Capítulo 14

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Ficar em casa agora era estranho, pois trabalhava para os Traynor durante a semana inteira e ainda alguns finais de semana. E ficava mais estranho ainda por ter me acostumado estar lá. Will parecia tá com um humor melhor, mas ainda sim um tremendo mal educado. A Sra. Traynor era a mesma de sempre, sem reação a nada, acho que ela me odiava. Sr. Traynor parecia alguém sempre mais disposto, mas era estranho algumas atitudes dele. E o Nathan é o bom colega de serviço.

🐝

Na manhã seguinte, cheguei no anexo percebendo um ar diferente, parecia que Will estava de bom humor. Depois que eu levei uma bronca e um olhar de reprovação da Sra. Traynor, Will me agradeceu por ter ficado e ter cantando a canção Molahonkey. Estranhava essa mudança dele.

Já se passava das duas da tarde, Will me obrigou a sair com ele para tomar um pouco de ar.
Estávamos perto de uma árvore, aproveitando a sombra. Will com sua cadeira de frente para mim, sempre observando algo atrás de mim. Me Ajeitei em um banco.
Will depois de um tempo voltou sua atenção a mim e engoliu em seco.
_ Posso te fazer uma pergunta, Clark?
Tremi com aquele tom e o olhar dele.
Acho que sabia o que viria. Lembrei do que ele me disse a dois dias atrás.
_Você iria fazer ela de qualquer forma.
_ Como seu pai... bem...
_ Primeira vez que vejo Willian Traynor sem fala. – abri um sorriso fraco que logo Will me acompanhou.- Faleceu?
Ele apenas assentiu.
_ Bom, ele teve um infarto. Aparentemente é algo de família.
Desde o fatídico dia, nunca falei sobre a causa da morte do meu pai, as pessoas que precisavam saber já sabiam, então não via necessidade de falar disso. Mas a verdade é que tenho um pouco de medo se de fato for algo hereditário.
Estava olhando uma árvore um pouco atrás de Will, quando voltei meu olhar para ele, vi um misto de sentimentos e perguntas em seu semblante.
_ Aconteceu alguma coisa?
_ Só isso?
_ Só isso o quê Will?
Ele parecia mais desconfortável do que o normal naquela cadeira.
_ É só essa explicação quando alguém pergunta sobre o seu pai?- ele me olhava incrédulo.- Ah vai, Clark. Cadê a parte que você começa a falar sobre o quanto ele era um homem bom, ou como ele cuidava de você e do seu irmão, ou como ele amava sua mãe, ou... ou sei lá que você sente saudade dele. Você não é fria Louisa e não precisa aparentar ser uma pessoa babaca fingindo que está tudo bem.
Depois desse ódio que ele descarregou em mim, Will parecia alguém que tinha acabado de solucionar um caso que ele provavelmente era acostumado a resolver em sua antiga vida empresarial. Will estava com o olhar mais determinado, mas ainda sim dava para perceber uma certa hesitação nisso, talvez pena. As palavras que ele disse pairava no ar, cada uma foi um soco para mim. Ninguém me tratava dessa forma, me tratavam como se eu fosse algo que poderia se perder por quê o querido papai faleceu. Não que aparente Will não tinha pena, ele tinha, sabia esconder bem, mas ela apareceu quando seu olhar se suavizou e seu maxilar ficou tenso.
_ Louisa, eu não quis dizer que você é uma pessoa babaca, ou que você não ame e sente saudade de seu pai. Você só não precisa aparentar alguém que está cem por cento bem.
Comecei a prestar atenção nele, pois tinha estacionado minha atenção quando ele me chamou por Louisa e depois de babaca. O pior babaca do mundo me chamando de babaca. Estava farta disso, das pessoas me vendo como uma maquina ou com pena de mim. Estava farta de Will por ele ser um tremendo babaca, mas ainda sim, ele soube me ler nesse curto período.
_ Clark?
_ Quer saber Will?- disse me levantando e fazendo círculos em volta da cadeira dele.- Eu estou cansada, cansada de pessoas igual a você me julgando como uma babaca. O que você quer saber? Sim, ele era um homem incrível. Ele cuidava incrivelmente bem de mim e do meu irmão. Ele amava minha mãe mais do que tudo nessa vida. E sim, eu morro de saudade dele.
Não percebi que momento comecei a chorar, e nem percebi quando voltei me sentar no banco.
Will parecia mais imóvel do que nunca. A preocupação tomou conta dele. E olha que nem falei tudo que queria falar.
Me ajeitei no banco ficando em posição fetal e fechei os olhos.
Alguns minutos depois Will me chamou atenção.
_ Lou.- seu tom de voz era de dor, não consegui deixar de olhar para ele. Levantei o olhar e encontrei um par de olhos castanhos me encarando, sem brilho porém.- Eu não quis insinuar mesmo que você é uma babaca. Só queria conversar com sobre isso. Só quero te conhecer. E o pouco tempo que estamos convivendo, percebi que você fingia que estava tudo bem, e agora sei o motivo disso. Só queria ajudar.
Percebi que não havia maldade na fala dele. Queria descarregar minha raiva nele, mas assim como não sou a culpada pela a tetraplegia dele, ele não é o culpado pela a morte de meu pai.
Decidi falar apenas:
_ Obrigada.
Will abriu um sorriso torto.
_ Bom, se eu não estivesse nessa cadeira, estaria com você em meus braço te acalmando e falando que tudo vai ficar bem.
O homem babaca de sempre voltou.
_ Ainda bem que você está de cadeira de rodas. E eu namoro.
_ Aff.
Me sentei direito e encarei Will.
_Sabe o que eu vejo em você, Clark?
_ Não me diga potencial.
_Potencial.
Senti enjoo com essa palavra.
_Will, por quê disso? Até alguns minutos atrás você me via como uma babaca.
_ Você não é uma babaca, aliás fui perdoado. Só que além de ser uma pessoa que carrega um a tristeza profunda e não assume, você é uma mulher que tem potencial.
Aquilo só podia ser um trocadilho dele.
_ Você tá falando sério?
_ Louisa, por que você tá aqui? Sei que o salário é alto, mas você não estudou para ser  companhia de um homem de 35 anos e inválido.
_ O que você quer que eu faça? Seja igual as inúmeras mulheres que você já namorou? Me poupe Will.
Ele parecia sem reação.
_ Não sou igual a Alicia. Não quero um Rupert na minha vida.
_ Ele já tem dona.
Will abriu mais o sorriso.
_ Você ainda é nova, deveria tá estudando agora.
Estava cansada disso. Encarei ele o tempo suficiente para mudar de assunto.
_  Will, você precisa fazer essa barba, antes que ela fica maior e eu tenha que pegar resto de comida nela. Sinto muito, mas terei que processar você por estresse no trabalho.
Will revirou os olhos.
_Você tá mudando de assunto, né?
_É, estou.
Engoli em seco e voltei a analisar a árvore atrás de Will.
_Tá, eu deixo.
_Você deixa?
_Você fazer minha barba.
Voltei meu olhar lentamente para Will, que me recebeu com um sorriso encantador. Sorri em resposta.

