Capítulo 1: Cessar fogo

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— Qual a resposta da questão 16, Liara?

Eu havia acabado aquela resolução há três minutos, mas queria dar uma chance para outro aluno responder. Pra ele responder.

— Liara, a resposta, qual é?

— Eu... é... — Aquilo era humilhante, era uma fórmula simples, não é possível que ele ia me deixar fazer aquele teatro o dia todo.

— 45, professora. — Uma voz veio do outro lado da sala.

— Isso mesmo, Heytor, resolve na lousa — Fátima entrega o canetão vermelho para ele — você está dando vantagem demais pro inimigo essa semana, o que aconteceu?

— Só acho que fiz algo errado — continuo analisando os números procurando uma desculpa — achei, ai que saco, isso era um 9, não um 4, preciso melhorar minha caligrafia.

— Hm.

Ela parecia decepcionada, dava para sentir.

Nessa pequena guerra pra decidir quem é o melhor da escola, Fátima é a única professora de exatas que fica ao meu lado, os outros sempre tentam dar vantagem pro Heytor ou fingem não saber do que se trata. Pode não ser algo oficial, mas será lindo acabar com a raça dele quando o semestre acabar. Só não hoje, hoje tá tudo bem.

O sinal toca e todos começam a guardar os cadernos para ir almoçar.

— Que lamentável, Liara — Heytor para ao meu lado e abre seu armário — era uma questão de nível 2 — ele parecia sorrir por baixo da máscara pois seu ombro ia pra frente inconscientemente.

— Eu sei — comecei a mexer nos livros de um lado pro outro do compartimento de metal pra ver até onde a conversa iria.

— Como acha que vai passar na USP assim?! — ele fecha seu cadeado, encosta na porta e fica me encarando com seus delicados olhos castanhos. — Eu vou acabar pegando sua vaga.

— Só se eles estiverem fazendo caridade esse ano. — Tranco o cadeado e reviro os olhos.

— Ui, ela ta brava, vou até sair de perto. — Ele levanta as mãos na altura do rosto e segue o corredor na direção contrária.

— Eu odeio esse garoto. — falo fechando o punho no ar.

— Pois continue odiando que isso gera entretenimento — Mateus sai da sala 5 mexendo em seu Instagram.

— Só você mesmo, viu — movo a cabeça em sinal de negativo e rio.

— Eu acho super saudável: vocês se odeiam, mas não se matam e ainda melhoram a pontuação da escola no ranking estadual sem eu ter que fazer minha parte. — ele caminhava enquanto parecia apresentar uma proposta promissora.

Mateus é um gênio artístico e político, mas uma negação pra ciências exatas, passa de raspão nas matérias da Fátima e da Lúcia.

— Vai almoçar onde hoje?

— Tia Suelen não vai nos alimentar? — ele me olha sem entender.

— Sem receitas vegetarianas dessa vez, minha mãe foi pra São Paulo.

— Burguer King então? — era nossa segunda e última opção perto da escola.

— Claro!

— Vou só entregar a chave do armário pra Pyetra — ele a separa do chaveiro do homem de ferro.

— Você poderia fazer uma cópia pra quando precisasse...

— E perder a chance de ver ela todo dia duas vezes por dia? Nem pensar.

Seu cabelo azul parecia se movimentar sempre que o nome dela era pronunciado e do alto dos seus 1,85m ele era hipnotizado pela guria de 1,60m a mais de dois meses, porém sem coragem de se declarar.

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Depois de fazer o pedido, sentamos em uma mesa do lado externo e esperamos sermos chamados.

Camilly e Emilly também sentam conosco.

— Amiga, pode ir falando, o que deu em você hoje? — Emilly começa enquanto tira a mochila das costas e coloca no chão.

— Oxe, como assim?

— Até eu terminei a questão 16 — Camilly completa.

— Ela deve estar só desistindo da guerra — Emilly supõe.

— Credo, gente, foi só uma questão — os três me olham com as sobrancelhas arqueadas — Ok, foi um cessar fogo temporário.

— E por que isso tão de repente? Ta gostando dele é? — Mateus finalmente fala algo.

— Não, que nojo! — faço careta de quem comeu algo azedo.

— E então... — eles pareciam urubus em cima de carniça, prontinhos pra pegar qualquer informação antes que qualquer um.

— O pai dele está internado com covid há uns 3 dias, já — suspiro — só tentei ser mais humana.

— Como você sabe disso?

— Nossas mães são sócias no restaurante,lembra?  Eu tava no carro com a minha quando a senhora Cho ligou pra avisar.

— Não era pra ele estar na escola então, deve estar contaminado, vai passar pra todo mundo. — Camilly fala enquanto faz um coque com suas mechas onduladas.

— Respira, todos da família fizeram o teste, só o pai deu positivo, mas, gente, isso não sai daqui, ok?

— Combinado.

Todos selam segredo juntando os dedos indicadores no meio da mesa e depois levando-os aos lábios.

Como se fosse convidado, Heytor aparece com Rafael e Carlos pela porta da frente.

Todos se olham e disfarçam, mudamos de assunto até que o pedido é chamado em voz alta.

Saboreio meu hopper enquanto Emilly conta da longa saga pra encontrar o vestido perfeito pro baile de formatura daqui três meses.

— ... Ai ela falou que essa cor está fora de moda e me mandou embora.

— Nossa, amiga, e você tentou ver na... — sou interrompida.

— Uma batatinha pra você, florzinha — Heytor deposita a embalagem em cima da mesa — ta precisando se alimentar mais pra essa guerra ser justa. — ele pisca pra mim e sai seguido dos amigos.

—Ok, o cessar fogo acabou! — meu coração dispara e começo a pensar nas provas finais e trabalhos extras pra pontuar mais que ele. 

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