Capítulo X - Elliot

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Eu não sou de falar sobre o que sinto para outras pessoas. Na realidade, eu não sou de falar muito, de modo geral, mas parece que depois que ele chegou em Severalls falar não parecia tão insuportável como costumava ser. Para ser sincero, é quase um alívio falar ao invés de sentir o peso de meus pensamentos apenas em minha cabeça.

Minha família é descendente de russos e dizem que eles são tão frios quanto seus longos invernos, eu nunca estive na Rússia e nunca vi seus longos invernos, mas não gosto de pensar assim, tenho em mente que não sou a pessoa mais fácil de lidar, mas isso é porque os curativos sobre minha pele ainda protegem as feridas abertas em meu peito. Gosto de pensar que algum dia essas feridas estarão curadas o suficiente para que não olhem para mim e digam: que pessoa fria.

"Oi, lindo, você vem sempre aqui?" – Noah usa a pior cantada que encontra em sua mente ligeiramente destruída pelas drogas enquanto se aproxima e me abraça por trás, ele afunda a mão em meus cabelos da nuca e inclina meu pescoço para o lado beijando a área exposta, sua barba me fazendo cocegas como sempre fez, mas dessa vez a sensação era diferente. Eu não o queria me tocando.

Ele era bem mais alto que eu e ele adorava essa diferença de altura para usá-la ao seu favor e tentar me dominar como bem queria, Jacob tem quase seu tamanho, talvez seja ligeiramente mais baixo, mas ele sempre tenta estar sentado em algum lugar para ficar do meu tamanho quando eu estou falando com ele, para que eu não tenha que ficar olhando para cima o tempo todo.

"E aí, Noah?" – devolvo o cumprimento em um resmungo pouco interessado, me afasto o suficiente para virar de frente para ele, mas suas mãos continuam entorno da minha cintura, prendendo-me no lugar, evitando uma fuga.

"Tenho te procurado há um tempão, está se escondendo de mim?"

"Só estava por aí resolvendo umas coisas." – dou de ombros desviando o olhar para qualquer lugar.

"Resolvendo umas coisas...?" – ele sonda desconfiado.

"É, você sabe, coisa minha." – me limito a dizer, porque não preciso explicar nada para ele.

"Espero que não esteja planejando tentar se matar de novo. Depois de todas as vezes que eu livrei sua pele." – eu reviro os olhos por sua suposição estupida.

"Vá se foder, eu não estou." – rosno.

"Apenas checando, nunca se sabe..." – ele sorri preguiçoso e começa a aproximar seu corpo do meu novamente.

"Aquela vez eu estava deprimido e as coisas saíram do controle."

"Sabe que eu tenho o remédio certo para quando você está deprimido. A pílula da felicidade." – ele sussurra aproximando o rosto do meu para me beijar como costuma fazer, sei que ele está falando da oxicodona, mas agora sua menção soa como um insulto.

"Eu estou bem, obrigado." – respondo, sendo rápido o suficiente para me livrar de sua boca quando viro o rosto e ele alcança meu pescoço novamente.

Escuto-o rir desdenhoso em meu ouvido, ele afasta o rosto de mim e segura firmemente minha bochecha com o dedo indicador e o polegar. – "Está me evitando, não é, meu príncipe? Eu sinto isso. Quero saber o 'por quê', ou 'por quem'?"

"Você sabe que eu odeio que me chame assim." – eu rosno para ele.

"É exatamente por isso que eu estou te chamando assim, príncipe." – ele me desafia silenciosamente em um sussurro, o olhar aguçado de um lobo.

"Não sei do que está falando, se sente que eu estou te evitando só mostra que está mais carente do que nunca, sugiro que arrume logo uma esposa." – digo e tiro suas mãos do meu rosto, forçando meu corpo a sair daquela gaiola que se tornou o corpo de Noah ao meu redor. – "Espere, acabei de lembrar que você não gosta de mulher." – eu zombo, porque sei como a família dele é. Filho de uma dona de casa e um borracheiro que ainda gasta sua pouca energia para trabalhar e não passar fome, seria uma vergonha para os Miller se seu forte primogênito gostasse de homens.

