Dez

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Por um instante eu não sabia o que dizer.  Não posso mentir que a relação que eu tinha com Feco era muito mais pessoal do que qualquer uma que eu já tive nos últimos anos. Um fato que existia na minha cabeça era que eu gostava de cuidar dele e que quando ele cuidava de mim eu me sentia seguro.  Também não consigo ignorar que me senti usado depois de todos esses dias sendo ignorado, mas agora que ele tinha justificado meu coração tinha amolecido um pouco. 

- Eu também - finalmente disse depois de alguns segundos - Isso não significa que vamos ser mais que amigos.

Na penumbra eu percebia as lagrimas que escorriam de seus olhos. Com a mão gentilmente eu limpei-as. 

- Eu preciso que você se acalme, amanhã a gente conversa sobre tudo isso quando você estiver mais calmo, ok? - eu disse. 

Ele assentiu com a cabeça e logo disse: - Vamos dormir. Amanhã a gente resolve. 

Eu abracei ele mais uma vez e o soltei em seguida, deitando em um lado da cama, ele também virou para o outro lado.  

Confesso que não dormi muito pela noite, minha cabeça estava cheia de pensamentos sobre tudo que tinha, tudo que Feco tinha dito me fez ir do céu ao inferno e do inferno ao céu em segundos. Ele disse que gostava de mim e confesso que eu me sentia muito confortável ao lado dele, mas ao mesmo tempo eu tinha acabado de conhece-lo, mal sabia quem ele era sozinho no quarto, quem ele era quando estava completamente livre para ser quem é, até porque tudo que eu conhecia dele era mentira, o Feco arruaceiro, apaixonado pela Mari, famoso e popular, filhinho de papai, hétero até então, não passava de uma faixada, apesar que ele se abriu comigo sobre não gostar de tudo isso, ele foi verdadeiro vindo aqui e confessando tudo.  Ele claramente confia em mim sem mal me conhecer, eu poderia simplesmente contar tudo que está acontecendo para todos do colégio, mas ele sabe que eu não sou assim ou acha que ninguém vai acreditar em mim. Nicole acreditaria em mim, ela não duvida do que eu falo quase nunca. 

Olhei ele pela penumbra novamente, o cabelo com o corte já perdido, os pelos no rosto de quem esqueceu de fazer a barba ou penugem que ele tem na cara, o queixo firme, os ombros, dormindo daquele jeito nem parece que já socou a cara da metade do colégio. Recentemente fiquei sabendo que ele e o Gusta do time de futebol tinha uma rixa de anos por causa da Mari, Gusta tem uma cicatriz acentuada em sua sobrancelha, foi feito por aquelas mãos que agora estavam se aproximando e se aconchegando em meus peitos e costelas. 

Acordei por volta das cinco com a luz do sol atravessando a janela, já Feco parecia estar dormindo pela primeira vez em duas ou três semana, seu rosto era tranquilo e gentil.

- Ei, bom dia - disse ele abrindo olhos alguns minutos depois. Me pergunto se ele achou estranho eu estar observando ele dormir - Dei uma de Percy Jackson e babei dormindo? 

Ele se afastou um pouco e corou, mas continuou olhando em meus olhos.

- Bom dia, não babou mas dormiu como um neném - respondi tirando o cabelo de sua testa. 

- Desculpa, faz um tempo que eu não durmo assim. Naquela noite da festa mesmo eu fui uma cinco vezes ver você dormindo e umas sete beber água - ele sorriu. 

Nunca tinha reparado em seu rosto tão de perto, ele tinha pequenas sardas, seu nariz era tão bonito que eu não duvidaria se meu tio tivesse feito ele, seus cílios eram longos e ele tinha uma marquinha que aparecia quando ele sorria na parte superior da bochecha esquerda, sua boca era vermelha e seu bronzeado de verão estava sumindo aos poucos, havia chovido muito nas ultimas semanas. 

- Você quer conversar com mais calma sobre ontem? - eu disse. 

- Não, eu disse tudo aquilo num momento de coragem, não sei se consigo voltar naquele lugar - seus olhos marejaram - Por mais que eu não saiba o que fazer. Sei lá, minha cabeça está muito cheia e só de pensar agora. 

