capítulo 12. uma unidade

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09h54 Hora da Costa Leste - 14h54 Hora de Greenwich 

O sol finalmente apareceu, apesar de as ruas ainda estarem úmidas e reluzentes. Maya dá uma olhada em volta para tentar se encontrar. Observa a farmácia toda branca, a lojinha de antiguidades, as filas de prédios de cores pálidas ao longo da rua. Um grupo de homens com camisas de rúgbi e olhos vermelhos saem de um pub, e algumas mulheres com bolsas de compras passam por ela na rua.

Olha as horas no relógio; são quase 15 horas e, agora que chegou, não sabe o que fazer. Não tem nenhum policial por perto, nenhum ponto de informações a turistas, nenhuma livraria ou cyber café. É como se tivesse sido jogada no meio de Londres sem bússola ou mapa, como num desafio estranho de um reality show.

Escolhe uma direção aleatória e sai andando. Seria melhor ter trocado de sapato antes de fugir do casamento. Tem uma loja que vende peixe e batatas na esquina, e seu estômago ronca quando sente o cheiro saindo pela porta; a última coisa que comeu foi um pretzel no avião e a última vez que dormiu foi logo antes disso. Não há nada mais que queira tanto quanto deitar e dormir, mas continua andando, impulsionada por um misto de medo e desejo.

Depois de dez minutos e duas bolhas, nada de igreja. Entra numa livraria para perguntar se alguém sabe onde fica a estátua da Virgem Maria, mas o homem olha para ela de um jeito tão estranho que vai embora sem esperar por uma resposta.

Há açougues com pedaços enormes de carne pendurados nas vitrines ao longo da rua, lojas com manequins com saltos altos maiores que os dela, pubs e restaurantes, até uma biblioteca, que mais se parece com uma igreja. No entanto, parece que não tem nenhuma igreja naquele lugar, nenhuma torre com sino, até que — no meio do nada — lá está.

No meio de uma ruela, um prédio de pedras do outro lado. Ela hesita, pisca como se estivesse vendo uma miragem, depois anda rápido, animada. Só que os sinos começam a tocar num tom muito alegre para a ocasião e um grupo de pessoas sai de lá de dentro. É um casamento.

Maya nem percebeu que estava prendendo a respiração, mas quando se dá conta, solta o ar com força. Espera os táxis pararem de passar rápido e atravessa a rua para confirmar o que já sabia: não era um funeral mesmo, não tinha estátua nenhuma, nem Thomas.

Mesmo assim, não consegue ir embora; fica em pé vendo o momento após o casamento, bem parecido com o que ela tinha acabado de testemunhar, as flores e as madrinhas, as fotografias, os amigos e a família sorrindo muito. Os sinos terminam de tocar sua música alegre, o sol baixa um pouco, e ela continua lá. Depois de muito tempo, pega o telefone e faz o que sempre faz quando está perdida: liga para a mãe.

O aparelho está quase sem bateria e seus dedos tremem quando digita os números, ansiosa para ouvir a voz da mãe. É incrível que a última vez que se falaram tenha sido numa briga e que tudo isso aconteceu há menos de 24 horas. Aquela área do aeroporto onde discutiram parece ser parte de outra vida.

Sempre foram próximas, mãe e filha, mas alguma coisa mudou depois que o pai foi embora. Maya estava com raiva, furiosa como nunca esteve na vida. Porém a mãe... a mãe estava arrasada. Movia-se pela casa como se estivesse embaixo d'água, olhos vermelhos e passos pesados, e só voltava à vida quando o telefone tocava; seu corpo todo tremia como um diapasão, na esperança de que fosse o marido ligando para dizer que tinha mudado de ideia.

Mas isso jamais aconteceu.

Naquelas semanas depois do Natal, seus papéis mudaram; era Maya quem levava o jantar para a mãe todas as noites, quem ficava acordada, preocupada com o choro dela, quem sempre colocava uma caixa nova de lenços de papel no criado mudo.

Isso era o mais injusto de tudo: o que o pai fez não afetou apenas ele e a mãe, ou ele e a filha. Acabou afetando mãe e filha também, pois sua interação harmônica ficou frágil e complicada, como se pudesse ser rompida a qualquer momento. A impressão de Maya é que as coisas nunca mais voltariam ao normal, que sempre ficariam entre a raiva e a dor, que o buraco na casa sugaria as duas.

Amor à primeira vista [Thomas Sangster]Onde histórias criam vida. Descubra agora