2 - Quando houve inverno

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Lan Wangji conseguiu fingir que seu amor por Wei Ying não existia até vê-lo no hospital, quando o sentimento voltou com todas as forças e levou o resto de amor-próprio que Wangji mantinha. Mas então Wei Ying sumiu de novo e se recusou a falar com ele.

Dessa vez, Wangji parou de mentir para si mesmo. Ele ainda amava Wei Ying. Era inútil procurar outra pessoa, ninguém preencheria aquele lugar em seu peito. Tudo o que podia fazer era viver com dignidade e esperar que Wei Ying, seu amado Wei Ying, estivesse bem.

Ele tentou, mas parecia faltar um pedaço de sua vida. Era o tipo de tédio e melancolia que deveria sentir quem mora naqueles locais que ficam alguns meses do ano sem sol, Wangji pensava.

Já fazia três anos que ele não sentia aquela espécie de calor que a presença de Wei Ying lhe dava e tudo seguia a mesma rotina rígida. O Recanto continuava o mesmo. Os pacientes continuavam similares.

- Mestre Lan, Mestre Lan – o jovem Mo pulava ao seu redor após mais uma aula de taichi chuan -, hoje foi tão incrível!
Lan Wangji fez um sutil movimento de cabeça enquanto se dirigia para a saída. Mo Xuanyu continuava a tagarelar ao seu redor:

- Mestre Lan é mesmo o melhor! Quer dizer, depois do Mestre Wei!

Wangji estancou no lugar. De certo Wei não era um sobrenome tão incomum assim, mas algo na conversa desenfreada do jovem fez seu coração doer apreensivo:

- Quem é Mestre Wei?

A boca bonita e delicada de Xuanyu formou um O de surpresa e indignação:

- O Mestre Wei! Ele lutava kung fu, como você pode não conhecer? Agora ele não luta mais, ele mora em Yiling e acho que não tem mais casa. Mas eu conheço ele desde que eu era pequeno, porque ele era super legal com as crianças. - Estreitou os olhos de forma pensativa, o que ressaltou o delineador preto e borrado que ele insistia em usar. - Mamãe dizia que ele era um bêbado e que não devíamos aceitar nada dele, mas eu acho que beber não torna uma pessoa ruim. Ele sempre pegava o troco do bar em balinhas. Ele nos dava, e a gente seguia ele e chamava de Patriarca por causa disso. Mas agora ele não come as balas que eu dou pra ele.

Wangji sentiu algo viscoso e tenso escorrer no fundo de seu peito, um medo e um alarme. Firmou sua voz para perguntar aonde estava o Mestre Wei, e torceu para que Mo Xuanyu não conseguisse identificar a nota de desespero ali.

Quarto 4.

O quarto 4 era monitorado por câmeras, ele sabia. Era aonde ficavam os pacientes com maior risco de suicídio. Algo dentro de Wangji não quis entrar, enquanto a outra metade dele precisou se controlar para não arrebentar a porta com um chute. Por fim, ele bateu. Não obteve resposta, mas entrou mesmo assim.

O cômodo estava escuro e tinha cheiro de gente, era inegavelmente habitado. No breu proporcionado pelas cortinas fechadas, era possível ver a triste tentativa de recriar um lugar aconchegante: a cama e uma mesa de cabeceira (parafusadas no chão), uma tela pintada (sem moldura, colada na parede), a câmera no canto do teto com sua luz vermelha piscando. No meio da cama, havia um embolado de cobertas disforme.

Wangji se aproximou, abaixando-se ao seu lado. Nem um movimento das cobertas.

- Wei Ying.

Sem sons em resposta.

- Wei Ying, estou aqui.

A voz veio abafada de dentro das cobertas, como se viesse de muito longe:

- Vá embora.

Lan Wangji sentiu seu coração pequeno, apertado.

- Estou aqui, Wei Ying. Não vou embora.

Olhos surgiram do meio dos cobertores. Eram escuros, vazios e sem brilho, poderiam muito bem ser os olhos de um morto, Wangji pensou.

Clouds across the moon | Wangxian Modern AUOnde histórias criam vida. Descubra agora