Algumas lagrimas rolaram pelo seu rosto. Eu não sabia o que dizer nem o que fazer, passei a mão em seu rosto enxugando as lagrimas e depois com carinho para tentar acalma-lo, ele se aproximou e encostou a testa na minha e disse: - Desculpa, por favor, não queria te trazer para o meio disso, me perdoa, tá?

Não pensei nesse momento, me aproximei dele e ele não se afastou, então gentilmente toquei meus lábios nos dele e me afastei novamente, mas ele me puxou de volta e me beijou com intensidade, mal percebi e estava em cima dele, sentia o calor do corpo dele, a tensão dos braços dele me envolvendo, sua mão em meu pescoço, minha mão em seu rosto, sentia tudo e ao mesmo tempo nada. Era como se tudo à minha volta tivesse sumido e só existíssemos nós dois, sentia o corpo dele contra o meu, suas pernas entre as minhas, seu toque gentil descendo em minhas costas, eu mal sabia o que fazer com minha mãos. 

Pi pi pi pi pi pi pi... Tocava o alarme à distancia, mas eu não queria sair dali, não queria sair daquele momento. 

- Miguel? Posso entrar? - ouvi tio Ricardo gritar em minha porta - Miguel? - disse ele de novo, eu não queria sair daquele momento de maneira alguma, mas ele bateu com força na porta, então lembrei que não estava trancada, soltei rapidamente de Feco e fui parar no cantinho da cama, ele fez o mesmo quase caindo da cama, finalmente respondi: - Entra, tio! 

Claramente dava para perceber que tínhamos algo à esconder ali, seja o suor, o rubor em nossas peles, os cabelos bagunçados, entres outras coisas que prefiro não citar. 

- Ei, meninos - ele se colocou para dentro fechando a porta - Ontem vocês estavam agitados, preferi deixar para saber o que está acontecendo hoje.

- É, desculpa trazer o Feco aqui assim tio, espero não ter assustado nem nada - me virei para Feco que estava tentando se recompor - Você pode contar para ele, e como você disse, seus pais já sabem mesmo. 

Ele respirou fundo e se ajeitou na beirada da cama se sentando. 

- Minha namorada está gravida - ele disse rápido.

- Namorada? - meu tio disse.

- Sim, e meus pais estão felizes, favorece os negócios deles, mas eu... - seus olhos encheram de lagrimas novamente. 

- Claramente não está, sinto muito - meu tio sentou ao lado dele, colocou os braços envolta dele e disse: - Eles sabem que você está aqui? 

Feco negou com a cabeça. 

- Minha mãe está viajando, meu pai nunca percebe se estou em casa ou não, só avisei a governanta e o motorista que ia correr, Pedro deve saber, ele sempre observa as câmeras da frente da casa para saber se cheguei ou não, e ela dão visão da sua  entrada. 

- Primeiro quero que você avise que está aqui e seguro, depois vamos tomar café e então você vai se trocar para ir para o colégio - ele disse com tranquilidade - Na hora de voltar, se você quiser pode vir para cá jantar e passar a noite, então conversamos com calma sobre a situação, pode ser? 

Ele fez que sim com a cabeça e voltou a chorar, tio Ricardo abraçou ele e disse: - Fica calmo, nós vamos resolver isso, não é o fim do mundo. Por mais que pareça. - Ele se levantou e foi para a porta - Vou deixar vocês conversarem um pouco, vou tomar um banho e vejo vocês lá em baixo em trinta minutos. 

Ele saiu e fechou a porta, me aproximei de Feco sentando-me ao lado dele. Passei o braço a sua volta como meu tio fez, só que coloquei a mão em seu queixo e o beijei, dessa vez de maneira mais sutil e carinhosa. 

- Vai ficar tudo bem, ok? - eu disse em seguida - Não sei como, mas confia em mim. 

Ele esfregou a cabeça em mim. 

- Gosto muito de estar com você, estava com muito medo de você não corresponder - ele murmurou.

- Eu nem sabia que você... Sabe?

- Eu também não sabia de você - ele olhou para meu rosto.

- Acho que nem eu sabia de mim, nunca fui muito de rótulos, mas nunca me arrisquei assim.

- Nem eu - ele me beijou de novo e então fui ao banheiro escovar os dentes, que só então percebi que eu poderia estar com um bafo horrível.    

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⏰ Última atualização: Feb 19, 2022 ⏰

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