4. Morte e vida ressentida

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Quando Hwang Hyunjin era criança, grande parte do amor de seus pais era expresso através de coisas materiais. Se seu pai tinha muito o que fazer fora do país, deixava muitos doces e brinquedos que o pequeno menino amava. Se sua mãe ficava o dobro do seu turno trabalhando no hospital, tratava de contratar a melhor das babás para Hyunjin não se sentir sozinho.
Durante muito tempo, Kwon Nara, a babá, foi sua mãe. Foi ela quem cuidou das feridas no joelho da criança. Foi dela que ganhou o primeiro "Estou orgulhosa de você". Foi dela que ouviu as broncas a respeito das coisas erradas que fazia. E era dela que mais ouvia "eu te amo", e para ela que mais dizia.
Nara sabia de toda a história de vida do garoto; as noites em que passava horas e mais horas olhando para a Lua, da janela um pouco suja do quarto escuro e decorado com diversos heróis que as crianças geralmente curtem e as prateleiras começando a ganhar livros gregos. Tudo isso porque ele apenas queria escrever uma melodia e tocar para a família na noite de ano novo e ganhar um abraço quente, daqueles que você consegue sentir cheiro de café da manhã, ouvir a cantiga dos passarinhos e sentir o calor do sol na pele.
Às vezes, Hwang voltava àquele tempo e passava horas no jardim dos fundos, decorado com algumas luzes e copos-de-leite regados a cada cinco dias. Passava a madrugada compondo e, pela manhã, testava as suas ideias um pouco insanas — a somar sua voz melodiosa de quem canta com a alma e esquece que está tendo uma tempestade forte lá fora, bem como dos monstros embaixo da cama que tanto o assombravam quando era criança.
Hwang Hyunjin era Arte que apreciava Arte e fazia Arte.
E a Nara admirava. Era sua maior fã, a número um, aquela que acompanhava suas músicas de SoundCloud se tornarem músicas de sucesso instantâneo, como Cup Noodles.
Kwon sempre admirou a personalidade do garoto. Era um grande leitor. Os livros de Hyunjin eram separados por cor: do branco-paz ao preto-redenção. Os de cor branca, pelo contrário do "paz", eram sobre as histórias terríveis e a parte escondida de tudo e todos, na qual as pessoas e suas histórias não eram tão boas como costumavam dizer. Os de cor preta, então, eram os que mais retratavam a parte boa, aquela em que não havia ódio nem desamor.
Na prateleira, ainda, havia livros coloridos: do amarelo-manteiga ao vermelho-amor. E estes livros eram de histórias variadas (às vezes intercalavam entre o bem e o mal). Eram, portanto, os favoritos do Hwang — de cabelo castanho-peru (de natal queimado), pele não-tão-alva estilo alvo de flecha de um cupido (há quem diga que ele foi o grande culpado de fazer o amor nascer) e sorriso de quem ousa dizer que a paleta é amarelomango e não amarelo-manga.
Hyunjin sempre quis uma família para chamar de sua, um amor para chamar de seu. Queria um exemplo paternal presente; um pai que o ensinasse a trocar o chuveiro, trocar um pneu e a nunca erguer a voz. Queria um exemplo maternal presente; uma mãe que o desse beijos de boa noite, que o ensinasse o ponto certo do arroz e a nunca desrespeitar outra pessoa. Aprendeu tudo isso sozinho — às vezes com uma mãozinha de Nara. Aprendeu a ser adulto quando ainda era um garoto de 15 anos. Aprendeu a voar sozinho, mesmo sem nunca saber o que eram asas.
Hyunjin sempre quis ir a reuniões de família. Queria cumprimentar parentes, falar que odeia uva passa e odiar o fato de estar em uma reunião. Queria abrir presentes de tios, receber dinheiro escondido da avó e levar potes com sobras para casa. Mas Hwang sentia-se a sobra. Com o pai trabalhando no exterior por pelo menos 360 dos 365 dias do ano, e a mãe 23 horas por dia e 7 dias por semana trabalhando no hospital, não sobrava tempo para irem às festas de família. No final do ano, estavam sempre exaustos e queriam descansar antes que um novo ano começasse e a rotina voltasse a ser massiva.
Com o tempo, o filho parou de tentar. Parou de tentar receber atenção dos pais, de ouvir coisas que a maioria dos pais dizem e de se sentir parte da família. No seu aniversário de 16 anos, após sequer receber uma mensagem ou ligação dos seus progenitores desejando parabéns, Hyunjin decidiu que era hora de deixá-los viver suas vidas. 20 de março perdeu a importância. 20 de março era somente o primeiro dia da primavera.
No início, Hwang achava que isso tinha um significado especial: estar florescendo. Depois, nada mais era que apenas algumas pessoas comemorando flores e folhas. E, de certa forma, odiava se sentir assim. Odiava ter que ver outras pessoas felizes por completarem mais um ano de vida. Pela primeira vez, aos 16 anos, Hyunjin experimentou a casca grossa da inveja.
Mudou-se para um apartamento pequeno em um prédio moribundo na rua de trás do centro da cidade. Pagou com o próprio dinheiro os 6 primeiros meses de aluguel, apenas para não ter que se preocupar com o síndico cobrando às 7 da manhã. Quando conseguiu um emprego, rejeitou todo e qualquer dinheiro oriundo dos pais, porque não queria mais se sentir um aproveitador.
Quatro meses depois da mudança, voltou para casa unicamente com o objetivo de visitar Nara, que deixou de cuidar dele para cuidar da casa que ficava 99% do tempo vazia. A senhora Hwang estava lá, também, e ficou surpresa ao ver que o filho tinha voltado. Hyunjin nunca soube se a surpresa tinha sido boa ou ruim.
— Desistiu da sua liberdade?
Na época, ela ainda tinha uma aura jovial e divertida, mas repleta de ganância, ira e deboche. Tudo era motivo para questionar, e ela não perdia tempo ao fazê-lo.
— Não — respondeu o filho. — Vim ver a Nara.
— Sabe, querido, desapegue dessa empregadinha. — Levantou-se, colocando as mãos nos ombros do garoto. — Eu sou um combo: sua médica, sua enfermeira, seu banco.
Ela nunca disse que era mãe. Nem antes, nem depois, nem enquanto Hyunjin estava consciente para ouvi-la dizer.
Depois disso, o rapaz nunca mais voltou, mas soube por Nara que as coisas estavam cada vez piores para a mãe desde sua partida. Ele nunca se sentiu culpado por não estar presente na vida dela.
Então, aos 17 anos, quando o mundo desmoronou para ele, Hwang entendeu que a mãe o tinha perdido. Dessa vez sem nenhuma chance de voltar ou se despedir. A morte, afinal, não prepara a chegada. E, quando notou que seu maior medo era morrer sozinho, teve a certeza de que não havia motivo bom o bastante para ser orgulhoso e não perdoar.

Hyunjin morre no finalOnde histórias criam vida. Descubra agora