Um Kakashi Traidor

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     O espanto de Kakashi indicava a descrença. As histórias inacreditáveis dos combates que o pai narrava sobre o avô eram realmente fantásticas para uma criança como ele, um futuro ninja renomado. O gosto amargo veio aos seus lábios quando navegou entre as janelas traumáticas e quase esquecidas na mente de Orochimaru, em imagens do sangue dos próprios pais respingando no rosto da criança.  
 — Não… 
 — Sim, Kakashi. Você é só mais um amaldiçoado nessa família e eu não vou permitir que outros sintam a mesma dor que eu senti por medíocres como você!
      " Admirava a esposa dormir, sem ter sono. A chuva que caía lá fora era tão pacífica quanto ela e por mais bela que a noite fosse, não era capaz de lhe fazer pregar os olhos. Pensou isso por alguns minutos, até ser capturado pelo cansaço. As lembranças contínuas do passado refletiam nos seus sonhos, causando então pesadelos catastróficos. 
           Acordou aos prantos com as trovoadas. Culpava-se pela morte dos pais mais uma vez, fazendo os próprios olhos verem o manchado de sangue quente. Correu para o banheiro e ligou a torneira, como fez nas últimas madrugadas daquela semana, esfregando as mãos uma na outra com força, na tentativa falha de tirar o vermelho entranhado na pele. 
 — Amor! Amor, para! — implorava a esposa, aflita. 
        Sentiu o corpo ser abraço e os dedos da amada juntos aos seus, passando a confiança da realidade. Depois da luz ser acessa encarou o próprio rosto no espelho, deixando as lágrimas rolarem.  
 — Você precisa parar de pensar nisso… — disse em um fio de voz, ao pé do ouvido dele.
 — Eu não consigo. Matei eles, Sakura, todos eles.
 — Meu amor, não fala assim. Olhe para mim — pediu, ele se virou e o fez — a culpa não foi sua, ouviu? A culpa não foi sua— selou seus lábios, mas não a dor implacável do marido. 
 — Não sei porquê ainda estou vivo… eu não mereço você, nossos filhos, essa vida. Sou um assassino que matava sem remorso, como pode me amar? — transparecendo pensamentos, perguntava à esposa e via os olhos verdes marejados. 
 — O passado não te define, querido. Você pode ser diferente no presente e se orgulhar disso no futuro. Eu amo o Kakashi do hoje e quero morrer amando o do amanhã, consegue me entender? 
 — Eu continuo sendo o mesmo, flor. Saio todos os dias por aquele portão e mato quem for necessário para entregar um único papel. 
 — Não… não. Não nasceu para isso, tem o maior coração que eu já vi. 
 — Sakura, eu sou só mais uma escória. 
 — Não, você é diferente. É mais do que um ninja, mais do que um Hatake. Você é diferente, Kakashi— intensificou o verbo na última frase. " 
 — Não. Eu sou diferente. 
         As lembranças nem sempre eram ruins. A mulher que dominava seu coração estava ali de novo, puxando ele de volta à realidade. Era um homem diferente do qual Orochimaru descrevia, não seria ele tachado pelo sangue que corria em suas veias. Não era culpado pela atitude do avô, muito menos pelo amor que seus pais sentiam; fato. Ora, como carregar o fardo da vida de um homem destruído pelas atitudes de seus antepassados? 
 — Diferente? — rindo alto, Orochimaru debochou — Você é o mais imundo entre todos os seus, Kakashi. Finge ser bom, mas lá no fundo odeia todos. 
 — Mentira! — contrariou, certo do que dizia. — Existem pessoas lá fora que eu amo e você não é ninguém para julgar o que sinto ou deixo de sentir. 
 — Acho que não está entendendo… — Se divertindo com a conversa, continuou — eu sou você agora, Kakashi. 
       Eu sou você agora, Kakashi.
       Sou você agora…
       Sou você agora…" 
 — Amor, você está bem? — a pergunta da esposa veio à tona, chamando ambos para a vida real novamente. 
