- Você deveria parar, ela não sabe quem é você, ela não se lembra de você.
Fiz silêncio o ignorando.
- Senhor, eu sei que sente falta dela, mas ela logo retornará, trabalharei em uma forma de reconstruir a alma dela... - Huiqing insistiu.
- Não, eu já disse, não vou sair do lado dela novamente. Mesmo que ela não saiba quem eu sou, eu vou continuar ao lado dela cuidando para que ela tenha a vida dela...
- Mas o senhor sabe que é inevitável, o destino dela é morr...
Deslizei meu olhar para o lado onde uma orbe de cor lilás flutuava.
- É melhor você ir antes que eu te transforme de novo em um pássaro.
Antes que pudesse erguer minha mão, a orbe flutuou para longe dissipando-se ao chocar-se contra as nuvens. Observei-a vir do horizonte enquanto cantarolava e dançava, seu sorriso inundou o ar de um brilho tão único quanto ela. Quando ela finalmente parou e começou a cruzar a rua, vi seu olhar se erguer e alcançar o meu. Ela não deveria me ver, mas ainda assim seu rosto insistiu em alcançar o meu. Tentei esconder meu rosto, mas não importasse o quanto, meu poder não surtia qualquer efeito, todos pareciam me ignorar exceto ela.
Ela começou a vir em minha direção e eu fiquei paralisado, não queria me afastar dela, mesmo correndo todos os riscos, eu não suportava mais passar um dia se quer sem ver seu rosto. Todavia, ela cambaleou para trás parando onde estava. A multidão a encobriu e eu apenas fui capaz de ver seu cabelo esvoaçar escondendo sua face à medida em que ela se abaixava. Comecei a caminhar em sua direção, quando vi uma daquelas liteiras metálicas indo em sua direção. Tentei correr e então flexionei os pés me impulsionando para frente, um salto que me fez flutuar em sua direção, mas quando pousei a seu lado ela já estava caída meio à sua poça de sangue.
Rapidamente removi minhas roupas celestiais e disfarcei-me como um humano, adotando seu estilo de vestimenta tradicional, só então desfiz o selo de invisibilidade e me ajoelhei para pega-la. Segurei seu braço e o levantei fazendo o meu passar por sob ela. A ergui protegendo-a em meu abraço enquanto usava meu Qi para impedir que seus ferimentos piorassem. Andei com ela mesmo com o protesto de todos ao meu redor, então para evitar que me impedissem, formei um campo protetor ao meu redor.
Andei com ela por alguns metros, mas antes que pudesse desaparecer com ela para sua casa, vi uma figura de vestes roxas e azuis escuras partindo pela esquina onde um poste indicava a divisa entre duas ruas. Ao dar um passo e parar para me encarar, pude notar os olhos fundos e escuros de uma cultivadora de cabelos tão negros quanto a noite e pele pálida. Seu rosto era comum, mas havia algo nele que me era familiar. Quando vi sua mão, uma aura roxa emanava dela e logo pude perceber do que se tratava. Estava incapacitado de impedi-la, mas pude guardar em minha mente cada detalhe de sua aparência e da sensação que sua energia emanava. Ela não escaparia tão facilmente após colocar a vida de Chunhua em risco. Tentei controlar minha indignação e não deixei que aquilo impedisse que eu a salvasse. Mais importante que perseguir a cultivadora demoníaca era cuidar de Chunhua. Por isso, antes que a situação se tornasse mais incomoda, desapareci dali.
Era complexo transportar uma outra pessoa, ainda mais fraca e ferida, quando se está viajando através de Qi. Eu temia feri-la ainda mais, mas mantive-me calmo o suficiente para não me desconcentrar. Então quando cheguei até onde era sua casa, ignorei os costumes humanos normais e flutuei do chão até sua casa. Flexionei uma perna e impulsionei o ar com a outra para chegar mais rapidamente e então posei sobre sua sacada. Entrei em sua casa e a levei até sua cama, onde a deitei poucos segundos depois de chegarmos. Desfiz a barreira e me sentei a seu lado levando minha mão à sua cabeça para examina-la. Após focar e manter meus olhos fixos em seu corpo, pude sentir e perceber que o choque havia sido tão extremo que todo seu corpo estava explodindo de dentro para fora.
Rasguei a manga de minha roupa e após algumas voltas em minha mão o coloquei sob sua cabeça estancando o sangue que havia sujado seus cabelos. Havia interrompido a hemorragia, mas aquilo não seria suficiente. Então, como ultimo recurso, tomei de minha manga um frasco de cápsulas de um remédio que utilizava para quando eu me feria. A cura era destinada à imortais, não tinha ideia de como funcionaria com ela, mas esperava que ao menos ela suportaria, caso contrário minha única opção seria assistir sua morte em segundos.
Abri sua boca e coloquei a capsula em sua língua, fechando sua boca em seguida. Girei meus pulsos e concentrei toda a energia em meus meridianos e a focalizei nela, fazendo o remédio se dissolver mais rapidamente em seu corpo. Depois de alguns segundos, vi seus cortes e senti seus batimentos voltarem ao normal. Quando senti sua respiração fazendo seu peito se mexer para cima e para baixo como deveria ser, pude enfim dar um suspiro profundo. Me inclinei sobre sua cama, deitando minha testa sobre sua mão quentes.
- Você conseguiu me assustar desta vez.
Voltei minha postura ao normal e vi suas pálpebras flexionarem. Dei um salto de sua cama e antes de me afastar, levei minha mão direita pouco abaixo de seu pescoço, deixando dentro dela o escudo de neve que a protegeria caso algo acontecesse com ela. Só então eu estaria em paz, sabendo que a encontraria onde fosse. Dei as costas e marchei para a porta, mas logo sua voz atingiu meus ouvidos me fazendo congelar no lugar.
- O que você está fazendo? Quem é você afinal? - Sua voz fraca e fina me causou um leve arrepio.
- Você vai ficar bem, durma, isso é apenas um sonho, volte a descansar e logo tudo voltará ao normal... Eu te prometi que estaria a seu lado, não prometi?
- Como você entrou na...
Vi sua mão ir até a cabeça e ela reclamou de dor ao tentar se sentar, mas não me movi, sabia que ela estava bem e me aproximar estava fora de cogitação. Temia não conseguir deixa-la caso visse seus olhos de perto mais uma vez.
- Seja mais cuidadosa ao sair de casa, olhe para ambos os lados e não pare em qualquer lugar, sua vida é mais importante do que um enfeite de cabelo - resmunguei.
Ela permaneceu me encarando, ao virar levemente o rosto pude ver sua face voltada fixamente em minha direção. Ela tentou se levantar, mas sua pouca força a impediu de sair do lugar, então apenas dei um sorriso sentindo um calor preencher meu peito à medida que a via voltar ao normal.
- Teimosa como sempre... E Huiqing ainda tem coragem de tentar me convencer de que você não precisa de uma babá.
Elevei um pouco o braço em sua direção e deixei uma onda calmante partir até sua cabeça a fazendo relaxar e cair no sono. Sai de seu quarto e antes que deixasse sua casa coloquei uma barreira protetora nela, impedindo qualquer imortal que não fosse eu de entrar.
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As Mil Reencarnações de Chunhua
RomanceChunhua, uma talentosa escritora com raízes chinesas em São Paulo, jamais poderia imaginar o mistério ancestral que envolve sua existência. Ao se aprofundar em antigas lendas taoístas, ela descobre a epopeia de uma destemida deusa que, há séculos, s...