Daryl sabia que estrategicamente fazia sentido, mas isso não diminuía seu desgosto pela mudança. Sem sequer tentar esconder seu mau humor ele arrastava suas botas pela casa, carregando seus pertences e olhando torto para qualquer um que passasse por ele.
A situação agora era ainda pior do que na sua estadia no quarto de hóspedes quando esteve ferido. Atualmente tinha dois colegas de quarto dormindo grudados ao seu saco de dormir e, por azar, um deles era o cara que não parava de tentar chamar sua atenção desde que pisou na fazenda.
Hershel anunciou que os visitantes se mudariam para a casa durante o jantar e os demais passaram a refeição discutindo a distribuição de espaços de dormir. Daryl não participou da conversa, estava ocupado debatendo em pensamento quais seriam suas chances de sobreviver lá fora sozinho durante o inverno.
Depois do jantar, adiou a mudança pedindo uma palavra com Rick e o dono da fazenda. Mesmo que não estivessem em posição de propor qualquer coisa, precisava levar aos líderes sua sugestão, Sophia estava certa, a tranquilidade desse lugar os estava deixando desleixados quanto à segurança.
Rick pareceu realmente convencido por sua ideia de uma cerca ou muro e Hershel não se opôs à mudança. Os três passaram a próxima meia hora debatendo a melhor forma de fortificar a fazenda antes do inverno.
Contra os próprios planos conspiratórios de fugir na moto do irmão, Daryl desmontou a barraca e seguiu para o quarto atribuído a ele, descobrindo por T-Dog que o terceiro ocupante seria Jimmy.
Ele não viu Beth durante todo o processo de mudança e se perguntou o que ela estava pensando sobre ter sua casa invadida pelo grupo de Atlanta.
Se Daryl estava incomodado com isso, a garota deveria estar horrorizada. Tinha percebido o quanto Beth parecia atormentada apenas pela presença de terceiros ocasionais, ter a casa abarrotada deles o tempo todo deveria ser uma tortura.
Ele ouviu Patrícia e Maggie conversando sobre quem se mudaria para o quarto da Greene mais nova e isso só o preocupou mais. Precisava verificar ela antes de deitar, apenas por precaução.
Sua única passagem pelo quarto dela foi no terrível incidente em que a jovem tentou se matar, ele não queria reviver a cena voltando lá — não conseguia imaginar como ela fazia para usar aquele banheiro ainda sem espelho todos os dias — mas tinha que saber se aquilo não era demais para ela.
E se fosse, o que ele faria? Ia montar em sua motocicleta com a garota na garupa e tirar ela da pressão de estar segura e cercada pela família? Gritaria com o Sr. Greene por ignorar o bem estar da filha?
Não, claro que não. Ele era só um estúpido caipira adolescente, impotente frente aos problemas dela, mas que insistia em bancar o herói.
Daryl se sentia tão ridículo por esse instinto protetor injustificado, mas não sabia como se impedir de querer resgatar a garota desse mundo de merda em que estavam.
Havia elaborado uma teoria fraca sobre suas motivações: quando conheceu Beth ela era ingênua como um filhotinho e, aos poucos, principalmente por causa dele, foi se corrompendo pela realidade hostil, enquanto Daryl assistia em primeira mão. Ele estava acostumado a ver pessoas quebradas pelo sofrimento, mas nunca tinha vivenciado o processo de trauma, o que pode ter despertado essa empatia além do esperado.
Encarou o quarto sem mobília se perguntando se deveria pegar um canto na parede ou no meio do cômodo. Para seu azar, T-Dog estava encostado na parede leste o que significava que, independente de onde jogasse seu saco de dormir, estaria ao lado de Jimmy.
