v.

89 4 0
                                    

há tão poucas coisas boas para ser grata ultimamente que não é nenhuma surpresa que eu faça tantas listas. longas, cansativas, verdadeiramente excruciantes listas com todos os atos de bondade que já vi alguém realizando. o segredo para tornar as listas menos árduas é manter uma linha de pensamento clara, mas é aí que mora o paradoxo.

não posso manter meus pensamentos claros, então todas as vezes que lembro de finnick se voluntariando para fazer o propo quando eu não pude, eu lembro do motivo de ele estar me ajudando em primeiro lugar; eu sinto a dor pela ausência de peeta em minhas entranhas de novo, logo depois ouço o barulho da explosão que matou finnick. minha cabeça gira e os pensamentos flutuam como em um caleidoscópio de memórias que estão sempre à espreita, esperando pelo momento de vir à tona.

— essa é a ultima fornada por hoje! — peeta diz, dando um beijo na minha bochecha enquanto põe a forma repleta de pães de queijo sobre a pia para acompanhar o jantar. — substituí o vinho por suco de uva. quanto tempo vai levar pro haymitch atirar a jarra na minha cara?

— eu acho que ele vai entrar por aquela porta já te caçando com uma faquinha de pão.

— eu vou me esconder, então. você cuida da fera. — ele responde, sério, e eu me vejo sorrindo, sem qualquer motivo aparente.

peeta sobe para tomar banho antes de haymitch chegar enquanto eu ponho a mesa, focada em minha lista. penso em peeta, nos pães que me lembraram de que eu não estava condenada, e meu peito se enche com um sentimento curioso.

gratidão. e, mais do isso, amor também.

há tão pouco para ser grata, mas esse pouco me parece tão imenso que quase me toma por inteiro.

meu pai costumava cantar em noites de outono, como esta, enquanto dançava com a minha mãe pelo chão da cozinha. uma das minhas melodias favoritas era uma que só fui entender muitos anos depois.

— mas a chuva sempre há de vir se você continuar aqui. mas eu sou o fogo e eu te manterei aquecido... — começo. e de alguma forma a minha lista fica em segundo plano em minha mente enquanto a canção se desenrola sozinha pelo meu íntimo, pelos meus vocais, meus lábios. os passos altos de peeta anunciam o seu retorno, mas eu não paro.

andando de um lado para o outro com talheres e copos e travessas e a minha mente turbulenta por onde ele vaga a todo momento. ele e todos os seus gestos. sim, a integridade dele me faz pequena. estou colocando um último garfo à mesa quando a sua mão toca o meu pulso e ele sorri. eu engulo em seco, parando no meio da frase.

— não pare por minha causa. na verdade, por mim você pode continuar a noite toda.

eu sorrio e me viro completamente para ele. suas mãos repousam em minha cintura e eu envolvo o seu pescoço, como costumávamos fazer quando éramos obrigados a dançar antes. mas há uma intimidade diferente entre a gente agora. uma intimidade que eu jamais poderia entender ou conceber até que eu a vivenciasse.

nós nos movemos em sincronia e eu estou corando quando canto o último trecho da música, olhando em seus olhos:

— é o suficiente se eu nunca te der paz?

ele me encara como se, na verdade, não pudesse ficar melhor do isso. como se não ter paz comigo fosse o maior presente que eu poderia dar a ele.

it would have happened anywayOnde histórias criam vida. Descubra agora