Presa

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Tenho vontade de saltar da janela todos os dias, todos os momentos que passo neste quarto. Ainda está como o deixei, o que é ainda mais deprimente.

Muitas vezes acordei aqui, sem norte, sem perceber o que se tinha passado. Tremendo pelo corpo todo, com medo do que os meus próprios pais me estavam fazendo. Me perguntando se realmente era filha deles ou alguém que eles queriam castigar.

Meti na cabeça que só estou cumprindo um contrato, que todas as manhãs vou ter que me levantar da cama porque tem que ser, que vou ter que me casar porque é isso que está escrito.

Estou tentando levar isto com calma, mesmo que sinta o corpo ferver cada vez que pestanejo e vejo o quarto que me rodeia. 

Chorei o que tinha a chorar durante a noite, quando estava sozinha e sabia que ninguém me ouviria. Não vou chorar à frente dele, não lhe vou dar essa satisfação, ele há de ter o seu castigo por me fazer isto.

Sinto-me frustrada, chateada, revoltada mas o que sinto mais é vergonha, nojo de mim.

As palavras que concordaram com a ameaça do meu pai tiveram uma reação terrível no Arius, ficou incrédulo quando o disse, aqueles olhos azuis tão desiludidos comigo rasgaram-me o coração em dois. Mas que escolha tinha? Que exército é que ia lutar por mim? Ele tem que saber que não haviam opções, só dor, para os três.

Assim pelo menos só eu é que me magoo.

Ele quis discutir até ao fim, pronto para lutar por mim, mas eu não podia vê-lo sofrer, e muito menos o Bo. Quando não teve resposta positiva insistiu em me acompanhar, e o meu pai obviamente recusou.

Como se ele permitisse a sua presença sabendo que fugimos os dois, sabendo que estamos juntos.

Se ele quer que case com alguém, o Arius é o último que ele pretende ter em casa.

Então, deixou-me ir. E um vazio apareceu no meu coração, como se algo se desligasse quando me afastei deles. Não sinto nada desde que cheguei aqui. Fico feliz que ele tenha ficado a salvo na casa, tenho pena de não poder estar com eles, mas saber que estão bem deixa-me melhor. É a única coisa que me faz aguentar este inferno.

Durante o dia ninguém me perturba, nem para falar, nem para me dar de comer.

Mas também não ouso sair, se tiver que morrer à fome, morrerei, mas não sairei daqui. Ao final do dia já estou dormente por dentro e por fora. Nem mesmo as batidas na porta me sobressaltam, acho que podia ter alguém atrás de mim neste momento me pregando um susto e eu não reagiria. 

— Escritório, agora.— O meu corpo levanta-se, como um soldado obediente, e marcha para fora do quarto. É incrível como mesmo não sentindo os meus músculos, eles trabalham por si. As pernas esticam, e eu não lhes disse para se mexerem, os passos fazem o caminho atrás dele, mas eu não quero sair daqui. A cabeça já chegou a este ponto? Estou assim tão deprimida, tão sem esperança, que o resto de mim já sabe que tem que obedecer? 

Quero lutar, mas não posso, quero fugir, mas outras coisas estão em jogo, outras vidas para ser exata. A frustração já atravessou a estratosfera de tão alta que já está. 

A conversa do casamento chegou. E eu tenho que ficar calada e consentir. O meu pai dá a volta à secretária para se sentar e estica a mão, me convidando para fazer o mesmo. Sento-me à sua frente, preparada para uma entrevista com o meu chefe, não para uma conversa de pai e filha.

Ele inclina-se para a frente, cruzando os dedos em cima da mesa de madeira. Parece estar nervoso, abre a boca várias vezes, nunca sabendo por onde começar. E eu espero pacientemente, porque se tivesse que dizer alguma coisa, não seria boa. 

BruisanOnde histórias criam vida. Descubra agora