Capitulo 1.

75 7 2
                                    

          Alexander estava irritado, era de se perceber apenas pelo seu modo brusco de caminhar. A chuva não parava de cair, o vento gelado dava-lhe a sensação de que mil navalhas cortavam suas bochechas, e seus casacos não estavam fazendo seu ofício de mantê-lo quente, afinal, suas botas estavam encharcadas, seus pés pareciam nadar dentro delas. Enquanto a irritação do homem, esta fora provocada por sua esposa, que insistia na ideia absurda de vender boa parte de suas terras para salvarem a quantia para um futuro filho. Patético, pois ela sabia muito bem que nunca, jamais, em momento algum de sua vida, Doyle pretendia ter um filho, ou pelo menos não com ela.

          Doyle nunca amou sua mulher, jamais presou pelo seu bem estar e alegria, se perguntava diariamente o porquê de ter se casado com ela, e tão novo. Era um homem notavelmente belo, deveria, de acordo com seus amigos aristocratas londrinos, ter aproveitado a juventude boêmia que aquela época proporcionava. Deveria ter ido à Paris cortejar belas francesas para uma só noite de libidinosidade, bebido dos melhores champanhes e vinhos brancos que aquele país poderia oferecer, contudo, o coração sonhador prendeu-se em uma pobre moça de beleza finita. Katherine não poderia ao menos ajudar com a questão financeira, já que era fruto do sexo entre um padeiro e uma prostituta; devido a má escolha de casório, Sr. Doyle pagava o preço com boatos, fofocas e sabotagens em suas terras que estavam inférteis.

          O dia do Sr. Doyle fora exaustivo, alguns agricultores tentavam convencê-lo de vender suas terras de uma vez por todas para que fossem construídas moradias e novo comércio, já que nenhum fruto parecia se adaptar ao tipo de solo da região. Esperança era o que não faltava para ele, na verdade, ele precisava fazer com que seu investimento naquelas léguas não fosse em vão, precisava fazer delas a sua renda principal, já que a quantia que recebera na herança juntamente com sua moradia luxuosa não iria durar para sempre. E sua esposa, claro, não se opunha à ideia dos agricultores, insistia na possibilidade de ter filhos, e Doyle não poderia cuidar e educar seus pequenos se estivesse pensando em negócios. Mas, ele não queria filhos.

          Depois de ficar farto da discussão idiota inciada por Katherine, decidiu fazer uma de suas coisas favoritas: encher a cara no seu bar favorito. Embriagado por seus pensamentos, se deu conta de que estava na frente do bar quando a luz proveniente dos archotes invadiram sua pupila. A sensação de abrir a porta de carvalho do estabelecimento foi como ser embalado por um raio de sol, pois as lareiras queimavam toras de madeira desde muito cedo por ali. Retirou o sobretudo molhado para colocá-lo em um cabideiro que já se encontrava cheio de outros tecidos igualmente molhados. Infelizmente, o local estava empestado de marinheiros e comerciantes, o que significava que aquele cheiro de maresia vinha deles. Sentiu falta do aroma sofisticado de charuto.

— Doyle! — o moreno ouviu a voz inconfundível de Harry, um homem calvo, que ainda estava bem longe dos 50 anos. — Uma dose de bourbon para meu cliente favorito?

— Vejo que hoje sua clientela aumentou — observou, desaprovando a gritaria que perdurava no local. — Espero que tenha mercadoria e alimento o suficiente, estes homens parecem mais brutamontes...

— Falas tal qual uma garotinha. Deveria saber que meu estabelecimento não é propício para gente como você, não percebe? Toda santa vez que entra aqui, se destaca com essas roupas de nobreza — o amigo ruivo colocou a dose para Alexander, sussurrando logo depois: — Perdi as contas de quantas vezes achei que você seria furtado.

          Doyle tinha plena noção de que aquele lugar não lhe pertencia. As bebidas nunca eram das melhores, diplomatas não se sentavam nas mesas mal talhadas daquele bar, jovens solteiros não encontravam suas belas damas, nenhum pianista sentava-se diante do instrumento para tocar boa música. As paredes que deveriam ser revestidas com papel de parede, eram abarrotadas de teias de aranha e manchas que não sabia distinguir entre sangue e vinho. Bebeu sua dose de bourbon, e enquanto fechava os olhos para degustar, sua concentração foi parar em uma conversa entre dois marinheiros que se debruçaram no mesmo balcão.

Arrependimento e SacrifícioOnde histórias criam vida. Descubra agora