O antigo quarto do filho falecido de Hershel costumava ter uma cama, mas ela foi transferida para o cômodo que Daryl ocupou enquanto convalescia, agora era a morada dos dois idosos do grupo — já que Hershel, por qualquer motivo, achou que deveria dar o quarto principal à família Grimes — e os mais velhos tinham prioridade, ficando com a cama e deixando para T, Daryl e Jimmy, sacos de dormir e o piso frio de madeira.
— Esconde um pouco dessa empolgação, garoto — T-Dog zombou com mais sarcasmo do que Daryl tinha ânimo para lidar. O caipira fez uma careta que espantaria um desconhecido antes da virada, agora só fez o mais velho revirar os olhos. — Não é tão ruim, você ainda pode dar vinte passos e estar ao ar livre.
— Só num gosto disso. Vamo viver amontoados uns nos outros — resmungou jogando suas coisas ao lado de T-Dog.
— Melhor do que amontoados uns nos outros mortos em uma horda.
Daryl suspirou infeliz, abrindo o saco de dormir e vasculhando sua bolsa atrás do cobertor que vinha usando desde Atlanta.
— Quando o inverno acabar, vo voltar pra barraca. Vamo precisar de alguém lá fora se algo acontecer.
Ele ficaria feliz em fazer isso agora, pelo tempo que aguentasse antes de seu nariz congelar. Mas Rick não quis saber dessa ideia, disse que era perigoso ele dormir sozinho lá fora.
— Nope. Vocês mais novos têm que ficar seguros. Deixem a tarefa de se arriscar para os adultos.
Daryl bufou e olhou enviesado para o homem que falhou em esconder uma risada com a reação abrupta do adolescente.
— Tá conversando com Andrea agora? — A mulher estava insuportável desde o acidente.
Não parava de dizer coisas como: você tem que comer mais para recuperar suas forças; não pode sair por aí sozinho no seu estado; não deveria carregar peso, pode arrebentar os pontos. Às vezes ele só queria mandar a maldita preocupação de Andrea e Beth para o inferno.
— Ela é muito boa convencendo as pessoas, teria pena de um promotor em um júri contra um cliente dela.
Daryl não tinha certeza se a loira era esse tipo de advogada, mas concordou com T que entrar em uma discussão com ela era uma receita para dor de cabeça.
— Engraçado que no antigo mundo ela era o tipo de advogada de rico que eu nunca ia conseguir pagar. — Ele bufou uma risada sem humor lembrando do defensor público de seu irmão que mal se dava ao trabalho de comparecer às reuniões.
— E para que você iria precisar de uma? — Daryl pensou que T-Dog estava zombando dele até se virar para encontrar o mais velho esperando com uma sobrancelha erguida.
— Sério? Achei que cê fosse mais esperto. — De todas as pessoas naquele grupo, T deveria entender o que é ser julgado culpado por sua aparência antes mesmo de ter a chance de cometer qualquer infração.
— Merle é do tipo que sempre precisa de um advogado, você, por outro lado, não — explicou com paciência embora o adolescente apenas tenha revirado os olhos para sua resposta.
— O caipira motoqueiro, sujo, com tatuagens e uma besta nas costas?! — resmungou cada vez mais desconfortável com o assunto. — Acho que cê num entendia como a Geórgia funcionava.
— Além de todo o estereótipo, você é um bom rapaz. Não do tipo que se mete em problemas. Talvez do tipo que acaba com problemas por causa de más companhias.
A forma como o homem falou foi completamente diferente de como T normalmente falava. Ele soava muito mais com um dos terapeutas de seu antigo colégio do que com o sobrevivente bem humorado que se juntou ao grupo da pedreira.
— Como meu irmão — observou apenas porque era um fato que Merle era uma má influência, mas percebeu tardiamente que soaria como uma acusação para T-Dog devido ao ocorrido no terraço em Atlanta.
— Sobre o que aconteceu… — Ele começou inquieto pela culpa, mas Daryl o interrompeu antes que pudesse repetir as desculpas:
— Num foi sua culpa. Sei como Merle é.
