5. Morte e vida altruísta

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Hyunjin acordou às cinco da manhã. Quase não dormiu, melhor dizendo. A noite toda se resumiu a pensar em Jiyoon. Pelo menos até o momento em que o sol começou a apontar o dedo em sua direção e Hwang entendeu que precisava começar a viver de verdade, sem ter que precisar ouvir alguém lhe dizer quais botões deve apertar ou que seis e meia dúzia é a mesma coisa, quando na verdade não são. Foi só então que ele sentiu paz e tranquilidade pela primeira vez em dezessete anos, mesmo que não houvesse nada pacífico.
O pátio do colégio parecia mórbido. Diferentemente dos outros dias, os alunos não conversavam muito, o zelador não brigava com um ou outro garoto bagunçeiro, e o diretor não estava indo para o auditório para a reunião diária do conselho estudantil. Nada estava correndo normal.
Seungmin estava no refeitório, dividindo um sanduíche natural com Jeongin. Estavam muito mais próximos que o comum, o que não deveria surpreender Hyunjin tanto assim: passou cinco dias sem dar notícias e, então, apareceu sem mais nem menos e sem uma desculpa suficientemente boa para convencer seus dois amigos. Se desse sorte, as coisas ainda eram quase as mesmas, sem a questão de que os dois acham que precisam de uma satisfação a respeito da vida pessoal do Hwang. Mas, ainda assim, ele preferiu não se aproximar. Preferiu dar espaço a eles. Preferiu deixá-los viver sem a sua presença, acreditando que, assim, ambos se acostumariam mais rapidamente à sua ausência no futuro.
No caminho para a aula de biologia, Hyunjin encontrou Felix, com os cabelos recém-pintados de ciano. A cor combinava com ele. 
— Yongbok.
Hyunjin chamou.
— Que horror, Hyunjin, ninguém me chama assim desde a sexta série.
Hwang não evitou a risada. Quando Felix se mudou para a Coreia, ainda criança, acreditava que precisava de um nome coreano para ser aceito pelos colegas de turma, já que “Felix” não era muito comum na época. Lee nasceu no ano do dragão e foi apelidado de Yong, nome cujo significado é dragão. Antes, o garoto achava que estavam se referindo a não escovar os dentes direito e ter “bafo de dragão”, e odiou esse nome por muito tempo. Começou a pedir aos outros que o chamassem de Felix desde então, fazendo com que seu nome coreano fosse esquecido e usado apenas pelos amigos mais antigos.
— Sabe das novas? — perguntou o Lee. 
— Espero que esteja se referindo a um novo cardápio na cantina.
— Antes fosse. Todos estão se reunindo no anfiteatro para que o diretor anuncie o que todos que têm televisão ou internet já devem estar sabendo. 
Hwang fez uma careta confusa. Não tinha televisão, mas tinha internet, e mesmo assim não sabia nada do que tinha acontecido na última noite. 
— Você realmente não sabe? 
— Não.
Yongbok suspirou e passou os curtos dedos pelo cabelo castanho, provavelmente pensando. Olhou de um lado para o outro, bateu a perna e secou as mãos na calça. Tudo estava errado naquele dia, mais uma vez.
— Bem, alguém vazou algumas informações confidenciais do cofre do diretor. Ele vai fazer um esclarecimento a respeito de tudo, mas as coisas não vão muito bem, entende?
— Certo… E por que ficou tão nervoso?
— Quando me refiro a informações confidenciais não quero dizer suborno, sonegação de impostos e essas coisas… Vazaram informações confidenciais de alunos. Isso inclui o vício em drogas do Taekin, o que de certa forma não surpreende quase ninguém, a clamídia da Yujin e…
— O quê?
— E o seu câncer.

O anfiteatro do colégio não era usado há dois anos, desde a entrada de Gwej na direção da instituição. Era usado apenas para grandes eventos (que nunca ocorreram) e anúncios importantes demais para serem passados aos representes e depois aos alunos. Isso significava, em suma, que havia muito mais além de informações vazadas e pessoas especulando a respeito disso. O anfiteatro significava problema e a falta de solução para o problema em questão.
Hyunjin sentia o estômago revirar em nervosismo, os olhares alheio queimando sua nuca, enquanto tentava se acalmar por não ter encontrado um assento longe de todos — os únicos restantes eram na primeira fileira. Sentou-se ao lado de Felix, que felizmente não parecia muito curiosos a respeito do seu estado de saúde, ou apenas não acha suficientemente conveniente perguntar. 
Antes que o diretor começasse o discurso, Chan apareceu nas escadas e se sentou ao lado de Hyunjin. Estava atrasado pela primeira vez, mesmo que tivesse garantido por mensagem que chegaria antes de a primeira aula iniciar. O uniforme estava um pouco amassado e a gravata despencava do bolso. Ele tinha problemas também. 
— Oi — disse. — Perdi alguma coisa?
— Ainda não — respondeu Felix, impaciente. — Mas teria sido melhor se tivesse perdido.
— Por quê?
— Apenas ouça — respondeu Hyunjin, agarrando-se à mochila. 
O converseiro dos alunos cessou assim que o diretor subiu no palco, acompanhado da secretária. Parou no centro, encarando a multidão e certamente se questionando quem daqueles alunos nas arquibancadas seria capaz de invadir a privacidade alheia, roubar informações e depois espalhá-las sem ter empatia ou mesmo medo. O homem pegou o microfone, as mãos tremendo em profundo nervosismo. Quase era possível ouvir as batidas do coração.
— Na madrugada de hoje fomos mortos. Algum de nós matou nossa dignidade, nossa empatia e nossa segurança. Nossa privacidade foi violada e colocada à mercê da sorte e pronta para ser friamente devorada nas redes sociais, mesmo que a conduta precisasse ser o total contrário do que sem dúvidas aconteceu. 
“Já deve ser do conhecimento de todos aqui que dados pessoais de alguns alunos foram de encontro ao público por volta das duas da manhã. Muito mais que apenas números de telefone, endereço e financeiro: as particularidades, os segredos mais profundos que os alunos expostos confiaram ao nosso sistema, à nossa escola. E isso foi violado. Não é unicamente invasão de privacidade, é assédio, abuso. Mais que um crime, é uma questão de vida ou morte. Matamos nossos colegas de classe, nossos estudantes. Parte deles morreu quando isso chegou ao domínio público.
“É a dor de alguém, é a vida de alguém, é a morte de alguém. Não sabemos o que pode acontecer em alguns minutos, horas, dias… E estamos desperdiçando em levar à mídia o que deveria ser trancado e cuidado com o que fosse possível cuidar. Não basta apenas saber, é preciso tratar uma cicatriz, mesmo que já seja uma. Ainda tem uma história que levou ao corte, à dor e à cura. Não deveríamos ferir mais uma vez.”
— Sobre o que ele está falando? — sussurrou Chan. 
— Alguém invadiu o sistema do colégio e postou no fórum informações pessoais dos alunos. As dificuldades, as doenças, a falta delas. 
— E de quem?
— Taekin, Yujin…
— De quem mais?
— Minhas. 

Hyunjin morre no finalOnde histórias criam vida. Descubra agora