Vou expulsar essa doença de você e te colocar nos trilhos. - seu pai diria, enquanto pega algo que possa açoitá-lo. Que Deus perdoe sua alma... – sua mãe diria chorando, enquanto abraça a bíblia contra o peito. Eu imagino que essa deve ser a reação dos pais. Talvez meus pais reagiriam assim também, ou não. Eu nunca vou saber.

Depois da pressão da família ele vem ao meu encontro para que eu o faça esquecer de seus problemas e ele faz a mesma coisa por mim, trazendo as coisas que me fazem voar para longe e me perder em um mar de sonho que eu daria minha vida para que fossem reais.

Ele segura meu braço com força e me traz de volta, forçando-me a voltar para a realidade, sua mão chega a machucar minha pele.

"Não zombe de mim, moleque." – ele rosna, as sobrancelhas unidas em sua testa em sinal de raiva, ele estava perdendo o controle e isso tornava o território perigoso. Ele vasculha os bolsos de sua calça sem soltar meu braço com a outra mão e finalmente encontra o que está procurando, a guimba de um cigarro é direcionada pra bem perto do meu rosto. – "Sabe o que é isso, né?"

"É obvio, onde quer chegar?" – pergunto irritado com seu aperto e insistência.

"Eu estava procurando você em uma das vezes que você simplesmente desapareceu de Severalls, subi no telhado porque eu sei que só você iria para lá e encontrei isso." – ele gira o pequeno cilindro e sorri para mim. – "Seria uma bituca de cigarro comum, como todas as outras que eu já encontrei jogadas por aí por você, mas olha atentamente para essa." – ele pede e eu me atento a guimba em sua mão e merda.

"Lucky Strike."

"Lucky Strike." – ele repete. – "Como tem uma bituca de Lucky Strike no telhado sendo que eu só compro Marlboro para você, meu príncipe? Alguém começou a te dar presentinhos? Tem mais alguém provando meu prato preferido nessa merda de hospital?"

Jacob costuma comprar Lucky Strike para mim porque ele gosta do cheiro e diz que quase não dá a sensação de morrer asfixiado quando eu fumo em sua sala com as janelas fechadas, eu achei isso adorável, por isso não disse para ele comprar Marlboro, não me atentei que isso poderia se tornar um risco para ele.

Não estava acontecendo nada romântico entre a gente e eu estranhamente me senti ameaçado sendo que eu não tinha nada a esconder, não estava tendo um caso escondido com Jacob e eu sequer devia explicações para o Noah, mas a sensação que eu precisava manter isso em segredo falou mais alto que qualquer necessidade que eu tinha de mandar o Noah se foder e colocar ele no lugar que ele merece, como eu sempre costumo fazer.

"Como é que eu vou saber? Podem ter outras pessoas que fumam em Severalls, esse vício de merda não é exclusivamente meu." – rosno puxando meu braço de seu aperto.

"Eu estou de olho em você, Elliot, eu acabo com a raça desse cara. Um passo em falso e diga adeus aos seus amados presentinhos, quero ver você sobreviver a sua porra de vida estando sóbrio." – ele ri bagunçando meus cabelos como se eu fosse uma criança por ele ser alguns palmos mais alto que eu e me dando espaço para me afastar.

"Você está louco." – digo saindo de seus braços.

"Estou de olho em você." – ele repete, apenas para ter certeza que eu escutei. E eu escutei muito bem, por sinal.

Eu caminho em passos ágeis até dobrar o corredor, o ar preso em meus pulmões sai como um sopro profundo rasgando minha garganta dolorosamente. Nunca liguei para as ameaças do Noah, porque nunca me importei com o que ele poderia fazer comigo, mas isso não era sobre mim, era sobre Jacob e, para minha surpresa, eu estava verdadeiramente aterrorizado da possibilidade de alguém fazer algum mal a ele.



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