Seu irmão era a única pessoa que já se importou com ele. Ainda assim, Merle Dixon não era fácil de lidar ou conviver e para T-Dog deveria ser ainda mais difícil do que para o restante do grupo.
— Mesmo sendo um acidente. Ele era sua família e por minha causa você está sozinho nesse mundo de merda. — Havia arrependimento sincero nas palavras do mais velho para surpresa de Daryl.
— Num tô sozinho — sussurrou sem saber de onde veio o pensamento e se arrependeu ao perceber que tinha sido ouvido.
— Verdade, não está. — O sorriso orgulhoso no rosto do outro deixou o rapaz desconfortável. Não estava acostumado a tais expressões, não dirigidas a si.
— Vo arrastar o Jimmy daquele celeiro antes que se algeme junto com o Randall — resmungou a primeira desculpa que pôde pensar, já se afastando do mais velho.
Saiu da sala antes que T-Dog tivesse a chance de dizer qualquer coisa.
…
Apesar de sua alegação, ele não saiu da casa. Seguiu pelo primeiro andar observando o grupo desconfigurar completamente a decoração interiorana da casa.
Passando por seu antigo quarto ele viu Glenn e Andrea empurrando móveis na tentativa de fazer uma segunda cama de casal caber. Dale havia afirmado que ficaria bem no chão enquanto Hershel dormia na cama, mas o grupo não quis saber. Aparentemente velhos eram tão superprotegidos quanto adolescentes no livro de regras de Andrea.
O rapaz bufou com todo aquele drama. Não entendia porque os mais velhos não podiam dividir a cama. Daryl era prático: não existia diferença entre dormir lado a lado no chão, como o restante do grupo faria, e em uma cama. Mas se externasse o pensamento, ficariam horrorizados.
Daryl precisou escalar a poltrona florida empurrada para o corredor, enquanto se perguntava onde eles enfiariam a cômoda que tentavam remover do quarto.
Foi estranho dar de cara com Jimmy. Ele tinha certeza que o rapaz estava com Randall — inseparáveis como estavam nos últimos dias — Então se deu conta que ele vinha do lugar para onde Daryl se dirigia e não pôde deixar de se questionar se o garoto de fazenda chegaria à mesma conclusão sobre o destino de Daryl e o que pensaria do caipira indo para o quarto da Greene caçula.
— Ah. Oi, Daryl. — Jimmy soou atordoado, olhando em volta apreensivo como se esperasse um errante pular de repente em seu pescoço. — Eu estava indo…
O garoto hesitou, provavelmente tentando lembrar o que ia fazer antes de esbarrar no caçador, mas Daryl não tinha paciência para amenidades.
— Só faltam suas coisas pra levar pro quarto.
— Ah. — Os olhos do mais novo se arregalaram em uma expressão muito diferente da admiração que costumava exibir para Daryl. — Tinha me esquecido disso.
— Estranho, cê parecia tão decidido a ficar no mesmo quarto que eu. — Não estava provocando o outro, apenas apontando que Jimmy tinha insistido bastante em dividir um cômodo com Daryl. Ainda assim, o garoto se encolheu e arregalou os olhos como se fosse uma acusação.
— Eu não… só queria… — Seja lá porque Jimmy estava entrando em pânico, o maior decidiu que não lhe interessava.
— Por que num tá com Randall? — O que realmente queria saber era o que James estava fazendo no quarto de Beth. Não que se importasse, mas eles haviam terminado e a garota não precisava do ex-namorado a perturbando.
— Dale se ofereceu para levar o jantar e devolver ele ao celeiro por mim. Muito injusto ele ter que ficar lá algemado passando frio. — A empolgação normal de Jimmy retornou, mas isso sequer surpreendeu o arqueiro, uma vez que o prisioneiro e seu vigia pareciam melhores amigos.
— Hm — resmungou sem interesse porque esperava que ele falasse de Beth e não do sujeito preso no celeiro.
