Reunião

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Lace

Acordo quando o sol já se pôs, não tenho ideia de quanto dormi, só me lembro de ficar agarrada a eles, chorando até não conseguir mais, e finalmente adormecer.

Com soluços e os olhos inchados.

Mesmo agora sinto o meu coração doendo, quero pedir desculpa por existir, por trazer tanta infelicidade aos que me rodeiam.

"Nunca"

Aquela palavra cria faíscas em mim, é tão simples mas teve tanto significado para mim. Como é que alguém, depois de saber o que sou, quer ficar ao meu lado, e ainda diz que nunca me vai deixar?

Passo por algo parecido com felicidade e decido que vou aproveitar esta pequena fase para sair da cama, quero procurar o Arius e beijá-lo, quero abraçar o Bo, quero voltar àqueles dias em que éramos apenas os três, como uma família. Sem ninguém para estragar tudo.

Suponho que haja uma pessoa a menos.

Uma memória passa como um flash e eu tento afastá-la com um barulho estranho que me sai da boca. Pareço um animal sofrendo.

Aquela imagem lenta, o pescoço do meu pai sendo rasgado, aquele sangue todo, o seu corpo caindo sobre mim. Uma pessoa que me provocou tanto medo, uma vida, acabou assim, de uma forma tão simples.

O meu monstro era de carne e osso, e morreu num instante.

Pensava que não ia sentir nada, que não ia sentir pena, que não ia sentir dor ou surpresa. Prometi a mim mesma há muitos anos que não me lembraria dele, que a sua existência tinha acabado há muito tempo. Mas aqui está, um vazio no meu coração, que me diz que tenho que chorar, que tenho que fazer o luto.

Como é que depois de tudo o que ele me fez, consigo sentir este sofrimento?

É o meu pai. E mesmo um monstro, continua a ser o meu pai. A última ligação de sangue tinha. Eliminado, por outro maluco igual a ele.

Pensei que a raiva pelo Kaydon não poderia aumentar, e mesmo assim aqui estou, com os nervos à flor da pele, sem saber o que fazer com ela. Já tinha pensado em matar o meu pai, não que fosse capaz de o fazer. Mas sei que já pensei nisso, durante muito tempo, durante a minha adolescência até ser adulta.

Sempre imaginei como seria, mas acho que todos esses cenários eram apenas a minha maneira de me vingar pelo que me fez passar, acho que nunca seria capaz de o fazer. Porque, por muito que me custe a admitir, é o meu pai, e será para sempre o meu pai.

Quem é ele para o matar? Quem é ele para me perseguir? Para magoar quem eu gosto? Para quê me tentar matar? Quem é que ele pensa que é?

E o meu único consolo é saber que, a partir do momento em que o atirei ao chão, ele se tornou nada.

Sinto toda esta força dentro de mim, coisa que antes não sentia. É como se a droga que o meu pai me deu me tivesse lembrado de tudo o que realmente sou.

Um monstro, mas é o que sou.

Todas as vezes que acordava sozinha na minha cama, magoada e confusa, tinha saído de uma dessas loucuras, provavelmente feri pessoas, me alimentei, fiz coisas terríveis.

Mas essas memórias não aparecem, o meu pai apagou-as de alguma forma.

Pelo menos já sei o que acontecia quando eles me drogavam, queriam que me alimentasse, queriam que me tornasse numa louca capaz de fazer tudo.

Será que ele me fazia cumprir as suas ordens ? Que tipo de drogas ele experimentava em mim?

E novamente, aquele homem passa a ser mau na minha visão. Tenho sentimentos tão confusos em relação a ele.

BruisanOnde histórias criam vida. Descubra agora