receio de que aquele vento me atraísse para o bosque!
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Depois daquela noite
RomanceMr. Edward Sharman, divide seu tempo entre a França e a Inglaterra, onde possui propriedades herdadas por sua família para administrar. Após o falecimento de seus pais, ele ficou encarregado de assumir os negócios familiares e de cuidar de sua irmã...