— Bem, vou levar minhas coisas para nosso quarto… quer dizer, o quarto de Shawn… onde estamos dormindo. O que era o quarto dele. — Voltou a se atrapalhar, mas Dixon não estava mais prestando atenção.
— Tá. — Passou pelo mais novo que recuou quase assustado para não encostar no caipira. Daryl teria ficado magoado se não estivesse acostumado ao nojo alheio.
A porta de Beth estava aberta e ele hesitou apenas por um momento antes de olhar para dentro. Sophia e Carol estavam arrumando suas bolsas em um canto enquanto a adolescente desocupava um compartimento do guarda roupa.
A criança foi a primeira a notá-lo e sorriu muito satisfeita enquanto saltitava até a porta.
— Daryl, agora somos colegas de quarto da Beth! — O entusiasmo que a criança sempre tinha ao falar com ele o desconcertou por um momento e permaneceu sem jeito encostado no batente.
— Hm. Parece bom.
— Não é uma festa do pijama, Sophia. — Carol tentou controlar a empolgação da filha, mas o sorriso no rosto da menina parecia dolorosamente permanente.
Beth encarou a mais velha com uma expressão gentil depois de cumprimentar Daryl com um aceno. Ela não parecia particularmente surpresa por ele ter aparecido em seu quarto essa hora da noite.
— Tudo bem, Carol. Estou feliz em dividir o quarto com vocês. — A garota garantiu com um sorriso doce.
— Eu e Beth vamos compartilhar a cama — Sophia declarou para desespero da mulher que tentava acalmar o entusiasmo da filha.
— Eu disse que Sophia e eu ficaríamos bem no chão, mas essas duas são teimosas — Carol disse para Daryl em uma justificativa envergonhada para as palavras da menina.
— Não me importo em dividir, acho até que vou dormir melhor com a Sophia do meu lado. — A adolescente tentou apertar a bochecha da menina, mas a menor escapou com uma gargalhada.
Beth não disse nada além disso, mas o arqueiro captou algo subentendido entre as duas mais jovens.
Os olhos da loira se ergueram para Daryl em seguida, em uma conversa silenciosa. Talvez ele também estivesse incluso nesse entendimento sem necessidade de palavras.
Provavelmente eles ficaram tempo demais presos na troca de olhares porque Carol suspirou audivelmente e declarou:
— Sophia, vamos ver se pegamos tudo no RV.
— Mas… — A mais nova tentou protestar apenas para ser empurrada pelos ombros para fora do quarto.
— Vamos.
Houve um instante de silêncio em que os adolescentes simplesmente olharam um para o outro. Dixon decidiu falar porque era ele que estava visitando o quarto dela sem convite:
— Cê escolheu Sophia pra dividir o quarto? — Fazia sentido já que a loira não tinha se aproximado de ninguém do grupo forasteiro além da criança.
Beth olhou para baixo, a expressão perturbada por algo antes de falar:
— Na verdade, eu só descobri que vocês estavam se mudando quando elas chegaram há pouco — sussurrou cruzando os braços, mas não parecia irritada, apenas desconfortável.
Os olhos do arqueiro se arregalaram. Isso era muito pior do que ele pensava. Beth mal conseguia ficar no mesmo cômodo que os estranhos e agora estavam forçando pessoas a dormir no quarto dela sem sequer perguntar ou dar uma escolha.
Ele sabia que no passado pouco se importaria com os sentimentos de Beth desde que todos estivessem seguros e até certo ponto ele ainda pensava assim, mas o que viu no banheiro daquele quanto mudou radicalmente suas prioridades.
Ele podia defender Beth e os demais de errantes se fosse preciso, mas nunca imaginou precisar proteger a adolescente dela mesma e não tinha certeza se lidaria bem com o suicídio dela se não tivesse feito tudo ao seu alcance para impedir.