       Não houve resposta. Indagou ela com motivo, pois sentia o calor que vinha sendo transmitido do marido para o seu corpo. Imaginou logo de início ser normal, afinal, tudo estava a favor da temperatura alta de acordo com as manipulações de Sakura. Portanto, o homem deveria estar instável, mas era o contrário. De um momento para o outro, ele passou de hipotérmico para hipertermia. Queimava feito brasa e a falta de presença de Kakashi na situação indicava que o problema não era a temperatura ambiente. 
           Os olhos negros se reviravam, os músculos ficavam cada vez mais tensos e da boca saia palavras distintas. Ao se deparar com aquilo, tanto Orochimaru quanto o Hatake também se preocuparam. Era mais uma das crises corporais, pegou todos de surpresa. 
 — Kakashi, por kami! — sem saber o que fazer, exclamou depois de chamar pelo esposo. 
        Kakashi internamente se lamentava. Sabia da preocupação que ela sentia, era grande, muito grande. E ele estava muito longe de ser capaz de aplacar a angústia da amada. 
 " — Você é o homem mais miserável que já pisou nessa terra, Orochimaru. — em empatia para com a rosada, deixava a ira vir à tona. 
 — Para. Será que não percebe nosso descontrole? Se discordamos, o corpo não consegue seguir dois comandos sendo programado para só um. 
 — Talvez seja porque aqui não é o seu lugar… Já parou para pensar nisso? — retrucou Kakashi, em ironia. " 
 — Amor, não dê ouvidos à ele. Fala comigo… — Sakura pediu agoniada enquanto a lágrima solitária desceu pelo rosto. 
      Não era capaz de suportar ver o marido daquela forma. O que podia fazer? Se sentia inútil. Pela primeira vez na vida obteve tal sentimento perto de Kakashi, pois desta vez nada dependia dela. Abraçou o amado pelo pescoço e fechou os olhos, esperando que passasse. Não tinha muito o que a rosada fazer, afinal, nem ao menos quem estava no controle poderia saber — muito menos imaginar que seria Orochimaru —. A criatura voltou camuflada na pessoa do Hatake, respirando fundo e tomando o ar. 
          Sakura se aliviou, mas sabia que aquela não seria a última vez. Desejou que fosse, longe de pensar na realidade. 
 — Sakura… — em um fio de voz, sussurrou no pé do ouvido da mulher. 
 — Calma, já passou, amor. Já passou. — disse, procurando acalmar a própria alma. 
      Sentiu o corpo do mais velho deslizando pela banheira até deitar-se e, agoniado, tossir seco. O que surpreendeu tanto Sakura quanto os homens foi o sangue que veio na tosse, manchando o rosto do Hatake. Assustada, segurou o choro. Contraiu as mãos em cima do peitoral do marido, retraindo a dor que sentia de alguma forma. A verdade era que Kakashi estava morrendo e ela só era capaz de aproveitar cada segundo restante ao lado do amado. Não imaginou uma vida sem ele, não era capaz. 
       Deixou as lágrimas caírem sem controle algum e, em prantos, já não adiantava mais ocultar seu sofrimento. Do lado interno, Kakashi chorava pelas emoções da esposa; assim como pelos pensamentos. 
 " — Ah, por favor, Kakashi. Seja homem! — exclamou Orochimaru, sem ter simpatia pela mulher. 
 — Sabe, Orochimaru, eu prefiro ser um mero mortal e viver todos os dias que me restam ao lado da única mulher que me ama do que matá -la e ser imortal. 
 — Você não sabe o que está dizendo, garoto. Tolo, acha mesmo que uma paixão vale mais do que a imortalidade?
 — Não. Eu tenho certeza que não existe no mundo preço que pague o amor verdadeiro. Você não vende, você não compra, você conquista. " 
          Apesar do marido ter se sensibilizado, o corpo forçou que o seu se afastasse e levantou-se, em silêncio. Livrou os lábios da cor vermelho-sangue e, mesmo temendo o mal estar, andou para fora do quarto.  
