A rua permanecia movimentada mesmos as oito e meia da manhã. Como sempre se soube, São Paulo não dormia. Entretanto, pela primeira vez na vida eu havia dormido bem, tão bem que ao acordar senti-me tão bem disposta que permanecer em casa parecia um desperdício de tempo. Coloquei minha bolsa de lado e segui com meus fones de ouvido em direção à Universidade. Levava comigo os documentos em pen drive para ele analisa-los, afinal, ele sempre foi fascinado com documentos antigos e aquele era um dos mais bem conservados que já havia visto.
Ouvindo Body Talks, de minha banda de rock favorita, caminhei pela calçada como se o próprio The Struts estivesse caminhando a meu lado. Cantarolando, cruzei as pessoas à medida que a musica rolava, até que o semáforo fica no vermelho, me impedindo de cruzar a faixa de pedestres. Olho para ambos os lados pouco preocupada com a lentidão do trânsito, quando percebo que o sinal abriu ao sentir uma pessoa quase me atropelar. Retiro um dos fones, apenas para ouvir um homem baixinho e de barriga avantajada me xingando enquanto andava. Rolo os olhos tentando não deixa-lo estragar meu dia e então volto a ouvir minhas músicas, até que o meu olhar se ergue e eu o vejo novamente. Era impossível não nota-lo em meio à multidão.
Comecei a andar cada vez mais rápido, mas a multidão ansiosa passou por mim como uma manada de animais do campo. Cada ombro que se chocava contra o meu fazia meu corpo balançar de um lado a outro, como uma bolinha de pebolim. Sinto meus cabelos sendo puxados e o coque se desfazendo, soltando meu cabelo que alcançou minha cintura, que estava nua graças ao top cropped rosado. Olho para trás e depois para o chão, procurando pela presilha do meu cabelo, quando a luz de um carro vindo de outra rua entra em minha direção. Levantei um dos braços tentando inutilmente me defender, mas quase que instantaneamente o impacto faz meu corpo voar à metros de distância da faixa. Minha cabeça bate contra o asfalto e sinto o calor do chão queimar minha pele enquanto as vozes de gritos abafados começam a me rodear. Sem que eu pudesse me controlar, um sabor metálico começou a preencher minha boca, à medida que me senti sufocar. O céu estava tão turvo que as folhas das árvores pareciam borrões esverdeados à medida que eu tentava olhar quem tocava meu corpo.
Uma mão quente e firme, grande demais para ser de uma mulher, apertou meus braços me fazendo virar o rosto com dificuldade. Meu pescoço doía ao ser forçado, mas pude graças a isso pude ver o aqueles olhos azuis diante de mim, tão borrados quando a massa borrada e prateada de seu cabelo, que estranhamente parecia menor. Senti seus braços passarem por baixo do meu corpo, mas gritei sentindo cada parte do meu corpo se partir e latejar à medida que ele me levantava. Gritei, como nunca gritei na minha vida, enquanto ele me levava sob protestos das pessoas ao redor, mesmo assim ele não parou. Só o que pude ver antes de minha visão finalmente ceder, foi uma aura azulada descendo como tinta sobre um domo invisível.
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As Mil Reencarnações de Chunhua
RomantikChunhua, uma talentosa escritora com raízes chinesas em São Paulo, jamais poderia imaginar o mistério ancestral que envolve sua existência. Ao se aprofundar em antigas lendas taoístas, ela descobre a epopeia de uma destemida deusa que, há séculos, s...