— Seu pai num falou com ocê sobre isso? — Havia raiva na voz dele, um rosnado mal contido no fundo da garganta e Beth se encolheu, não de medo, mas de vergonha por ele estar preocupado com ela a esse ponto.
— Ele não tem falado muito sobre qualquer coisa comigo. Ninguém tem. — A jovem não pôde esconder uma pitada de amargura na voz.
Mesmo ciente de que ela os havia afastado primeiro e que foi sua atitude extrema que causou o desconforto que impedia os demais de se aproximarem, não conseguia deixar de se ressentir por seu pai não ter tentado mais.
Maggie gritou e a ofendeu, o que não ajudou em nada, mas pelo menos a garota tentou, mostrou que se importava. Seu pai, por outro lado, sequer notou que havia algo errado com a caçula.
Talvez Shane estivesse certo e Beth não passasse de uma menininha querendo chamar a atenção do pai.
— Isso num é… ele num deveria forçar cê assim. — O rapaz puxou os cabelos que agora eram compridos o bastante para esconder as sobrancelhas.
— Vou ficar bem, Daryl. — A jovem sentiu que precisava esclarecer. Ainda não tinha certeza de estar realmente bem, mas não queria mais morrer, se era o que o arqueiro temia.
— Tem certeza que quer uma casa cheia e pessoas no seu quarto o tempo todo?
O adolescente era muito mais sagaz do que deixava os outros verem. É claro que ele notou o quanto a loira estava insegura perto de outras pessoas, até mesmo envergonhada. Beth estava grata pelo cuidado dele, mas Daryl não podia ajudá-la com isso.
Ela encolheu os ombros, mas ofereceu um sorriso tímido que pareceu mais triste do que reconfortante.
— Isso é o melhor para todos. Vocês não estariam seguros lá fora.
Era verdade. Ambos sabiam que a segurança era prioridade. Mas ele também não queria que os sentimentos dela fossem ignorados.
— Pense em si mesma por um momento, garota. Cê ainda tá se adaptando a falar com outras pessoas, como vai lidar com isso tudo? — A intensidade franqueza de seu apelo surpreendeu não só a ela, mas ao rapaz também.
Beth deu de ombros e encarou as unhas curtas enquanto falava:
— Não sou de vidro, vou aguentar. Tenho que parar de ser egoísta, Daryl. — Maggie tinha razão em um ponto, ela nunca pensou nos outros ao decidir acabar com sua vida. Não era como Otis que morreu para salvar Carl, ela simplesmente estava jogando fora sua vida que os outros lutaram tanto para manter incólume.
— Pensar primeiro em si mesmo num é egoísmo, é sobrevivência. — Merle dizia algo parecido, só que com um pouco mais de vulgaridade e menos delicadeza, mas a lição havia ficado: às vezes, o único jeito de sobreviver é prejudicando os demais. — Cê pode repetir que tá bem e realmente acho que melhorou, mas o que aconteceu num foi por acaso… o que cê sente importa e quando tá tão ruim é uma doença tão séria quanto qualquer outra.
Ele não queria falar ou pensar nisso, mas não conseguia parar de reviver os meses finais de sua mãe, quando ela passava o dia todo deitada no sofá encarando a parede, ou sentava no chão do banheiro molhada e enrolada em uma toalha imunda, sem força de vontade para se vestir.
Nunca perguntou a Merle e, com certeza não tocou no assunto com o pai, mas não esquecia o aperto na garganta ao lembrar do dia em que a casa incendiou com sua mãe dentro e depois de uma porção de xingamentos e maldições, seu pai disse como se não fosse nada: "a vadia finalmente arrumo coragem pra ir até o fim, mas teve que queima junto as minhas coisa tudo. Típico daquela puta chorona".
Beth sentiu o desespero do maior, algo muito mais forte do que ela poderia esperar desse rapaz que conhecia há poucas semanas. Culpada por deixá-lo tão preocupado, a loira deu dois passos e, hesitante, colocou as mãos nos ombros largos.
