○ Capítulo 1 ○

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Três horas e quarenta e um minutos.

Três horas e quarenta e um minutos da manhã, e Illumi ainda não havia dormido.

Muito pelo contrário. Seus olhos negros estavam fixos no relógio, e acompanhavam o caminhar quase eterno dos ponteiros dentro do grande círculo de vidro. Illumi sabia que não era psicologicamente positivo para ele deixar um relógio na parede que ficava em frente a sua cama; ter o tempo, ali, encarando-o e julgando-o deixava a sua mente a mil.

"Você não dormiu ainda? Veja que horas são!", dizia sua mãe quando entrava em seu quarto na madrugada e via seu pequeno primogênito sem um pingo de sono.

"Não se preocupe. É uma questão de tempo até você dormir como se nada tivesse acontecido.", disse seu avô ao Illumi de 5 anos, quando este teve um pesadelo com sua primeira vítima.

"Você está aqui para ser um exemplo. Não gaste seu tempo sendo um peso para essa família.", disse seu pai quando...

Quando...

Droga, ele estava começando a lembrar daquilo de novo.

Tudo — ou, ao menos, quase tudo — estava bem, até ele ir embora. Até ele dar as costas para tudo e todos que conhecia como se não fosse nada. E a troco de quê? O que o jovem Killua almejava no mundo lá fora? E por que a ida dele deixava a mansão tão abalada?

Bem, o primogênito dos Zoldycks sabia o porquê. E estava ficando cansado de ser o único a sofrer as consequências das ações infantis de seu irmão.

Talvez, no fim das contas, sua família estivesse certa. Illumi já estava perdendo tempo demais. Era hora das coisas serem diferentes, pelo menos para ele. Se Killua podia fazer o que bem entendesse, ele também podia; e faria longe daquela casa.

O Zoldyck ergueu o tronco do colchão e pousou as solas nuas dos pés sobre o assoalho de madeira. Com um leve impulso nos quadris, ergueu-se da cama e caminhou até o armário, abrindo as portas. Pegou todas as malas que encontrou nos compartimentos de cima, as de rodinhas, as de costas, as de alça, e as jogou sobre o colchão. Illumi encheu as malas, uma a uma, conforme se lembrava de seus pertences mais importantes; desde as roupas do guarda-roupa aos seus acessórios mais pessoais, como objetos de higiene e as agulhas que protagonizavam seus episódios de matança. Em seguida, ele sacou o celular e transferiu toda a sua parte da fortuna da família para uma conta pessoal recém-criada. Em se tratando de Silva e Zeno Zoldyck, ele não podia arriscar deixar seu capital na conta que sempre teve. Illumi olhou ao seu redor, repassando com calma a lista que fizera em sua cabeça das coisas que precisava levar. Aparentemente, estava tudo ali, dentro das malas. O moreno não tinha total certeza se queria fazer aquilo, mas faria antes de se arrepender de qualquer coisa.

Illumi foi ao telefone fixo de seu quarto e digitou o número central da mansão de mordomos, que ficava dentro da propriedade da família. Não demorou muito para o sr. Gotoh, um dos mordomos chefes a serviço dos Zoldycks, atender.

Boa noite, digníssimo Illumi, em que posso ser útil? perguntou ele.

— Boa noite. Gotoh, pode preparar o meu carro e mandar alguns mordomos para o meu quarto? Quero descer com algumas coisas e preciso de ajuda.

É claro. De quantos o senhor precisa?

— Acho que...uns dois estão de bom tamanho. — respondeu o moreno olhando de relance para as malas que possuía.

— Certo, digníssimo Illumi. Seu carro estará lhe aguardando em frente ao portão principal em alguns minutos. Com a sua licença, irei desligar.

— Obrigado, Gotoh, tchau. — ele devolveu o telefone preto ao gancho, escutando o típico som estalado e agudo do encaixe.

O que Illumi mais admirava em Gotoh era sua excelente capacidade de entender a situação. Seu carro poderia perfeitamente o aguardar aos pés da escada da mansão Zoldyck, sem ser necessário que o primogênito cruzasse a propriedade inteira a pé até alcançar a saída. Porém, Gotoh, assim como os outros mordomos, era ciente de que, apesar dos Zoldycks serem uma família, eles eram os indivíduos mais individualistas do mundo quando se tratava de resolverem assuntos pessoais. Logo, o mordomo-chefe facilmente presumiu que Illumi quisesse sair sem ser notado ou questionado; o que implica em uma decisão sensata de deixar o automóvel de seu amo bem longe da casa.

Alone, with You [EM PAUSA]Onde histórias criam vida. Descubra agora