⸻𓏲𝟎𝟏

216 19 3
                                    


Abril

Aqueles eram os brincos mais primorosos que ela já havia visto.

Aninhados em seu leito de veludo preto, os diamantes em forma de gota brilhavam com um fogo interno tão intenso que chegou a se perguntar se não queimaria a ponta dos dedos ao tocá-los.

A verdade, porém, é que eram frios, pensou, com um sorriso irônico ao prendê-los nos lóbulos das orelhas.
Tão frios como todas as outras joias que havia ganhado naqueles últimos e intermináveis meses.

Frios como a sensação que se apoderava dela ao pensar na noite que tinha à frente e em suas possíveis consequências.
Tirou o colar, presente do dia anterior, da caixa, e o estendeu a Donata, sua camareira, para que o fechasse em torno de seu pescoço.

Depois se levantou da cômoda, caminhou até o espelho de parede inteira e submeteu seu reflexo a um exame crítico.

O traje recomendado para a noite era preto, um modelo reto, simples, de jersey de seda, mangas compridas, com um decote drapeado que revelava o início do volume dos seios e destacava o pingente.

Não gostava particularmente da cor ou do estilo do vestido. Fazia com que ela parecesse ter bem mais que seus 23 anos, transmitindo uma sofisticação que certamente não possuía. Mas, como em tantas outras coisas na vida, não tinha escolha.

Afinal, perguntou-se com certa ironia, desde quando uma boneca escolhia as próprias roupas?

Seu cabelo fora preso num coque artisticamente elaborado, deixando apenas algumas poucas mechas roçarem casualmente as bochechas e nuca.

Nunca se afeiçoara realmente a Donata, moça tão proximamente envolvida com a farsa que era sua vida, e que provavelmente já vira coisas demais, pensou com amargura, mas não podia negar seu talento como cabeleireira, nem a aparente discrição. Seja qual fosse a ideia que tivesse do casamento da patroa, parecia guardá-la para si.

Àquela altura, S/n já havia aprendido a aplicar a própria maquiagem. As sombras, delineador e rímel realçavam ao máximo os olhos de cor [c/o] acinzentada, única beleza que reconhecia em si, fazendo-os brilhar quase misteriosamente sob a franja de cílios escurecidos.

Sua boca tinha hoje o mesmo rubor quente de uma rosa selvagem, tom que se repetia no esmalte que realçava as unhas bem tratadas. E em suas orelhas e pescoço, os diamantes brilhavam como gelo sob a luz do sol do inverno.

Ouviu a tosse de advertência de Donata, vendo-a olhar significativamente para o seu relógio. Ao que parecia, estava na hora de dar início a mais uma performance. Estendendo a mão para pegar a bolsa de noite, ela caminhou em direção à porta e ao longo da galeria, até o topo da escada, ouvindo o som, vindo da direção oposta, de outra porta se fechando.

Deteve-se, como sempre, ao vê-lo caminhar em sua direção, alto, esguio e elegante, com sua roupa de noite, movendo-se tão agilmente quanto uma pantera, como que dando a entender que a formalidade de sua aparência podia ser apenas uma fachada.

𝐎 𝐃𝐈𝐀𝐁𝐎 𝐕𝐄𝐒𝐓𝐄 𝐀𝐙𝐔𝐋❜  𝗍𝗈𝖻𝗂𝗋𝖺𝗆𝖺 𝗌𝖾𝗇𝗃𝗎Onde histórias criam vida. Descubra agora