Selene - Entre o bem e o mal

Capítulo 23- O fim é apenas o começo

Fecho a porta do carro. Viro para voltar para a festa, mas após três passos sinto algo estranho. Fecho meus olhos e sinto o vento em meus cabelos.
Os ventos da mudança.

"Os ventos da mudança, trazem algo para nós e tiram algo de nós"
A voz de Morgana segue em minha cabeça.
Viro em direção a trilha.

Sigo meus instintos e entro na trilha. Ando por entre as árvores. Uma sensação de almôndega em meu coração. O ar começa a me fazer falta, como se eu estivesse sufocada pela minha própria ansiedade. Sinto vontade de chorarZ
Por favor não! Seja o que for, não estrague esse dia perfeito.
Ouço uma voz.
Eu conheço essa voz
Ele fala no celular.

"Sim, está tudo sobre controle. Não, ela não sabe. Ela acha que tudo é muito simples, pai."

Pai? não sabia que o pai dele era vivo. Nunca conversamos sobre.
Vejo ele passar a mão no cabelo com força. Ele está irritado com algo.
"Diga a ela que não tem com o que se preocupar. Luna não dará problemas, ela é a pior selene que ja existiu- ouço uma risadinha.- Diga a Trixi para ficar tranquila. Ela é burra e acho que está apaixonada.

O que está acontecendo, porque ele fala assim. A sensação se espalha para todo o meu corpo. Sinto minhas pernas fraquejarem.

- Segui todos os seus passos, fiz exatamente o que tinha que fazer. Não. Nunca fui sentimental e não é agora que serei, ainda mais por uma... selene".

Consigo ouvir o desprezo em sua voz. O tom irritado... o ódio.
Meus olhos estão marejados. Não há dúvidas de que ele fala de mim.

- Depois eu te ligo,tenho que voltar a ser o namorado perfeito. Não sabe o quando exaustivo é aguentar aquela garota.

Não consigo acreditar.
Não pode ser real.

Saio correndo, as lágrimas agora  encharcam  minha roupa. Não posso acreditar que tudo foi uma manipulação, que nada foi real. Corro o mais rápido que posso, passo por entre as árvores e sinto pingos de chuva me molhar. O céu escureceu, uma grande tempestade se aproxima, mas  maior delas está dentro de mim.
Sinto meus sentidos sucumbirem a escuridão. Só consigo sentir raiva, magoa e a pior das dores, a traição.
Sinto os ganhos das árvores me arranhando. Sinto a dor dos cortes, mas ela não se compara a do meio coração. Tudo está escuro agora.
Sangue, escuridão, raiva
Eu já vi isso antes

Chego a cachoeira, não sei como vir parar aqui e nem por quanto tempo corri. Deixo tudo vir a tona e grito para a natureza. Grito com toda a minha alma.
Ouço uma voz ao longe rir e zombar de mim. O vento ruge em meus ouvidos e bagunçam meu cabelo. Uma raiva tão grande entra em meu coração, vejo tudo borrado.

A quilômetros de distância alguém com um dom percebe que algo está errado.
-Luna.
Sussurra essa pessoa.

A voz em minha cabeça grita, não consigo ouvir nada e tudo ao mesmo tempo.
-O QUE VOCÊ QUER DE MIM. ME TROUXE PARA ESSA CIDADE PARA ISSO, O QUE TENHO QUE FAZER????

Sinto uma grande escuridão sair de dentro de mim. Nunca me senti assim antes, uma força desconhecida me consome. Raiva, não... ódio.
Fecho meus olhos e deixo tudo ir fluir. Me sinto viva, nunca o poder das Selenes esteve tão presente em mim. Eu sou mais poderosa que ele, eu posso matar ele se eu quiser. Ele me traiu e não merece mais viver.

Vejo meu vestido se tornar negro como a noite. A escuridão já assola o lugar. Raios e chuva estão por todos os lados, uma grande quantidade de água cai da cachoeira, o vento corre entre mim. Tão rápido que sinto como se estivesse me batendo, em instigando. Vibro e me sinto tão poderosa. Abro meus olhos e ao longe ouço vozes me chamando. Sinto a corrente de água em meus pés.
Seria tão fácil acabar com tudo. Simples até.

Darya e Layla estão na margem e aparentemente estou no centro da cachoeira.
Como elas vieram para aqui, eu não sei.

