Capítulo 7: O Ato de Morphéus

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A clareira onde o pequeno Cavaleiro está sentado ao relento batucando incessantemente o solado do coturno preto sobre a grama cinzenta, não é longe do local de impacto do cometa usado pelo Fruto para chegar neste mundo, tanto que sem se esticar muito, o Liam consegue avistar a folhagem repleta de vida – ainda que tenha sofrido pela explosão, a vegetação não demonstra qualquer sinal de sofrimento, estando esse seu melhor aspecto.

Deixando a inquietude subir para os dedos, o pequeno Cavaleiro finalmente cede à comichão em seu peito. Ele levanta avaliando o sutil contraste entre as suas vestes e o mundo sem cor, agradecendo silenciosamente pelo preto do uniforme. Com o alivio dissipando-se do seu corpo, Liam volta a encarar o caminho pelo qual o Cody foi "tomar um ar" ...

— O que dizia, młode?

A indagação ecoou repleta do mais puro deboche que o ser escondido nas sombras poderia usar naquele momento diante da inconveniente compreensão que vem tomando lugar do brilho esperançoso nos grandes olhos azuis do Cavaleiro.

— Que eu quero a minha espada de volta.

O Liam nem ao menos tentou e o Stiles pode sentir a ausência de qualquer força em suas palavras, assim como degusta da confusão revoltante que está a borbulhar fervorosa dentro do pequeno Cavaleiro que, independentemente do caos interno o qual transparece, facilmente, em seu olhar, não vacilou em seus passos rumo ao Fruto; o verdadeiro Herói, aquele que o seu melhor amigo arriscou a vida para convocar e que irá fazer todo o sofrimento valer a pena...

— Estamos indo atrás do seu homem para perguntar sobre o Fruto verdadeiro? — Indagou o Stiles, surgindo flutuando ao lado do Cavaleiro — Sabe, alguém que não seja tão covarde. E um péssimo mentiroso.

— Você não vai mesmo devolver a minha espada?

O Zombeteiro estagnou no ar junto das suas sombras enquanto assiste o Liam continuar sem se afetar com a sua ausência.

— Oh! — Ele exclamou ao finalmente compreender o pequeno ser — Você não está me dando ouvidos!

— Eu? Jamais... — O Liam provocou, sorrindo ladino ao ver Stiles aparecendo boquiaberto ao seu lado.

— É assim que trata os seus novos amigos? Ignorando eles? Porque sabe, isso não é muito legal da sua parte — disse Stiles, cerrando os punhos com a falta de atenção — Pois bem, eu sou um ser de mais de mil anos de idade, não ficarei aqui sendo grosseiramente ignorado por uma criança!

E assim ele desapareceu em sua cortina de fumaça, injuriado demais para ter a chance de ouvir o suspiro do Liam, que adentrou o bosque em busca do grandioso Herói. Ele não trairia a própria casa; o Cavaleiro argumentou para si mesmo, acreditando que o desconforto vem dos perigos escondidos em meio a floresta sem vida ao invés da possível e tórrida verdade. Não, não há chances de haver erros, não quando tanto sacrifício foi exigido em nome de uma única pessoa, de um único...

— Covarde! — O Cavaleiro grunhe, encarando descrente o rastro de fuga deixado pelo maldito Fruto.

O rastro não poderia ser mais evidente e nem mais curto, honestamente, patético aos olhos do Liam e ligeiramente divertido para o Stiles, que guardou o momento: "eu te avisei" para depois, optando por continuar escondido em seu próprio mundo, da mesma maneira como o Cody gostaria de estar, assim deixando toda essa loucura para então voltar a sua realidade, no entanto, o véu que separa o sonho do mundo real se mostra indiferente a força do desespero infligido pelo cenário sem cor ou vida ao redor dele que correndo entre as árvores, vez ou outra, esbarra em um tronco petrificado, mas evitar tal contato é fácil, o real desafio está em não despencar a cada passo em que a sua pele encontra a sensação de milhares de agulhas grossas e afiadas sendo cravadas em seu corpo.

— Nada disso é real. É só um sonho... — O Herói é interrompido pelo som do galho quebrando nas redondezas — É só a merda de um sonho!

