Um futuro estranho

Diga-me o que compras e te direi quem és

Fugui, eu saio para pegar um café e quando volto você está bagunçando tudo?

O kobold abaixou as orelhas, como um cachorro levado recebendo bronca.

Fugui pede desculpa. Fugui só estava separando.

Já estava tudo separado em ordem numérica para o empacotamento.

Fugui sabe. Fugui está separando em conjuntos.

Por que? Para que?

Fugui ficou...intrigado sabe. Essa é uma lista muito grande. E tudo isso é do mesmo pedido. Aí Fugui começou a ver certos padrões...

Padrões?

Bom... Fugui teve a sorte de poder trabalhar aqui, mas antes Fugui vivia na rua, sabe?

E o que sua história fodida tem a ver com isso?

Fugui começou fazendo pequenos serviços para sobreviver, em troca de alguns créditos. Mas nem sempre tinha algo para fazer. Quando a coisa ficava feia Fugui fuçava o lixo.
E foi aí que Fugui começou a perceber... o quanto o lixo pode contar sobre as pessoas...

Aqui não tem lixo Fugui.

Sim, não, quer dizer... lixo são coisas, no final das contas. Revirando o lixo Fugui aprendeu a conhecer pessoas pelas coisas que elas jogavam fora. Aqui Fugui está fazendo o caminho inverso. Conhecendo pessoas pelas coisas que elas compraram. Ou que alguém comprou para elas.

Certo... olha Fugui, eu não ligo se você quiser ficar até tarde separando os itens em padrões ou sei lá o que você viu aí. Contanto que depois arrume tudo de novo. Beleza?

Sim! Sim! Pode deixar. Fugui arruma tudo depois.

Bom, eu vou indo então. Té mais.

Até amanhã.

Ele foi andando em direção a porta, mas quando estava prestes a sair, afundou os dedos nos cabelos, puxando-os irritado enquanto praguejava:

Cara que saco! Me fala logo o que você viu aí.

Fugui mostrou seus dentes canídeos formando um engraçado sorriso, enquanto entrelaçava os dedos de suas mãos peludas e abanava o pequeno rabo.

Bom, Fugui acredita que sejam cinco pessoas. Existem equipamentos de uso comum para todos, como os trajes de camuflagem termo óptica, kits médicos, biomonitores e comunicadores, mas tem coisas muito específicas aqui, que pedem habilidades especiais de quem vai usá-las...

Você já me fez ficar aqui. Continua.

Bom, para começar, Fugui logo viu que um dos trajes é muito grande, mesmo para um orc. Então Fugui acha que deve ser um ogro.

Um ogro muito confiante eu diria. Se você estiver certo, ele não vai usar quase nada.

Sim, é o que menos tem coisas. Mas olha aqui atrás.

Isso parece... algo para guardar uma espada?

Sim! Uma modificação no traje para carregar uma espada nas costas. Foi feita bem fina e comprida. Fugui acha que é para guardar uma nodachi.

Noda o que?

Nodachi. Um tipo de katana, só que com a lâmina mais longa. Nesse caso uma lâmina de 90cm.

Mesmo que ele leve a própria espada, é estranho não ter mais nada.

Fugui acha que ele não precisa de mais nada. A magia deve fazer o resto.

Magia?

Sim. Magia de combate.

Certo... então aqui temos um ogro que usa magia e carrega uma katana gigante nas costas.

Uma nodachi.

Que seja.

E aqui?

Aqui Fugui não sabe dizer que tipo de raça seria. É um tamanho médio. Mas assim como aquele, esse também tem modificações para levar armas. Olha na cintura.

Duas bainhas. Uma em cada lado...

Sim. Também finas e compridas. Mas bem menores. Essas tem apenas 30cm de lâmina. Duas wakizashis.

Espadas japonesas também. Essas eu já ouvi falar.

E também confia muito nas suas habilidades. Ainda mais por isso aqui...

Estranho. Pequenos bolsos na altura do peito? Para que ?

Fugui acha que são para guardar shurikens.

Tá brincando.

Muito incomum sim. É muito diferente. Fugui imagina esses dois juntos. Um pequeno e rápido para matar de longe. Outro grande e resistente para passar cortando por qualquer coisa...

Calma. Não se empolga.

Um pouco envergonhado, Fugui foi para o próximo conjunto:

Aqui o traje não tem nada de diferente. Assim como os outros dois, esse também prefere levar seu equipamento principal. Mas veja essas coisas: um mini gerador de arco elétrico. Isso pode ser usado para derreter travas de metal, por exemplo. Junto com esse scanner de fechaduras ele pode mapear qualquer tranca de porta, e decidir o melhor jeito de abrir. E tem também esses mini drones em forma de moscas.
Perfeitos para espionar.

O scanner e os drones precisam de alguma interface para funcionar. Um monitor portátil, ou...

Um implante neural. Fugui acha que é isso. Assim ele pode ver tudo direto dentro da cabeça, como se estivesse enxergando com novos olhos.

Então temos dois matadores e um espião/batedor/arrombador. Um grupo bem interessante...
Talvez esse aqui seja o mais diferente.

O mais fácil de adivinhar também. Esse só usa componentes naturais.

Um mago?

Fugui acha que é um bruxo. De todos, é o que mais assusta.

Por que?

Os componentes representam... entropia ou corrupção. Madeira queimada, pó de enxofre, cascos de centauro podres... Mas esse é o pior de todos, disse Fugui enquanto segurava um pequeno frasco com líquido transparente dentro.

O que é isso?

Suor de pesadelos.

Eu não quero nem pensar como isso aí foi coletado.

Fugui também não.

E o melhor ficou para o final?

Esse é um ator muito bom.

Como?

Um ator. Dos bons. De todos, é o que menos vai combater. E o que mais vai fingir. Precisa ser alguém assim para fazer bom uso disso aqui: uma impressora de capa orgânica. Ela faz uma "capa" completa, um disfarce. Para isso precisa apenas do DNA, de uma amostra de voz, fotos e digitais do alvo a ser copiado.

E isso aqui?

É um kit sensorial de gravação. Tudo que o usuário vê, ouve, toca, cheira... TUDO fica armazenado nesse dispositivo subcutâneo.
E para completar duas pistolas com silenciador. É alguém não acostumado a lutar. Por isso vai levar essas armas simples.

Então além de ator esse cara vai funcionar como um cameraman?

Fugui acha que sim.

Eu admito. Essa sua brincadeira me entreteu Fugui. Vamos arrumar tudo de novo.

Você vai ajudar Fugui?

Cala a boca.

O kobold abanou o rabo feliz.