Capítulo 12: Passagem de ida

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A última semana de aula antes da viagem era como um limbo, não passariam coisas novas e tinham terminado as velhas, então basicamente íamos pra escola pra fazer comentários sobre o que achamos do semestre e jogar uno ou truco.

Muitos usavam esses dias mais relaxados para sumir pelos cantos e ficarem. Pensei que Bruno cogitaria essa possibilidade, mas ele nem tocou no assunto, fiquei imensamente agradecida por dentro, pois não seria uma situação confortável pra mim.

Passamos alguns momentos juntos, jogando cartas, rindo, conversando. Ele parecia brilhar quando falava meu nome e fazia questão de me deixar vermelha sempre que podia, ele sabia exatamente o que estava fazendo e eu estava gostando tanto.

Porém, nem tudo são flores. Heytor continuava na minha cabeça e quanto mais eu afastava os pensamentos, mas ele insistia em aparecer para me atormentar. Quanto menos eu o via pelos corredores, mas ele aparecia nos meus sonhos.

Eu só queria gritar bem alto até os divertidamentes desligarem a tomada das lembranças com ele. Eu não aguentava mais querer molho de pimenta e tortuguita.

Tentei falar com ele inúmeras vezes depois da entrega da última nota, mas ele é ligeiro e quase nem olhou na minha cara depois daquilo. Ele estava machucado, algo machucou ele por dentro, fundo, mas eu não sabia se teria sido eu ou outra pessoa, aquilo me torturava.

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Arrumo a mala pra viagem na noite anterior e começo a sentir algumas dores no pé da barriga, mas não comento com ninguém.

Chego na escola com um pouco de antecedência e já entro no ônibus enquanto alguns alunos vão ao banheiro e falam tchau aos pais. Coloco meus fones, reclino a poltrona e vou assim até o aeroporto. Mateus estava ao meu lado.

Chegamos ao aeroporto junto com o pôr do sol e eu troco o mínimo de palavras possíveis com as pessoas, eu não tinha acordado bem e as dores pareciam querer voltar.

Na passarela de embarque, Mateus toma coragem e fala comigo.

— Liara — ele encosta do meu lado como se fosse contar um segredo — troca de lugar comigo no avião? Eu quero ir do lado da Pyetra.

Eu realmente queria que todo mundo se explodisse porque um filhote de dinossauro estava devorando meu útero de dentro pra fora, mas para o Mateus eu com certeza abriria uma exceção.

— Claro, qual a sua?

— Poltrona 27, é na janela. — ele tenta me animar mais pois sabe que prefiro ela ao corredor.

— Ta bom, mas quem tava do seu lado? — pergunto temendo ser qualquer garoto barulhento.

— Não sei...

Concordei e fui até o assento dele.

Seguindo o mesmo ritual do ônibus, estava apenas esperando a decolagem quando a última pessoa do mundo que eu pensei que sentaria ao meu lado, chegou.

Heytor entrou quieto, apenas se sentou e esperou as instruções do piloto.

Passei os primeiros 30 minutos do voo me revirando de um lado para o outro da poltrona em uma tentativa falha de achar uma posição em que a cólica fosse mais amena.

Sinto uma mão tocar meu ombro. Tiro os fones.

— Estou te atrapalhando? — pergunto seca.

— Eu tenho buscopan, se quiser — ele respondeu docemente.

— Por que você anda com um remédio de cólica? — pergunto confusa.

— É pra Nabi, ela sempre esquece, eu acabo deixando na carteira pra quando saímos juntos — ele sorri — você quer?

Concordo com a cabeça.

Ele abre a carteira, destaca uma cápsula e pede um copo de água pra aeromoça.

— Obrigada. — pego o copo, engulo a cápsula e tomo a água.

— É melhor você colocar mais uma cobertura, temperaturas muito baixas pioram... — ele pausa — toma — tira a jaqueta jeans e coloca em meu colo.

— Por que você está fazendo tudo isso? — pergunto virada de costas para janela enquanto ajeito a jaqueta como uma pequena manta.

— Vocês sofrem com essas dores a vida toda, estar pronto pra dar o mínimo de conforto é obrigação de qualquer homem que se importe. — ele responde como se fosse uma regra universal.

— Você não tá mais bravo comigo? — pergunto com certa expectativa.

— Eu nunca estive — ele responde calmo reclinando sua poltrona — me afastei porque a guerra acabou, não tinha mais o porquê te estorvar ou qualquer coisa do tipo... — seu rosto não estava banhado pelo brilho de sempre, era como se ele estivesse cansado ou martelando algo na cabeça.

— Hm.

Eu preferia que ele tivesse falado que me odiava com todas as forças, que eu tinha feito algo de errado, que ele estava indignado com o resultado. Qualquer coisa que demonstrasse o mínimo de sentimento, mas não aconteceu.

— Eu vou dormir um pouco — ele boceja — boa noite.

— Boa noite.

Ele fecha os olhos e se torna a paisagem mais bonita do mundo, os raios da lua batendo em metade de seu rosto davam um ar divino a cada traço, desde seus olhos, nariz fino e boca que parece tão macia. Eu poderia ficar lá quietinha admirando meu eclipse particular por horas.

Como seria se ele gostasse de mim? Como seria se ele me olhasse assim como o Bruno me olha? Como seria se eu contasse tudo que sinto?

— Eu queria ser o motivo do buscopan na carteira... — admiti sussurrando comigo mesma e deito no banco.

Os pensamentos rodaram sem solução até que adormi aos poucos.


Poltrona 27Onde histórias criam vida. Descubra agora