— Eu vou melhorar, estou melhorando. — Ela não sabia se estava tentando convencer ele ou a si mesma, mas apenas dizer as palavras enquanto se apoiava na estrutura firme e estável, fê-la se sentir melhor.
Daryl bufou, seus olhos tentando encontrar o rosto dela, mas sua típica insegurança o forçava a olhar para o espaço entre seus corpos.
— Seu pai precisa pensar mais n'ocê — sussurrou para esconder a irritação que sentia pelo descaso com a garota.
— Às vezes parece… parece que ele não liga. — A confissão custou toda a coragem da Greene e foi a vez dela olhar para baixo. — Ele não disse nada sobre o que aconteceu. Maggie gritou comigo e fez um escândalo, mas pelo menos mostrou que se importa. Mas papai… desde o celeiro ele não liga para nada. Acho que ele perdeu muito naquele dia.
Foi a primeira vez que ocorreu a Daryl que a morte de Annette e Shawn não afetava apenas Beth. Que Hershel e Maggie também tinham sofrido apesar de se mostrarem tão mais resistentes.
— Talvez ele também precise de tempo — murmurou em defesa do idoso, não porque o perdoou, mas porque Beth parecia ver no pai uma espécie de herói e Daryl queria confortá-la. — Num vale de muita coisa, mas no que me diz respeito, isso importa muito. Cê importa pra mim.
A boca da loira se abriu em um perfeito "o" e foi tão cativante que Daryl precisou conter um sorriso atrevido que queria correr para seus lábios. Ele tinha certeza que seu pescoço e orelhas estavam febris com o acúmulo de sangue, mas tentou ignorar isso.
— Eu me importo com você também, Daryl. Mais do que você acredita que merece.
A mão que Beth mantinha no ombro direito do arqueiro escorregou e acariciou o bíceps nu em um gesto superficial, mas inesperadamente íntimo.
Finalmente vencido pela própria timidez e incapaz de lidar com o movimento involuntário do seu estômago e a frequência cardíaca acelerada, Daryl deu um passo para trás, rompendo o contato e forçando a garota a se encolher sem jeito.
— Vo pro meu quarto antes que Jimmy coloque o colchonete dele grudado no meu saco de dormir. — A forma com que ele formulou a frase fez Beth gargalhar com a memória de sua conversa anterior com o ex namorado. — Qual a graça?
— Nada. Só lembrei de algo. — Ela sacudiu a cabeça ralhando consigo mesma por ser tão indiscreta. — Boa noite.
— Noite.
…
Trabalhar na fazenda não era tão ruim quanto Daryl temia. Não era como perambular na floresta, mas ele gostava de lidar com os animais, da sensação de dever cumprido no fim do dia e da exaustão com que se deitava após as horas de trabalho pesado.
Distribuía os fardos de feno nas baias e limpava os cochos com ração velha enquanto Shane erguia grandes pasadas de bosta exibindo a careta descontente que qualquer um encarregado do serviço teria.
Jimmy surgiu no celeiro com a expressão desconfiada que assumia sempre que via Daryl desde que se mudaram para o mesmo cômodo.
O arqueiro não tinha certeza se disse ou fez algo que perturbou o mais novo, mas com certeza James não agia da mesma maneira que alguns dias atrás.
Shane demorou para perceber o adolescente, provavelmente distraído demais praguejando internamente por ter de enfiar os pés na merda. Mas quando identificou McCure vistoriando as prateleiras em um canto, soltou um suspiro que para os padrões atuais de mau humor de Shane, poderia ser classificado como uma risada.
— Vaqueiro, vem aqui. — Havia uma espécie de alívio na voz do ex policial ao chamar o mais novo.
— Eu? — Jimmy não parecia muito entusiasmado em se aproximar de Walsh e Daryl nem podia culpá-lo. O cara estava sempre propenso a explodir, principalmente desde que ele e Rick brigaram sobre o destino de Randal.
