Acordo com o som do despertador, meu coração acelerado faz minhas mãos tremerem ao alcançar o telefone sobre a escrivaninha. Olho a tela e vejo chamadas perdidas vindas de Cassandra. Ligo para ela enquanto me coloco sentada. Minha cabeça dói a medida que tento me manter estável, mas meu equilíbrio pareceu não ter despertado ainda. Respiro fundo sentindo meu peito arder e meus pulmões queimarem, todo meu corpo parecia dolorido como se tivesse sido atropelada por um tanque de guerra.
— Cassandra, oi...
— Finalmente! Cara, você é muito louca. O professor está muito puto com você. Não era pra você ter vindo onde trazer os documentos pra ele? Júlia?!
— Oi, desculpa, é que eu não estou me sentindo bem... Ele tá muito bravo?
Tento entender o que se passava, mas as dores me impedem de me importar com qualquer outra coisa. Respiro pausadamente enquanto olho ao redor e então me dou conta de que algo estava preso em meu cabelo. Levo minhas mãos cuidadosamente atrás de minha cabeça e sinto um pano fino e sedoso com partes dele duras como se tivesse sido feito de plástico. Arranco o pano de meus cabelos sentindo dor ao arranca-lo, ele estava realmente bem colado. Quando o aproximo vejo alguns fios do meu cabelo presos ao que parece ser uma mancha de sangue seco. Meus dedos tremem e em segundos todo meu braço está tremendo enquanto percebo que não apenas minha cama, mas toda a minha roupa estava suja de sangue.
— Júlia, está ai ainda? Alô! — Ela grita impaciente.
— Eu não tô bem, Cass. Fala pro professor me desculpar, diz que vou ao hospital, estou toda suja de sangue. — Tremendo deixo o pano cair sobre o meu pé.
— Calma, respira, o que houve? Você esta ferida?
— Não, não tem machucados em mim, mas minha roupa esta toda suja de sangue e meu corpo está todo dolorido.
— O que, você caiu? Desceu pra você? Isso não faz sentido, Ju.
— Menstruação na cabeça e na blusa, Cassandra, sério?! — Solto um grunhido de dor.
— Calma, eu vou ai, espera eu só achar o Pietro que a gente chega ai e te leva no hospital.
— Não, não precisa, eu..
— Cala a boca e vai trocar de roupa antes que eu me irrite, você não vai pro médico sozinha! Endoidou? Quer ir andando até o médico nesse estado?
Incapaz de protestar me levanto e caminho devagar pela casa, mas todos os cantos do meu corpo começam a doer como se estivessem sendo esmagados. Tento controlar minha dor com a respiração, mas nada acontece.
— Eu vou te esperar, obrigada.
Pego minha bolsa sobre a cama e saio de casa. Enquanto tento chegar ao térreo, começo a repassar as últimas horas em minha cabeça, mas tudo começa a ficar turvo, vejo alguns momentos borrados, eu andando pela rua, uma luz forte vindo na minha direção, mas então tudo fica escuro. O que afinal tinha acontecido? De repente um turbilhão de hipóteses girou em minha cabeça. Se eu havia sofrido um acidente, por que eu não estava machucada? Se eu tinha apenas sonhado, por que eu estava coberta de sangue? Meu cabelo ainda estava duro onde parecia ter sangrado, eu podia sentir o sangue seco em minha pele, então por que eu não tinha memórias disso? Eu finalmente havia enlouquecido? Estava delirando pela falta de sono? Não, parecia real demais para ser um delírio.
Cheguei ao térreo e caminhei até a portaria, onde me sentei em frente ao canteiro de flores que ficava ao lado de fora, ao lado do portão. As pessoas passam por mim me encarando confusas, uma ou outra me perguntam se eu estava machucada e eu prontamente digo que não com a cabeça, enquanto me mantenho imóvel para evitar a dor. Minutos mais tarde vejo o carro de Pietro se aproximando e a cabeça de Cassandra saindo pela janela do passageiro.
No hospital, sou levada por meus amigos até a emergência, onde duas enfermeiras me ajudam a me deitar. Uma delas me examinou enquanto a outra me perguntava o que havia acontecido. Tento explicar, mas quando falho, Cassandra conclui.
— Tudo bem, se ela não tem ferimentos isso indica que provavelmente o sangue na roupa não é dela. Você se lembra do que fez antes de sofrer o acidente?
— Eu não me lembro direito, só lembro de estar atravessando a rua e uma luz forte vindo pra cima de mim.
— Você foi atropelada? — pergunta a enfermeira enquanto faz anotações.
— Não lembro.
— Sete dores onde?
— No corpo todo, inclusive na cabeça. — Levo a mão ao topo dela, tateando a região suja de sangue.
— Quem a levou para casa? Se você se acidentou, como não veio parar no hospital?
Todos os olhares se voltam para mim e começo a me sentir ansiosa e com medo. Não me lembrava o que havia acontecido, nem o porquê, mas sabia que algo estava errado.
— Eu não sei, eu só estou com dor, por favor...
Deixei as lagrimas rolarem pelo meu rosto enquanto cedia a meu ímpeto de fechar os olhos.
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As Mil Reencarnações de Chunhua
RomanceChunhua, uma talentosa escritora com raízes chinesas em São Paulo, jamais poderia imaginar o mistério ancestral que envolve sua existência. Ao se aprofundar em antigas lendas taoístas, ela descobre a epopeia de uma destemida deusa que, há séculos, s...