 — Kakashi… Kakashi… — ainda na banheira, abraçando os joelhos, ela chamava o amado. 
         Ele já não era o mesmo, estava frio, distante. Doía mais na mulher saber da mudança de personalidade do que do estado de saúde dele. Sofria, chorava por ele como nunca antes, se perguntando se o prateado sequer tinha ciência do que se passava consigo. 
       Secou suas lágrimas depois de se acalmar e também deixou o lugar, vestindo-se enquanto o via debruçado na cama, aparentemente amuado. Se aproximou sem fazer barulho e no instante que tocou-lhe a testa para saber se estava tudo bem, teve o aperto forte no pulso. O susto veio dos dois, não esperavam pelo gesto. 
 — Precisa descansar, vou preparar alguma coisa para você comer. — disse-lhe, beijando a testa e tendo a rejeição. 
 — Me deixe, Sakura… 
      Suspirando ela se retirou. Dentro das paredes escuras os homens lutavam contra a discordância. Sabiam que não podiam, mas era impossível uma vez que se pensa o tempo todo e as ideias são opostas. Enquanto isso, do outro lado, Sakura se perguntava o motivo dele reagir assim. Kakashi nunca foi tão bruto, sempre era atencioso e nunca deixou de ser grato pelos cuidados da esposa. Ainda estava surpresa pela frieza ao chorar na frente dele, parecia ser muita desconsideração. 
          Desejou fazer o bolo predileto do marido, talvez o ajudasse a melhorar o humor, sim? Fez a massa, colocou no forno e quase se queimou ao ouvir os gritos do Hatake. As pernas amoleceram e o frio na barriga veio, até criar coragem para chegar no quarto e vê-lo no chão, gemendo de dor e tapando os olhos. 
        Kakashi sabia que havia fracassado mais uma vez. Imaginou ter perdido a visão e começou a preservar as boas lembranças do rosto da esposa, na desesperança de poder voltar a enxergar. Os olhos sangravam e ardia feito brasa, nem Orochimaru suportou. O desespero era tamanho que procurava ar, sufocado pela dor. Sentia das mãos trêmulas pingar o sangue no chão da casa e, perdido, só era capaz de se concentrar no sofrimento. 
 " — Sakura — praguejava internamente, procurando a voz da amada. Queria o seu porto seguro e teve assim que o corpo feminino cercou o seu. 
 — Precisamos entrar em um acordo, Kakashi. — comentou Orochimaru — Eu nunca soube o que é a morte, mas esse foi o mais perto que cheguei de morrer.  — falou, procurando suportar os colapsos do corpo. 
 — Precisamos mesmo, e o mais justo é devolver o meu corpo, calar e consentir.
 — Nem direito de estar aqui você tem! Era para estar morto, está vivo por erro de existência. 
 — Mas eu não estou e esse corpo ainda é meu, sua cobra maldita!" 
       A discussão cessou e os gritos retornaram.  O homem se encolhia cada vez mais no colo da rosada e deparando-se com a angústia de quem amava, Sakura estendeu a mão até a blusa dele. Juntou o tecido em mãos e deixou entre os lábios do marido, enquanto se concentrava em aliviar nem que fosse alguma parte da dor. 
        Deveria ser forte por ele, só era capaz de imaginar o quão difícil era. Aos poucos deixou de se debater, os músculos deixaram de ser tensos e ela deixou o ar preso nos pulmões sair. Pousou o queixo nos fios pratas e alisou a pele já suada, passando a segurança que Kakashi sempre precisou. 
         Não se passava pela cabeça dela ser Orochimaru quem consolava; mas o dono do seu coração ainda estava ali, em algum lugar. 

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QUEM É VIVO SEMPRE APARECE KK
Gente, o Kakashi avisou pra ela não confiar nele... e agora? 🗣
Comentem, eu amo um desespero 🙈

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⏰ Última atualização: Mar 14, 2022 ⏰

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