Nove

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Era quase meia noite, eu encarava o teto ouvindo a chuva cair decidindo se deveria ou não descer para buscar um copo d'água ou só beber da pia mesmo por preguiça. 

Decido levantar, meu celular toca. Não atendo pois é quase meia noite, quem liga essa hora? Mas insiste, então vejo que é Feco. Desligo novamente, se for importante ele fala amanhã pessoalmente no colégio. 

Vou até a cozinha beber água e ver se sobrou um pedaço do pudim que Odete serviu na sobremesa. 

Feco insiste na ligação e eu atendo. 

- Eu estou aqui, abre a porta por favor - ele disse. 

- Aqui? Como assim? - nessa hora me sobe a raiva e a vontade de jogar na cara dele que ele ficou dias me ignorando e agora ele aparece assim do nada, que tipo de comportamento abusivo é esse, sem contar que ele continuou saindo com a Mari mesmo depois dela ter supostamente me drogado e nem me pediu desculpas. Então percebi que ele estava chorando. 

- Estou na sua porta, abre, por favor - ele soluçou. 

Fui até a porta e abri, ele estava encharcado, usava roupa de corrida e parecia desmoronado. Fiz sinal para ele entrar e fechei a porta, ele me abraçou logo em seguida muito forte e continuou chorando.

- Ei, o que aconteceu, Felipe? Por que você está assim? - esfreguei minhas mãos em suas costas. 

Ele não respondeu, acho que nem conseguia formar palavras. 

- Vem, vamos te secar e tomar uma água. 

Levei ele para meu quarto, embrulhei em uma toalha e voltei para buscar água. 

- Você precisa tirar essa roupa molhada - disse depois de entregar a água para ele - Vou pegar algo. 

- Está tudo bem, Miguel? O que aconteceu? - Tio Ricardo bateu na porta. 

- Está sim- respondi abrindo a porta - Meu amigo não está legal, tudo bem ele ficar aqui?

- É segunda, vocês tem aula amanhã. 

- Tio, ele não parece bem emocionalmente, por favor, juro que não vai trazer problemas. 

Ele suspirou, passou a mão na cabeça e disse: - Tudo bem, desde que amanhã cedo ele vá para o colégio e o senhor também. Não fiquem acordados até tarde. 

Eu agradeci e fechei a porta, me virei e peguei um dos meus pijamas e entreguei para Feco.

- Se troca no banheiro ali e vamos conversar, ok? 

Ele acenou com a cabeça. Seus olhos estavam inchados e vermelhos, seu olhar era apavorado. 

- Eu fiz uma merda gigante - ele disse voltando do banheiro e desabando em mim. 

- Ei, calma, seja lá o que for vamos arrumar, ok? - guiei ele até a cama - Deita e me conta o que aconteceu. 

Ele deitou e me puxou para deitar com ele. 

- Desculpa causar isso na sua noite, é que eu não sabia para onde ir e só pensava em você - ele suspirou - É a Mari, ela tá gravida. 

Aquilo abriu um buraco enorme dentro de mim e ficou ecoando por um tempo. 

- Gravida? - perguntei novamente vendo se fazia sentido. 

- Sim, ela está gravida e eu não sei o que fazer, eu não quero isso - ele voltou à chorar.

- Seus pais já sabem? - perguntei.

- Sim, ela contou no domingo passado.

- Por isso vocês sumiram? 

- Naquele domingo ela contou no jantar com nossos pais presentes, queria aproveitar que minha mãe estava ali e meu avô também, o que é raro. Quis tirar uns dias pra refletir tudo isso e me isolei na casa da praia com os meninos e ela, queria levar você mas ela não deixou, disse que não gosta de como eu trato você. 

- Como você me trata? E agora? Por isso você estava me ignorando? 

- Eu estava muito confuso com tudo, saí pra correr, não quero deixar minha vida, essa gravidez sela meu destino e os negócios das nossas famílias, vai ser pra sempre, sabe? - ele começou respirar muito rápido.

- Ei, calma, calma. Você não precisa ficar com ela só por isso. 

- Só por isso? É um bebê, são os negócios da minha família, é um legado, como minha mãe diz, eu não estou pronto para isso. Eu não quero esse destino. 

- Eu realmente não tenho palavras pra isso, vocês não estavam usando proteção e tal?

- Sim, sempre usei com esse medo, ela tava tomando pílula até onde sei, mas a gente nem conversa mais tanto. Sei lá, é tudo muito mecânico para continuarmos juntos, como se fosse uma obrigação - ele deitou um pouco mais perto de mim. 

- Eu não fazia ideia que vocês estavam assim.

- Pois é, nossos pais estão todos felizes, meu avô veio me dizer que eu preciso pedir ela em casamento, eu tenho só dezesseis, sabe? Não tô pronto para isso - ele chorou mais um pouco.  

Eu abracei ele e fiquei ali um tempinho enquanto ele chorava. 

- Eu ia terminar com ela - ele murmurou.

- An? 

- Eu ia terminar com ela aquele dia por causa das coisas que ela faz, quando ela contou isso, depois nós discutimos e ela disse que me ama, e que não eram os planos dela, mas parece que era sim. Eu não a amo. Eu nem se quer gosto mais dela - ele ficou quietinho e eu achei que ele tinha dormido mas ele disse: - eu gosto mesmo de você, desde o primeiro momento, não sei o que estou fazendo, nem sei se você gosta de mim, você é meio lerdo, mas eu gosto de você. E logo logo todos meus seguidores, amigos e familiares vão saber que eu vou ser pai e casar com uma menina que não amo. 


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