— É. Por que não está vigiando o cara? — Cuspiu a última palavra como se fosse doloroso se referir ao prisioneiro.
— Randall está ajudando T e Patrícia na horta — justificou olhando em volta, catalogado as saídas para escapar de Shane, Daryl supôs. — Eu vim buscar esterco.
— Deixa que eu levo. — Não pediu para trocar de serviço, apenas informou ao garoto. — Você é amigável demais para um carcereiro. Deveria ficar de olho nele, não sair para ajudar nas tarefas.
— Mas eu ainda tenho… — James tentou argumentar, afinal ele sempre esteve encarregado de vigiar Randall e Shane não era a pessoa mais indicada para ficar perto do rapaz que queria matar há poucos dias.
— Termine de limpar isso. — Walsh entregou a pá ao mais novo enquanto arasava as botinas na terra batida tentando se livrar da merda nas solas. — Vou ficar de olho no cara até o próximo turno.
O mais novo olhou para Daryl em busca de orientação, mas o outro adolescente apenas deu de ombros incapaz de dizer o que o policial queria com a troca. Hesitante, Jimmy pegou a pá.
Antes do mais novo cruzar o caminho até a baia imunda, Shane já tinha agarrado o saco com esterco e sumido porta a fora desesperado para respirar ar limpo do fedor da merda.
James estava estranho — não o estranho normal: obcecado por Daryl — assim como esteve desde que se tornaram colegas de quarto, gaguejando respostas tolas e oscilando sem saber o que fazer consigo mesmo.
— Tudo bem, só faltam duas baias — Daryl declarou porque não tinha certeza se o garoto iria continuar a tarefa inacabada do policial ou apenas trocar o peso de pé enquanto olhava para todo lugar menos o arqueiro.
— Shane só estava procurando uma desculpa para largar isso aqui, não é?! — O adolescente parecia realmente preocupado e o caçador não ia culpá-lo dadas as ameaças que o homem fez a Randall.
— Cê não pode deixar ele fazer isso. — Daryl não tinha certeza de porque estava falando com o menor, só preferia a versão tagarela e empolgada de Jimmy do que a tímida e gaguejante. — Todo mundo tem seus trabalhos, ele num pode fugir só porque é o dia dele de catar bosta.
Dixon tinha que catar a merda dos animais nas quintas — ao menos Andrea achava que eram quintas-feiras, embora Glenn tenha tentado argumentar que deveriam ser domingos — e ele sabia que o cheiro grudava nele, como a porra de uma sombra, mas não era o pior cheiro do mundo, pra ser sincero, bosta de cavalo era perfume perto do fedor de carne podre queimada de quando eles descartavam os caminhantes derrubados.
— Eu não me importo. — James deu de ombros iniciando a tarefa que Shane havia largado pela metade. Daryl estava satisfeito de pelo menos o mais novo não estar mais todo nervoso. — Sempre fazia isso lá em casa, meus irmãos odiavam e sobrava para mim.
— Cê nunca fala da sua casa — comentou por puro reflexo, apenas para manter esse humor do garoto.
O arqueiro se arrependeu assim que as palavras deixaram os lábios. Não era seguro falar sobre família, não quando todo mundo ou estava morto ou desaparecido.
Jimmy levou um momento para responder, enquanto isso Daryl se amaldiçoava por fazer aquilo que sempre o irritava no irmão: falar merda.
— Não tem muito pra falar. Eramos eu, meus pais e três irmãos mais velhos. Eles saíram para a cidade um dia e eu fiquei separando as novilhas. Depois de dois dias sem conseguir falar com eles fui até a cidade e acabei encontrando Otis. Foi pura sorte, poderia estar na fazenda dos meus pais sozinho até hoje ou vagando por aí…
O garoto era bom no trabalho braçal e não tinha as mesmas ideias erradas que seus anfitriões sobre os errantes, mas era difícil acreditar que ele ainda estaria vivo se estivesse só.
