Seus pés marcavam o solo molhado como uma bigorna que modela metais. Seria difícil andar pelas ruas desertas até o terreno onde havia o mausoléu se o luar não estivesse iluminando seu caminho mesmo com muitas nuvens, o céu escuro parecia facilitar toda a caminhada de Doyle até Ogamas, como se tudo aquilo fosse predestinado — talvez realmente fosse. O vento soprava cada vez mais forte conforme o homem se aproximava da colina onde jazia a lápide cinzenta, ali pousou um corvo, e Alexander sentiu um frio na espinha no mesmo segundo que seus olhos azuis captaram a atmosfera mórbida do pássaro.
Aonde deveria ter um túmulo, havia uma entrada, com um puxador rebuscado. Parou de andar ao ficar defronte à madeira do alçapão, usou pouco de sua força para abri-lo, pois, sem esforço algum, o espaço para que ele descesse as escadas que o alçapão escondia logo apareceu. O corvo crocitou, voando ao redor dos cabelos escuros, encharcados pela chuva e grudados na testa de Alexander, que abanou as mãos sobre a cabeça, resmungando palavrões. O animal pousou em seu ombro, aparentemente, queria acompanhar a figura incerta de Doyle.
Conformado com o companheirismo do mesmo bicho que lhe dera arrepios, começou a descer pelas escadas como quem tem pressa, como quem se enche de euforia. Estas, eram em espiral, que faziam seus sentidos perturbarem-se. Sentia um frio não-humano incomodar seus dígitos, por isso, ainda em movimento, retirou do bolso do sobretudo molhado um par de luvas e as calçou.
Chegando aos últimos degraus, ouvia sons que se assemelhavam às sinfonias que pequenos lagos produziam devido às brisas suaves da primavera, mas, tudo que seu organismo sentia era o frio impiedoso de um inverno. E então, suas íris puderam enxergar a clareira que a lua — ou sabe-se lá que corpo místico ali iluminava — formava sobre uma água-redonda. Não era cristalina, parecia suja, insalubre.— Alexander Doyle, filho de Thomas Doyle e Elizabeth Doyle. Nascido em Londres, nasceu à meia-noite... Amante das sombras, inimigo de tudo aquilo que é sinônimo de sol, vens até mim com a insolência de achar que não o conheço, quando na verdade, estou esperando sua vinda desde o nascimento. Ignorante, egocêntrico, soberbo. O que almejas eu já sei, o que farás é o que descobrirei. Derrama teu pranto em minhas águas de lágrimas.
Uma criatura viscosa, com escamas quase imperceptíveis emergiu das ondas da escuridão onde a clareira não iluminava. Sua voz era um sussurro que ecoava na gruta de seus pensamentos, aguda como uma criança que imita o sibilar de uma serpente. Foi a primeira vez que Alexander sentiu medo. Com Ogamas, duas mulheres cinzentas de cabelos escorridos se aproximavam, e elas disseram-no: — O homenzinho está com medo, ssssenhor.
— Medo? Eu não tenho medo de nada — o moreno se aproximou, deixando que a margem daquele horrendo lago engolisse seus pés. — Se já sabes o que desejo, diga-me seu preço, eu tenho...
— Acha que vai me pagar com dinheiro, Alexander? — a serpente humanóide deixou-se cair na gargalhada, rodopiando nas águas, agarrando as mulheres. De maneira repentina, o riso cessou. — Você não sabe de tudo, idiota! Escute-me com atenção se quiser reconquistar suas terras e prosperar, triplicar o resto de seu dinheiro amaldiçoado. Aproxime-se.
Não era profundo, mas ainda sim, hesitando, deu passos duvidosos. A água tomava mais de seu corpo e o fazia sentir ainda mais frio. Escondeu as mãos trêmulas nos bolsos, e sua maior preocupação era se parecia fraco diante daquela besta e suas marionetes.
— Homens julgam-se capazes de fazer qualquer coisa, de encarar desafios, de realizar duelos em questão de honra, mas poucos voltam à minha casa com o que eu pedi. Você, no entanto, me traz nos pensamentos a certeza de cumprir qualquer coisa com êxito — o lago começou a secar lentamente, a água estava sendo retraída para os cantos repletos de escuridão que os olhos do homem não conseguiam ver. — O que eu quero, Doyle, é o corpo de uma pessoa amada. Uma carcaça morta. Suas mãos devem estar sujas de sangue. Deves trazer para mim a adaga usada, o semblante triste de alguém que acaba de perder a esposa...
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Arrependimento e Sacrifício
FantasyHá algum tempo atrás, nas terras inglesas, um rumor corria entre os marinheiros que paravam em uma cidade litorânea, afirmavam a existência de uma criatura mística e de natureza maléfica, que prometia dar qualquer coisa que os homens almejassem. Con...