Dois

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A chuva tinha acalmado, mas o tempo nublado continuava dando as caras.

Que uniforme ridículo, sentei de tolha na cadeira próxima à janela e fiquei observando, quão ridículo era aquele uniforme todo em um azul royal e com detalhes amarelo.

O kit era composto de uma gravata listrada, calça reta de alfaiataria acompanhada de um blazer, camisa social branca, meias listradas como a gravata, um sapato horrendo marrom e para fechar com chave de ouro um belíssimo e icônico chapéu de palha com uma faixa nas cores do colégio.    

Admito que não era só eu que pensava isso, a vovó riu de mim no dia que vesti para ver se o tamanho estava certo, tenho certeza que agora quando eu descer ela vai rir mais uma vez. 

Enquanto me vestia fiquei perdido com a gravata, mas o tio Ricardo foi no meu quarto me ajudar. De longe ele era o mais empolgado com a minha ida para esse colégio, o Instituto Educacional Bristol, vulgo IEB, recebia desde de filhos de celebridades à filho de mafioso cheios de grana (eu acho, gosto de imaginar que sim). Meu tio só conseguiu uma vaga para mim por ser uma estrela da TV e internet.

- Eles tem vários programas de esportes e artes para incentivar vocês entrarem nas melhores universidades - disse ele na primeira vez que me apresentou o IEB.

- Como se essa gente toda precisasse fazer algum esforço pra entrar na faculdade. 

- Eu precisei, por isso consigo colocar você nesse nível de ensino, e sobrinho nenhum meu vai ficar indo para escola com baixa qualidade.

- Público, ensino público você que dizer.

- Você entendeu, é ruim pra minha imagem e você vai ser bem acolhido no IEB, é uma oportunidade de ouro.

- De ouro que serve para fazer filhos de ricos continuarem ricos, ebaaa! 

- Para eles pode ser isso, mas pra você é muito mais, faça bom proveito, você é um menino que merece tudo isso, se eu posso fazer por você eu vou. 

Eu sabia que ele queria meu melhor, não quis prosseguir na discussão. Alguns dias atrás ele me levou no shopping para comprar algumas roupas novas e de "estilo" segundo ele, pois eu ia precisar para não ser "diferente" dos outros lá, a parte boa é que eu ganhei uma chuteira nova e tive tempo para amaciar antes de usar no teste de amanhã.

Haviam poucas coisas que me deixava inseguro. Eu não era feio, sempre fui atlético, tirei boas notas, tinha uma vida social ok no interior, não que eu me importasse muito com isso. E já tinha saído com as meninas mais bonitas do meu grupo. Até antes de vir pra cá Michelle ainda vinha atrás de mim. Mas isso me deixava inseguro, estar num novo ambiente cheio de gente nariz empinado, que nunca souberam o que é a pobreza ou as dificuldades que as pessoas de classe mais baixa passam. 

Não que eu fosse essa pessoa, a gente sempre teve uma vida muito estável, meu tio sempre mandou ajudas depois que minha mãe faleceu e minha mãe mesma deixou uma boa herança da qual minha vó usava pra me manter, só que eu tinha colegas na minha classe que iam para o colégio só pra comer e ali estava eu diante do espelho com essa roupa que custa mais que um mês de almoço para eles.  

Descendo as escadas escutei minha avó dando um pequena risadinha.

- Você está lindo meu querido Miguel. - Ela disse com gentileza e um sorriso sutil, claramente muito apática, lenço de seda na cabeça  para esconder sua careca, olhos profundos e cansados, sua pele branca parecia quase transparente, facilmente se via suas veias. 

- Muito engraçado! - me aproximei e dei um beijo em sua testa - Bom dia, vovó! Bom dia, Odete!

- Realmente você está bonito, não parece nem um pouco com os outros meninos usando isso. - disse Odete sendo gentil. 

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