— E o senhor Greene ficou feliz com isso?
Hershel não estava exatamente com os braços abertos para o grupo de Atlanta, é claro que havia um abismo de diferença entre esses estranhos aleatórios desesperados por comida e abrigo e seu vizinho amigável que conhecia desde o berço.
— Otis achou que se não tinha problema levar os infectados para o celeiro, ele podia levar um dos saudáveis. Senhor Greene não ficou satisfeito em ter eu e Beth sob o mesmo teto, mas me acolheu mesmo assim.
Era estranho imaginar o senhor Greene como o velho severo e conservador que costumava ser já que Daryl e Beth tinham estado a sós atrás de uma porta fechada várias vezes e até dormido no mesmo quarto. Como Beth disse: ele não ligava para nada desde o celeiro.
— Num foi um grande sacrifício pra ele. Cê trabalha muito. — Daryl não tinha problema em elogiar quando merecido. Jimmy não fazia corpo mole não importa a tarefa atribuída, ele podia desde arrebanhar as poucas vacas leiteiras restantes até lavar pratos com o mesmo entusiasmo jovial.
— Acho que sim. — O garoto sorriu e encolheu os ombros e se Daryl estivesse olhando para ele teria notado a cor vermelha se espalhando sob suas sardas. — Preciso retribuir de alguma forma.
— Estamos todos tentando. — O arqueiro terminou o último cocho e começou a mover os cavalos de volta às baias limpas.
— Você não tem que fazer muito. Salvar a filha dele deve ter garantido estadia permanente. — Havia a familiar admiração na voz do rapaz, mas Daryl identificou um toque amargo, seria culpa? Inveja? Decepção? Nenhum desses fazia sentido, já ciúmes… mas Beth havia terminado com ele e também, não era como se houvesse algo entre ela e o caipira.
— Não se ele acha que eu coloquei ela em problemas pra começar — bufou infeliz ao lembrar dos sussurros que ouviu sobre as teorias de como o casal de adolescentes acabou perdido na mata.
Jimmy sorriu e Daryl aceitou o silêncio confortável que agora existia entre eles. Não demorou para terem o estábulo limpo e os animais em seus lugares. Eles lavaram as mãos na bomba manual onde Daryl vinha enchendo baldes para os bebedouros dos animais e Jimmy apoiou as mãos na cintura satisfeito.
— Fazemos uma boa dupla — declarou mais confiante do que tinha estado em dias na presença de Daryl.
— Cê com certeza é mais rápido que o Shane — concedeu porque não tinha como negar que além da má vontade, o policial não estava acostumado com a atividade rural.
— Prática, acho.
Daryl entregou seu cantil para o mais novo que bebeu um gole profundo antes de devolver o objeto. Jimmy estava movendo os pés de um lado para o outro novamente e o arqueiro teve vontade de mandar ele falar logo o que estava segurando, mas quando o mais novo agiu, não foi com palavras.
Dixon estava apoiado no portão de uma das baias, recuperando o fôlego quando, sem aviso, o outro rapaz se aproximou mais do que seria aceitável.
Daryl não conseguiu pensar, sequer reagir quando Jimmy juntou seus lábios em um encontro desajeitado.
Não durou mais que um momento, mas Daryl ficou parado, encarando muito de perto o rapaz de olhos fechados que o beijava superficialmente.
Quando o menor se afastou e abriu os olhos, havia insegurança em sua expressão. Nenhum deles falou e assim que se recuperou o bastante para raciocinar, Daryl disparou para fora do estábulo deixando Jimmy e seu rosto assustado para trás.
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No Plan
FanfictionDaryl havia acabado de completar dezoito anos quando o grupo de Atlanta chega à fazenda Greene. Ele só queria abandonar aquelas pessoas e encontrar seu irmão, mas seus planos mudam ao conhecer a doce e determinada Beth Greene, totalmente ingênua sob...