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Uma ideia inviável, eles disseram. De alto custo, com implicações impossíveis de se prever. Arriscada. De ética questionável.

Tolos. É isso que eles são. Tolos sem visão. Medíocres. Porcos chafurdando na lama por qualquer trocado.
E o que eles aprovaram no lugar do meu projeto? Um aplicativo de relacionamento baseado em feromônios!
Mas aqui não. Aqui nada pode me limitar. Ninguém pode me censurar ou questionar ou me interromper...

E de repente um desarranjo intestinal decidiu interromper seu glorioso monólogo.
Correu para o banheiro quase não chegando a tempo.

Droga. Escravo. Escravo das funções biológicas. Dormir, comer, defecar...
Mas tudo isso está perto do fim. Falta pouco. Eu irei transcender!

Naquele momento o homem parecia um rei sentado em seu trono de merda, enquanto discursava para as baratas. E por mais ridícula que fosse essa imagem, ele estava certo. Faltava pouco. Mas nem mesmo ele, no ápice de sua genialidade, pôde vislumbrar todas as implicações dessa evolução iminente...

Dias se passaram após seu desastre digestivo. Terminou os últimos pormenores e agora sua fixação perfeccionista obrigava-o a revisar tudo mais e mais uma vez. Linhas de programação, sensores neurais, injetáveis para induzir coma...
Tudo certo. Mas quando estava prestes a iniciar o processo usando sua ativação por voz, ele hesitava, resmungava coisas sem sentido e decidia descansar, para revisar tudo mais uma vez no dia seguinte.

Porque hesito? Será o instinto natural me forçando a preservar minha humanidade? Chega! Amanhã. Sim, amanhã sem falta será o grande dia!

E no dia seguinte, ele parecia mesmo ter a coragem para cumprir sua promessa.
E mais uma vez foi traído por suas funções biológicas.
E dessa vez, por algo muito mais grave que uma diarreia.
Sua angústia sufocante aumentava ainda mais a dor no peito. Seu braço deslizou por uma bancada próxima, derrubando alguns tubos de ensaio. Caiu em cima dos cacos, se cortando, a visão de seu sangue esfregando em sua cara o quanto ele era mortal afinal de contas.
Contorcia-se em um desespero rouco, enquanto seus sentidos se apagavam, negando-lhe aos poucos toda percepção do mundo.

Tão perto... e agora... longe para sempre...

Sendo um cientista renomado, ele teve inúmeros assistentes. Em seus bons tempos, equipes enormes trabalhavam seguindo suas orientações, apenas os mais qualificados. Após seu desentendimento com os acionistas, ele finalmente decidiu isolar-se a fim de perseguir sua visão do que seria o projeto mais grandioso, capaz de alterar completamente o curso histórico.
Ninguém deu muita atenção ao seu sumiço. Os diretores da megacorporação até acharam mais prático, pois para suas necessidades mundanas não precisavam de um grande talento. Um cientista mediano, sem muitas aspirações, faria o trabalho de forma bem mais fácil e menos desgastante.

Sua grande obra teria ficado escondida para sempre junto de seu cadáver, não fosse por um admirador anônimo, que teve êxito em rastreá-lo.
Com muito cuidado, ele finalmente conseguiu hackear o sistema de segurança do laboratório.
Sorriu ao ouvir o clic das últimas travas sendo desativadas. Terminando de descer a escada, tampou a boca e nariz com as mãos, numa vã tentativa de amenizar o desconforto causado pelo cheiro de morte. As lâmpadas brancas continuavam emanando sua luz estéril.

Porque ele morreu? O que ele fazia aqui?

No canto da grande sala encontrou um freezer vazio. Depositou o corpo ali, numa confusa mistura de nojo e respeito.

Esperava encontrá-lo vivo. Explicar o quanto admiro seu trabalho, me oferecer para ajudá-lo em qualquer projeto...
Foco. Preciso me concentrar em descobrir o que ele fez aqui.

Um futuro estranhoOnde histórias criam vida. Descubra agora