Uma noite escura agigantava-se no céu nublado de Rye, e Alexander andava em direção ao mausoléu que Ogamas se encontrava. A poucos metros da entrada da gruta sepulcral daquele ser asqueroso, a chuva começou a cair, e molhar todo o corpo do homem, que vestia apenas uma calça preta e uma camisa branca, completamente suja de sangue. Confuso ao perceber que estava banhado de carmesim, olhou então suas mãos – também tomadas pela mesma coloração. Mas, de quem era aquele sangue?
Mais adiante, um raio partiu o horizonte, e um trovão assustador fez o solo tremer abaixo de seus pés; Doyle apressou seus passos, e refez o caminho que o levou até a criatura pela primeira vez, quando sua mulher ainda estava viva. Desceu as mesmas escadas e logo estava imobilizado com a visão que foi obrigado a contemplar.
O corpo de Eden estava completamente nu, jogado às margens da água turva e escura da gruta, e o que mais aterrorizou a mente do homem, foi a adaga enterrada bem no meio do peito da mulher, sem nenhum centímetro de lâmina aparente. Conhecia aquela adaga, pois ela era sua, e era a responsável por matar Katherine. Mas, um corpo masculino estava um pouco mais ao lado, observando tudo com uma respiração ofegante, de costas para Doyle.
Forçou seus olhos para reconhecer quem seria aquele sujeito; este, que possuía as mesmas vestes, que exibia a mesma mancha carmesim em suas mãos, que tinha a mesma negritude em seus fios de cabelo. Sua face foi tomada pelo mais genuíno medo, pois ao ver o rosto daquele homem, deparou-se consigo mesmo, tomado pela ganância, pelo egoísmo, pela sede de ser quem ele nunca foi.
Ele mesmo havia matado Eden, e ainda sim, estava tentando impedir a si próprio de tamanha crueldade.
Sentiu algo que há muito não havia sentido: o choro preso na garganta. As lágrimas tomaram conta de seu olhar, fazendo seu horizonte se transformar apenas em silhuetas borradas e formas inconsistentes. Enquanto seu igual se aproximava lentamente, ouviu uma voz que dizia:
– Você foi capaz de amar alguém em tão pouco tempo, Alexander... Estou feliz, estou realmente feliz por ter me enganado – aquela voz demoníaca era de Ogamas, que falava em seu subconsciente, como um castigo – achei que o Doyle era completamente miserável, mas não, até o homem mais imundo é capaz de amar.
– Eu não a amo, nunca a faria nenhum mal! – paralizado pelo medo, sua voz ecoou na gruta em vão.
Ele – ou melhor, o que parecia ser ele –, agarrou seu pescoço, o suspendendo, impedindo que qualquer outra palavra saísse de sua boca. Enquanto seus sentidos se esvaiam, ele era obrigado a ouvir a risada maléfica de Ogamas, zombando de sua mediocridade. Aos poucos, aquele cenário dava lugar a um incômodo agudo em sua vista, e Alexander percebeu que estava acordando. Tudo não passava de um longo e doloroso pesadelo.
Edgar, seu corvo, estava em seu peitoral, olhando fixamente para o humano atordoado, e antes que ele despertasse completamente, o animal disse: "Não o ouça, mestre". Mesmo que as intenções do pássaro fossem boas, o homem assustou-se com as palavras provindas do bicho, erguendo seu tronco imediatamente, espantando Edgar, que levantou voo e saiu pela varanda. Atordoado pela maneira que tinha acordado, levou alguns segundos para perceber que Eden estava rindo da situação. Ela ainda estava ao seu lado, e felizmente, segura.
Mas por quanto tempo ela estaria bem, se naquele mau presságio, o malfeitor era ele?
– Bom dia, Eden... – falou, ainda atordoado pelo susto que tomou, mas não demorou para inclinar a cabeça na direção da mulher – aparentemente, o susto que eu tomei não foi de todo o mal, vejo que a divertiu, não?
– Me divertiu sim, milorde, mas devo confessar que estou mais curiosa do que entretida – a loira se aproximou do homem que estava sentado desde o despertar, trazendo consigo o lençol acetinado enrolado em seu corpo, Eden se acomodou ao lado dele – por quê tens um corvo como animal de estimação?
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Arrependimento e Sacrifício
FantasyHá algum tempo atrás, nas terras inglesas, um rumor corria entre os marinheiros que paravam em uma cidade litorânea, afirmavam a existência de uma criatura mística e de natureza maléfica, que prometia dar qualquer coisa que os homens almejassem. Con...