6. Morte, vida e heresia

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O apartamento de Chan era um trapo tanto quanto o de Hyunjin. Não tinha cama, sofá ou mesa. Só tinha uma televisão, fogão, um armário de cozinha fora do lugar e um colchão inflável cheio de remendos improvisados, porque certamente ficaria caro pedir para um profissional arrumar ou comprar um novo.

Hyunjin sabe como Christopher está se sentindo, acanhado no canto ao lado da porta e mexendo no molho de chaves como se não houvesse absolutamente mais nada interessante para fazer. E, talvez, realmente não tivesse nada além da companhia de Hwang. Bem, há um esforço genuíno que os faz cair em um tipo estranho de silêncio confortável. Eles sabem como é. Eles sentem.

O banheiro tem o mesmo padrão em todos os apartamentos. Espelho no meio, pequenos armários verticais nas laterais e uma pia. Ao lado, um toalete maltrapilho, mesmo sendo esfregado inúmeras vezes e usando uma quantidade absurda de produtos feitos especificamente para a limpeza de vasos sanitários. Por fim, um box sem realmente um box, com um chuveiro caindo aos pedaços e que pegaria fogo se colocasse no quente.

— Você tem um carro — disse Hyunjin. — E mora aqui mesmo tendo uma família que se importa.

Não foi uma pergunta. Se fosse, a resposta não poderia ser mais óbvia; mas, ainda que fosse óbvia a desavença entre Chan e os pais, Hwang queria acreditar que ele não estava ali por escolha própria. Porque ninguém quer começar sua própria independência morando em um lugar cujas bordas eram comidas por ratos.

— Eu não queria atrapalhar. Já tive os dias de ser paparicado pela família, agora é a vez da minha irmã. Mesmo que eu queira estar lá para vê-la ser a número um, acredito que seria dolorido passar o meu posto sabendo ser apenas uma sombra com o sobrenome Bang.

Quando a conversa começou a tomar o rumo de sobrenomes e famílias, Hwang não quis continuar. Afinal, era sempre a mesma coisa todas as vezes: alguém saía ferido sem a intenção, e, quando isso acontecia, geralmente era culpa de Hyunjin, que nunca soube quais palavras deveria usar para não deixar desconfortável.

— Tudo bem — respondeu. — Conforto não precisa ser necessariamente luxo, Chris. Se aos poucos você está conseguindo construir seu império aqui, então deveria ser mais que suficiente pra te deixar feliz.

Chan sorriu mínimo. Havia uma ou duas semelhanças entre os dois que não os afastavam como nas outras vezes em que Bang sentiu o coração bater mais forte. E estava feliz porque Hyunjin não o fazia sentir borboletas no estômago, isso significa que ele traz conforto, não ansiedade.

O grande problema de voltar ao colégio era ter que lidar com Seungmin e Jeongin. Hwang sabia que nenhum dos dois nutria ódio ou ressentimento por não ter contado sobre o câncer — nem ele mesmo sentia remorso ou arrependimento por ter criado uma barreira de proteção sobre si. Não havia lados errados nem certos, a briga desnecessária estava em cima do muro. Mas ainda há orgulho no meio de tudo, então, em todas as manhãs da semana eles se evitaram nos corredores e nas salas de aula.

Estando longe de Seungmin e Jeongin, Hyunjin se aproximou de Felix e conheceu outro terceiranista, embora repetente, Lee Minho. Ele era tudo aquilo que Hwang admirava nas séries que já assistiu: dono de um insensível mau humor, mas tem a aura tão cativante que é simplesmente impossível odiar todas as frases tortas.

Minho era compreensivo. Durante a semana, descobriu que Felix contava mais coisas para ele e Minho do que para Christopher, porque sempre soube que o amigo precisava lidar com outras coisas além das dele. Não que Hyunjin e Minho não tivessem suas próprias preocupações e problemas, mas Felix sabia muito mais sobre Chan do que dos outros dois amigos.

E Minho nunca perguntou nada para Hyunjin. Não perguntou por qual motivo ele era tão pálido e tão magro, nem porque quando iam ao banheiro Hwang jogava um novo tufo de cabelo no lixo. Minho não era o tipo de amigo que ele queria, mas era o que precisava. O garoto ouvia e dizia o que era necessário ouvir, então Hyunjin teve inúmeros choques de realidade em um intervalo de cinco dias.

Hyunjin morre no finalOnde histórias criam vida. Descubra agora