Capítulo 4

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Trilha Sonora: Lucas King - Silence
2012, Homs-Síria

Sempre me considerei destemida, minha mãe me considerava inconsequente

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Sempre me considerei destemida, minha mãe me considerava inconsequente. Mas quando falei pra onde eu ia, vi ela surtar, me chamando de louca e gritando à mim que era uma lunatica ao fazer o que ia fazer, nem isso me impediu de estar aqui, nem isso me parou. Nada iria me impedir de meu objetivo cumprir, nada. Eu vim aqui com o objetivo de mostrar o lado humano da guerra, somente as estatísticas me doíam, eram pessoas, eram vidas, ninguém mostrava a história dessas pessoas, se tinham amores, famílias ou se sofriam com tudo isso sem ser de uma superficial forma. Tudo isso me alarma e muito, então se eu sou uma lunatica eu não me importo, o que me importa é sair daqui tendo cumprido com o meu objetivo. Não se tinha notícia se tinha algum brasileiro cobrindo à guerra, por isso estou aqui, eu quis vir para ver isso com os meus próprios olhos, para mostrar o que acontecia em meio ao caos, por isso nesse momento eu desembarco em Homs sentindo o calor do deserto encontrar-se diante da minha pele fazendo dos meus poros o suor brotar, passo a mão sobre a testa na tentativa de secar aquelas gotículas de água e sal, mirando o horizonte na procura do meu Informante.

Iasmin? — me viro, me deparando com um homem baixo e semblante persa.

Nizar? — pergunto, ainda tampando os meus olhos do forte sol.

Sim, sim...

Nizar era o meu informante, um ativista dos direitos humanos sírio.

— Esse é Bruno — o apresento ao homem alto e negro que me acompanhava nessa jornada, ao contrário de mim Bruno teve sua mão apertada pelo o outro homem, mostrando um dos motivos do porquê de ele estar aqui.

— Vamos... — nos chamou até uma antiga van, fazendo com que nós o seguíssemos. Ajeito a minha mochila com mais equipamentos do que roupas, me encaminhando até ele, tendo à certeza que nesse momento tudo mudaria.

Nizar morava em uma área residencial, durante o caminho eu comecei a filmar e a fotografar à guerra, eu me segurava, me segurava para não chorar, por fora era somente a profissional Iasmin, era essa à visão de quem observava, centrada. No meu profissionalismo era no que me agarrava.

— Vem ver a laje... — pediu, o sério homem.

No alto do prédio de Nizar o cenário da guerra se fazia presente, mostrando a cidade completamente destruída pelo poder de fogo da pólvora, sendo consumida pelo caos humano. Os prédios que algum dia do passado com toda a certeza foram as mais belas obras da arquitetura se encontravam em grande número destruídos, era assustador pensar no que um ser humano era capaz de fazer com o outro.

— Vem ver a nossa situação... — nos chamava gesticulando.

Caía uma bomba e dez segundos depois caía outra, aviões da força aérea Síria bombardeavam à cidade. Nizar falava alto, falava e lamentava em árabe, idioma que eu entendia por ser filha de um pai muçulmano, lamentava e eu me segurava para não tremer e comprometer as imagens.

Meu Deus é grande! — gritava o homem, olhando o fogo ao longe subir. — Alah! Meu Deus é grande!

Assim que saí daquele prédio uma bomba mais a perto caiu, com a câmeras em mãos não hesitei ao mirar a explosão. Não podia ficar por muito tempo ali, apesar de ser mais seguro, ainda tinha que encontrar com uma fonte minha em um hospital no centro de Hums.

— Quando você sair daqui, até chegar no hospital você vai passar por várias barreiras de militares, tome cuidado, porque se eles pegarem sua máquina com essas imagens coisas ruins vão lhe acontecer. — me avisou, sério.

Nizar havia deixado tudo preparado, ele tinha conhecimento, tinha contatos que nos ajudaria e muito naquela viagem e conseguiu um táxi para nos levar até o hospital onde outro dos meus Informantes se encontraria. Durante o trajeto eu ouvia o som do pó sendo inflamado, causando explosão, eu sinalizei para o motorista, batendo sobre o assento para que parasse o veículo ali.

— Para, para... — pedia, revezando o meu olhar da janela para ele, do vidro eu tinha a imagem das pessoas correndo em nossa direção e pegando a câmera havia posto-me a fotografar.

Desço do carro correndo em oposto àquelas que dali fugiam, talvez eu seja realmente uma lunática. Segurava a câmera correndo pelo chão em terra vermelha com o equipamento em mão, parando ao meu limite e fotografado e logo voltando para o táxi. Durante o caminho o veículo balançava e eu tentava não me horrorizar com os rastros da morte naquele lugar, corpos e destroços eram registrados por aquela câmera, aquelas imagens eram armazenadas em um cartão, tudo aquilo a minha volta, tudo aquilo que não queriam que fosse mostrados gravados em minhas mãos e nos meus olhos, tudo aquilo armazenado em um micro cartão para logo ser exposto ao mundo. Foi tudo muito rápido, logo o estrondo dessa vez perto fora ouvido, eu saí do veículo com pressa, mas a tempo de separar da máquina ao meu pescoço o cartão, eu entreguei para Bruno, me preparando para ajudar aqueles que se agonizavam ao chão.

— Corre e mande isso para o pessoal da sede — mandei, fechando a porta do carro e batendo na sua lateral. Corri em direção ao menino que naquele momento nos braços da mãe desacordada estava.

Não sei o que foi o que aconteceu, nem sei porque fiz isso, talvez seja o tal extinto materno me chamando, não deixando que aquela criança morresse naquele lugar, só sei que naquele momento, como dizia a minha mãe, agia junto a demência. Em um segundo meu corpo foi ao chão com impacto na minha cabeça, mas cai tentando proteger a criança.
A imagem de meu marido e da nossa filha em seus braços se idealizou em minha mente, era eles que eu via enquanto o meu mundo se roía.

Se eu voltar pra eles, Deus... eu prometo parar... eu prometo — prometi a entidade que acreditava vendo o vermelho carmim do meu sangue cobrir a minha visão e uma dor cruciante me atravessar, mas não sem antes diante da minha vista o vulto passar.

[...]

O telefone fixo tocou na sala, o homem correu para atender no aguardo de notícias. Ansioso o homem apressou os seus passos, passando mão com falta de manejo tirando o telefone da base e levando ao ouvido.

— Alô? — perguntou, ansioso pela resposta do outro lado da linha.

Cara...

— Bruno?! O que aconteceu com a minha mulher? Bruno?! — o mau presságio o perseguia desde a noite que sua mulher embarcou no aeroporto.

O Viúvo (Série: Loving b. Brasília 4) [Degustação]Onde histórias criam vida. Descubra agora