Real ou não, os passos estão cada vez mais próximos e isso já é o bastante para fazer os joelhos do Cody cederem enquanto os braços desnudos se agarram fortemente ao tronco pálido. Não é real, não é real. Só mais um sonho, eu só preciso acordar...; ele repete incansavelmente esperando acordar de volta imerso dentro do seu costumeiro caos, porém outro estalar lhe arregalou os olhos. Cody levanta e avança para frente sem esperar ou ao menos procurar a origem do barulho, resultando ao Herói o encontrão contra um corpo tão desavisado quanto o seu.

Ao recuperarem o equilíbrio ainda no chão, ambos tiveram outro forte impacto acertando as suas mentes quando elas desenharam a imagem dos seus corpos um para o outro. O rosto enrugado do Cody junto ao seu corpo desnudo espantou a criatura esguia que recuou até esbarrar no tronco caído. Ouvindo os passos, o Herói se juntou a estranha figura, ignorando os detalhes surpreendentes como os olhos tão acastanhados que beiram o vermelho, as grandes e afiadas unhas, o nariz afinado que termina em um pequeno focinho escuro o qual estremece revelando as tímidas presas quando o olhar franzido do Cody recai sobre as grandiosas orelhas felpudas como as de um coelho, brancas como a neve mais pura, assim como as madeixas do topo da cabeça da criatura, diferente das pontas que vão se tornando escuras como as asas de um corvo.

— Que porra...

Outro estalo, agora perto o bastante para ele deixar a estranheza de lado e pensar nas possibilidades, com elas as grandes chances de ser pego não conhecendo o território, diferente da criatura que aparenta ser da região. A região imaginaria dos meus sonhos; o Herói pontuou antes de se voltar para a criatura que abaixou as orelhas encolhendo os ombros para esperar o próximo gesto do Cody, que murmurou apressado:

— É você ou eu, e como o sonho é meu...

A criatura arregalou os olhos acastanhados, mas nada fez, ela apenas se deixou levar pela força do empurrão e ficou a encarrar as costas do sujeito, vendo-o fugir enquanto os seus perseguidores colocam um fim a distância que ela tanto lutou para colocar entre eles. De olhos fechados e focinho tremulo, a criatura encolheu em si mesma preparada para a violência que virá, porém o toque gentil em seu ombro é tudo que está a receber e, ainda assim, é demais para ela que grunhiu assustada.

— Ei, tá tudo bem. Não vou te machucar.

O tom suave e a voz mansa persuadiram a criatura a deixar o seu esconderijo atrás dos próprios membros. Graças a tal ato de coragem ou estupida curiosidade, o castanho encontrou com os grandes olhos azuis. Ao ganhar a atenção do ser a sua frente, o Liam se permite sorrir enquanto descansa as mãos sobre o colo para esperar pelo momento certo de interagir com o novo conhecido, mas os planos acabam saindo do controle.

— ABAIXA!

A criatura exclamou antes de se jogar sobre o Liam, que tentando não ceder ao peso em cima do seu ferimento, se prepara para conjurar alguma arma enquanto busca averiguar o adversário, mas ao ver uma palma enluvada com um dispositivo no centro vindo em sua direção, o Cavaleiro soube que o seu destino é o mesmo que o da criatura em seus braços.

Segundos antes do homem desacordar o Liam, ele foi capaz de sentir o hálito gélido da criatura de olhos amarelados que, escondido em meio as sombras, está guardando o seu...

— Młode... Não pode dizer que eu não avisei, não é mesmo?

O Zombeteiro indagou a si mesmo surgindo sobre o galho de uma árvore próxima. Estreitando os olhos, ele se preparou para o abate, mas logo mais capangas do homem apareceram, impedindo-o de intervir.

— Por que nada pode ser fácil e simples? — O Stiles questionou, jogando-se do galho para desaparecer antes de ser notado. Pairando em meio aos homens, o Zombeteiro sussurrou — Se ele estivesse aqui... ou melhor, se você tivesse me ouvido, młode. Agora só nos resta ir de bom grado com esses... ícones dos bons modos.

Ao longe, avançado sem parar, está o Herói com a adrenalina bombeando ainda mais forte ao avistar uma pequena vila além das árvores.

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Para ajudar esse aspirante a escritor, Pix: 11973647896

Raeken - A Lenda de Uma ChímeraOnde histórias criam vida. Descubra agora