iii.

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havia sido um dia longo, que se arrastou até o último segundo e deixou o pescoço dele cheio de nós. o descanso seria bem-vindo, recebido com gosto e todo o entusiasmo que ele conseguisse conceber no estado em que estava. mas tudo o que ele queria - ora, que ele precisava - era de katniss.

a mera conjectura dela o sustentou por todo o caminho da padaria à vila dos vitoriosos. mas não havia traços dela em casa, reiterados pela ausência do aroma do jantar que ela preparava, nos não-ruídos e tilintar das panelas da cozinha e na inexistente bota suja de lama na hall.

ele suspirou, lamentando sozinho, consciente do seu anseio desesperado. ela provavelmente estava na floresta e não voltaria para casa. havia dias em que ela precisava se rodear pelas árvores tanto quanto precisava de oxigênio nos pulmões. peeta subiu as escadas, decidido a tirar o odor de fermento e suor impregnado em seu corpo antes de preparar o jantar, embora nada do que pretendia cozinhar ficaria tão bom quanto a comida de katniss. era como se faltasse tudo naquele dia: energia, barriga cheia e... ela.

as escadas apresentaram um desafio por si só. sua perna latejava e, mesmo com anos de experiência, o cansaço o venceu, o fazendo mancar. peeta já havia aceitado que seria sempre assim, mas naquele dia em particular aquela era uma lembrança desagradável. ele retirou a prótese, os sapatos e as meias antes de adentrar ao banheiro.

e a visão que o cumprimentou seria esplêndida, não fosse o pesar da cena. katniss estava em casa, afinal de contas. sentada na banheira, a cabeça apoiada nos joelhos e os braços ao redor do corpo. ele não hesitou em andar até ela. tentou fazer fazer pouco barulho, mas se com dois pés a tarefa era difícil, com uma só era impossível. ainda assim, ela não se mexeu.

e não havia surpresa nenhuma nisso; ela estava no mundo dela, um lugar onde ele tinha certeza de que ela não merecia estar aprisionada. ele tocou os ombros dela, os braços, os cabelos molhados e começou uma massagem em cada parte do corpo dela que seus dedos podiam alcançar. era isso que eles faziam, protegiam um ao outro, até deles mesmos. aos poucos e com algum esforço, katniss começou a recuperar o movimento de seu corpo e ela se encostou na beirada da banheira, ao lado de onde ele havia sentado chão, empapando a camisa dele.

o rosto dela se virou lentamente, procurando por ele. e as pupilas dela dilataram ao encontrá-lo. quando ela estava confortável apoiada no peito dele - mesmo com a banheira entre eles -, peeta começou:

"sabe a árvore robusta, na começo da estrada na direção da cidade? hoje quando voltei elas estavam cheias de tordos. eles estavam piando quando passei. pareciam tão felizes ali, no habitat deles, sem qualquer outra preocupação no mundo. eu fiquei com medo de fazer um movimento brusco e atrapalhar a cantoria, mas eles não me deram a mínima. nem quando assobiei para eles." ele contou, rindo sozinho. "acho que nós não estamos no nosso hábitat, sweetheart", ele disse depois, acariciando os cabelos dela. katniss se virou para ele, sem entender. os olhos dela perguntaram o que sua boca era incapaz de vocalizar.

"eu estive pensando... você acha que existe a mínima possibilidade de eu não ser morto na sua floresta? porque, se houver, eu acho que deveríamos ir para lá." ele respondeu à pergunta silenciosa dela.

ela contestou baixinho e, ainda assim, ele podia ouvir o sorriso na voz dela: "você não duraria um dia, peeta". e ele parou por um momento apenas para apreciar o som rouco da voz dela depois de um dia inteiro sem ouvi-la. ele se sentia renovado.

"então que bom que eu tenho você para me proteger."

it would have happened anywayOnde histórias criam vida. Descubra agora