E lá estávamos nós no banheiro adaptado preste a fazer algo que parecia histórico. Arrumei a cadeira de Will de modo que ficasse próxima a pia. Coloquei sobre o tronco de Will uma toalha de banho, fiquei com medo da de rosto ser muito pequena. Preparei as coisas que possivelmente iria precisar. É agora, essa é a hora!
Já estava com um aparelho de barbear em mãos, mas tremia um pouco por alguns motivos: 1- nunca barbei um homem, só via Patrick e as vezes Alex fazer isso; 2- Iria barbear alguém; 3- e esse alguém é William Traynor.
_Vai mesmo fazer isso?
Abandonei meus devaneios.
_Claro, já estamos aqui.
_ Minha mãe vai ficar tão feliz.
_ Vamos começar então.
Me aproximei mais de Will e comecei a fazer o que me estava dando calafrios. Ao longo que tirava aquela barba enorme conseguia enxergar um novo Will. Pude notar algumas sardas, olheiras enormes, rugas que possivelmente nem o pai dele teria, sua boca parecia uma linha, mas quando abria em sorrisos se revelava bem diferente, e sua pele fria e pálida. Will poderia ser considerado alguém muito encantador, deve ser por isso que vivia rodeado de mulheres. Respirei fundo e fiquei no que estava fazendo, aliás namoro uma pessoa encantadora.
Quando terminei percebi que demorei mais do que planejava. Will parecia ter cochilado em algum momento, estava bem tranquilo. Quando seu olhar encontrou o meu, abriu um sorriso que logo acompanhei.
_ Você está com uma expressão engraçada, Clark.- ele disse.- Me diz que você não raspou as minhas sobrancelhas.
_Raspei só uma.