-Luna, NÃO DEIXE TE CONTROLAR. RESISTA!
Darya tenta me alcançar, mas é puxada por Morgana.
-você não pode interferir. A decisão é dela e de mais ninguém.

Minha mente está uma confusão, imagens de tudo de já vivi na cidade desde o primeiro momento. Cada momento com Daymon, a floresta, o lago, a chuva de estrelas, o por do sol, a dança, o eu te amo. Tudo mentira. Uma grande merda de mentira! Imagens do dia da biblioteca vem em minha mente. A briga, o homem que parecia com o Daymoon, o jeito que ele me encarou, a forma que ele me tratou depois do encontro, seu ódio, suas palavras. Sinto minhas emoções saindo de controle.

"Siga seu coração"

lembro do sonho, da mulher que me dizia para não sucumbir. Como seguir meu coração, se não sei o que ele fala.

Mas acontece que eu sei o que ele fala e ele quer vingança.

Vejo Daymoon. Ele parece desesperado, tentando falar algo que não consigo ouvir, a tempestade está muito forte. Vejo lágrimas em seus olhos. O desespero dele não me comove. Não há pena. Ele tenta vir em minha direção, segue tentando lutar contra o fluxo das águas, mas para quando percebe que irá se afogar se tentar entrar no meio da tempestade.

Tempestade que ele mesmo causou.

Luna
Imagens, memórias.
Se concentre, repire, inspire. Controle suas emoções. Lembro de cada lição, cada aprendizado.

"De todas as forças o amor é a maior delas". Lembro quando li a citação. Como o amor pode ser mais forte quando ele destrói, corrói e mata lentamente.
Primeiro com a morte de meu pai, depois tendo que abandonar todos os que amava e vir para cá e por fim a traição do que deveria ser meu. Meu companheiro! Descobri isso um pouco antes de me dar conta de que realmente o amava. Então, porque o amor é a mais forte, de ele mata!
Ele me matou.

Sinto minha cabeça pesar e me encolho. Tudo gira, tudo parece simples, sem valor. Vejo ao longe uma luz. Darya e Layla estão de mãos dadas, pedindo por mim. Vejo Morgana, Alaska e minha mãe com lágrimas em seus olhos. Vejo a preocupação, o medo, a angustia, a agonia.Até mesmo Daymoon tem esse olhar.

"Me desculpe"

Consigo ler as palavras em seus olhos.

Desculpas não são o suficiente.
Mas então foco em minha mãe, chorando, tentando me alcançar. Sem pensar que pode morrer se entra nessa cachoeira. Ela chamando por sua filha, por sua criança que se corrompeu.
O desespero dela me faz tremer. Me sinto mais lúcida.
Mãe
Sinto meus olhos arderem e começo a chorar.
Percebo finalmente...

O amor é muito mais do que pensava. Ele está na amizade, no amor de uma mãe, no choro de uma filha a perder seu pai, na tristeza do abandono e na decepção. Mas ele existe e sem ele a vida é mais triste, sem objetivos. Ele não está contido em palavras ou promessas. Mas em gestos e intenções. Como uma tia que promete voltar para seu sobrinho, sabendo que provavelmente não voltará. Ou um pai que diz que tudo ficará bem quando sabe que já está desfalecendo. Ele é o que nos move, o que nos dá sentido, é o éter, a vida. Como posso julgar o amor por doer, se ele já tanto me curou.

Meu coração se parte. Por elas.
Essa não sou eu. Não importa quem ele é, ninguém me define. Eu sou a única que posso me definir!
Eu sei quem eu sou é isso basta.
Sinto as trevas irem embora. A raiva, angustiava, ódio e magoa se dispersaram como se nunca estivessem aqui.
A tristeza continua lá e sei que não vai passar tão cedo, mas tenho certeza que mesmo que doa o mesmo amor irá me curar.

É isso basta

"Eu escolho o amor" sussuro ao vento.

O céu começa a se abrir, o vento diminui e a chuva agora não passa de uma garoa. Caio já sem forças. Sinto a água me envolver e começo a afundar. Sinto vários braços ao meu redor e com um último fleche de visão vejo Daymoon com um olhar arrependido ir embora. Meu coração dói, talvez um dia eu entenda. Ele finalmente me abandona. Fecho meus olhos e sou jogada para a escuridão.