Afeição

62 8 11
                                    


Dentro do espaço claustrofóbico do banheiro em que tinham se enfiado, os três permaneciam em silêncio, esperando para saber qual deles seria o primeiro a afirmar o óbvio: não estavam seguros, apenas tinham adiado o encontro com a horda que forçava a porta da casa.

Daryl encostou no azulejo sujo e se deixou escorregar até o chão. Beth engoliu todo o pavor que estava sentindo e, ignorando o martelar frenético de seu coração, começou a esvaziar os armários.

Não havia muito para ser encontrado, antes dos mortos despertaram a casa já devia ter sido saqueada por andarilhos, ainda assim encontrou uma toalha empoeirada e até um rolo quase no fim de esparadrapo, fora alguns itens inúteis que ignorou. Juntou seus escassos achados na pia e abaixou em frente ao adolescente.

— Me deixa ver seu ferimento — sussurrou já levando as mãos à barra rasgada da camisa.

— Tô bem. — Daryl empurrou os dedos frios de Beth para longe de sua pele.

— É claro que não está — retrucou feroz como fora em seu primeiro encontro na floresta. — Apenas deixe de teimosia e erga a camisa.

Lentamente o arqueiro abaixou as mãos permitindo a Beth erguer o tecido esfarrapado da camisa e observar o curativo improvisado por ele horas antes.

Parecia mais com um torniquete do que um curativo, mas vinha impedindo o sangue de extravasar em quantidades absurdas. Beth ergueu apenas por um instante o tecido enrolado no tronco do rapaz e todo o corpo se contorceu em dor.

— Caralho! — Ele precisou de todo seu autocontrole para não gritar.

Ela ignorou a reclamação ao sentir a temperatura da pele ao redor do corte, claramente alguns graus acima do restante do corpo. A pele avermelhada e inchada dava sinais de inflamação e ela não possuía qualquer medicação para isso.

Greene tinha mais um dilema em mãos. Embora precária, a solução improvisada de Daryl vinha cumprindo sua função. Beth tinha agora acessos a materiais para limpar e cobrir novamente os ferimentos, mas o risco de cometer algum erro e a hemorragia voltar ou infectar as perfurações com a falta de assepsia era grande.

— Eu acho que você perdeu muito sangue. — Ela sabia que ele não estava sangrando tanto recentemente, mas não tinha como saber por quanto tempo ele ficou caído com o ferimento aberto vazando antes de o estancar. — Precisa se hidratar.

Imediatamente Sophia quis se fazer útil abrindo a torneira e os canos rangeram de forma agourenta. Depois de quase dez segundos a torneira cuspiu uma substância pastosa escura imediatamente seguida de uma torrente de água marrom que durou por alguns instantes antes de ralear parecendo transparente o bastante para beber.

— Não pode fazer bem beber isso — Beth murmurou lembrando a si mesma de quão precária era a situação deles.

Os gemidos dos mortos do lado de fora acompanhados do ranger da madeira velha da porta eram um lembrete constante do perigo iminente. Mas não podia pensar nisso agora, ela lidaria com o ferimento de Daryl e depois pensaria em como tirá-los em segurança dali.

— Não tô vendo muitas alternativas, a menos que queira tentar o vaso. — A dor parecia reavivar a grosseira do adolescente, mas a loira não estava com disposição para trocar patadas neste momento.

— Você mal se aguenta em pé, não precisamos de uma intoxicação nessa altura. — Não tinha como aquela água ser potável, não trocaria a desidratação por outra doença.

Daryl sabia que até certo ponto ela estava certa, aquele líquido deveria estar cheio de merda, mas não era sua primeira experiência de desidratação, até beber mijo era melhor do que enfraquecer com a perda de líquido no corpo.

No PlanOnde histórias criam vida. Descubra agora