O fim de tarde foi tranquilo. Mandei uma foto do que fiz para Nathan, que faltou me abraçar por mensagem. Will terminou o cochilo que tinha começado mais cedo. E eu, fui limpar a sujeira do banheiro, logo após preparei o jantar de Will.
Já estava dando o meu horário e logo o Sr.Traynor viria para ficar no meu lugar, mas comecei a me preocupar, ele estava começando a demorar. Arrumei meus pertences e avisei o Will que iria pegar as correspondências na Granta House, logo em seguida viria buscar minhas coisas e me despediria dele. E assim foi, ou começou a ser.
Fui para a Granta House pelo o corredor do anexo, que dava perto da escada luxuosa da casa. Do lado da escada havia uma mesinha de madeira, um modelo da era vitoriana. Encima dela tinha um vazo com umas flores que parece ser trocado todos os dias assim que o dia começa, não deixo de pensar o gasto que isso dá.
As correspondências de hoje eram poucas, de oito envelopes, três era para Will. Assim que coloquei os envelopes que não era da minha conta de volta na mesa, escutei vozes vindo de uma sala que havia ali perto.
_...achei que ele mudaria de ideia.
Reconheci na hora de quem era a voz: Sra. Traynor.
Sabia que aquilo seria errado, mas me aproximei mais da porta, ficando perto de outra mesinha.
_ Eu também achei.
A segunda voz era do Sr. Traynor.
_ E agora, o que vamos fazer?
A Sra. Traynor parecia que estava chorando.
_ Vamos apenas esperar.
_ Vamos fazer o que? Will é o meu filho! Não vou esperar.
_Ele também é meu filho!
O Sr. Traynor parecia que tinha perdido o resto de paciência que mantinha.
_Deveria ter reconhecido o selo da Dignitas.
Dignitas...Ah não. Quando entendi o que aquilo significa veio novamente as vozes.
_ Você acha que a cuidadora bonitinha vai fazer ele mudar de ideia?- disse o Sr. Traynor.
Gelei. Ele se referiu a mim. Tudo passou a fazer sentindo. O contrato de seis meses, o por quê deles ter procurado alguém para ser mais que cuidador e a questão do tempo que Will não poderia ficar sozinho. Eu estava ali para tentar mudar a cabeça de um suicida. Aquilo foi um basta para mim, me virei e comecei a sair de perto da porta, mas estava tão atordoada com essas informações que esbarrei com o quadril na mesinha do meu lado, fazendo um vazo cair. Isso foi tudo que eu precisava para sair do meu transe, saí dali correndo.
Entrei no anexo e fui direto pegar minhas coisas. Nathan estava  com o Will assistindo futebol.
Estava saindo do anexo sem ao menos verificar se estava já na minha hora de ir embora.
_Tchau Lou.
Escutei Will dizendo um pouco antes de fechar a porta.
Respirar ar fresco fez clarear meus pensamentos. Will queria morrer, todos aparentemente estavam de acordo. Mas eu não sabia, eu estou sendo usada apenas para fazer Will mudar de ideia. Isso fez o ódio que eu tinha guardado dos Traynor ‘s voltar com tudo. Não pisaria mais o pé aqui.
Assim que fui para o meu carro, percebi que tinha alguém me esperando lá. Era a Sra. Traynor. Queria sentir pena dela por conta do filho, dela ter chorado não muito tempo e por ter borrado sua maquiagem cara, mas meu ódio só aumentava quando me aproximava.
Assim que parei de frente dela, percebi uma lágrima solitária percorrer seu rosto abatido. Com certeza estava com dó da maquiagem.
_Precisamos conversar Srta. Clark.

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Demorei um pouquinho, mas voltei.
E aí, como ficando a história?

Como Eu Era Antes de VocêOnde histórias criam vida. Descubra agora