6. Descobertas

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Os primeiros raios de luz que invadiam a sua janela, através das fendas da cortina, a despertaram de seu breve sono. Carina havia conseguido dormir por poucas horas naquela noite, a conversa com a escritora lhe entusiasmou tanto que as duas adentraram a madrugada imersas em uma realidade paralela, sequer percebendo que o tempo passava. A fotógrafa sentia uma real conexão com a escritora, era algo novo para ela fazer amizades na idade adulta, período em que as pessoas estão sempre tão exaustas de suas rotinas que pouco param para observar o outro, para entendê-lo de forma integral e genuína.

Mais próxima dos quarenta do que dos trinta, Carina conhecia as dificuldades de criar laços verdadeiros com pessoas de sua faixa etária, ainda mais em um ambiente onde os julgamentos predominavam. Por isso, há anos havia desistido de tentar estabelecer novos vínculos, se sentindo satisfeita com a sua amizade mais fiel e duradoura, Arizona Robbins.

DeLuca viveu até os doze anos em sua cidade natal, Catânia, uma comuna italiana da costa este da Sicília. Uma antiga cidade portuária no sopé do Monte Etna com um vulcão ativo com trilhos que conduziam ao cume, suas paisagens rendiam belos cartões postais. Carina sentia-se feliz vivendo lá, era cheia de amigos na escola e nas vizinhanças de seu bairro; até que a sua realidade foi duramente mudada da noite para o dia. A situação financeira da família não estava das melhores e seu pai já não tinha alternativas a não ser aceitar uma proposta de emprego em um setor portuário na Baía de São Pedro, a aproximadamente 20 milhas ao sul do centro da cidade de Los Angeles. O setor estava em ascensão nos Estados Unidos e a proposta era irrecusável, renderia bons frutos a eles.

Muitos de seus familiares já haviam imigrado para os Estados Unidos em busca de melhores condições de vida, mas o pai de Carina parecia irredutível quanto às propostas, era um homem conservador e honrava suas tradições, orgulhava-se de seu território e sempre deixou claro seu desdém pelo outro país, era um legítimo patriota. Abandonar suas origens lhe era doído e atingia-lhe o ego, mas em última instância precisou o fazê-lo, pelo bem da família.

Carina, sendo apenas uma criança, jamais fora consultada sobre seus desejos, apenas a informaram em uma segunda-feira de manhã que iriam para outro país. Suas malas já estavam postas e sequer teve o direito de se despedir de seus amigos. Nunca mais teve notícias dos mesmos. Com barreiras de idiomas, a menina se sentia acuada ao fazer novas amizades, que muitas vezes zombavam de seu sotaque e de suas origens católicas. A mãe temia que a filha se desviasse dos caminhos de Deus em uma cidade tão libertina a seus olhos quanto aquela, por isso mantinha a pequena em rédeas curtas, ela ia da casa para a escola e da escola para a casa, e os ensinamentos bíblicos vinham da mãe, uma espanhola tão devota quanto rígida.

Os primeiros meses na escola lhe aterrorizaram, a menina chorava durante a noite sabendo que ao amanhecer teria que encarar novamente uma realidade que não era a sua. Seu coração só voltou a ter paz quando uma garotinha loira chegou à escola e, entre tantas meninas, escolheu Carina como sua melhor amiga. Ainda hoje ela lembrava as novas cores que surgiam em sua vida com a chegada de Arizona, aos poucos aquele anjinho loiro acolheu seus medos e a ajudou a se enturmar com as pessoas certas na escola e juntas as duas construíram ótimas histórias, tendo uma à outra como porto seguro.

Arizona e suas poucas amigas eram as suas únicas referências do mundo externo durante os anos que restaram do ensino fundamental. A mãe sequer havia conversado com a menina sobre o seu primeiro período, quando o sangue manchou-lhe a saia do uniforme pela primeira vez aos treze anos, foi Arizona que a explicou o que estava acontecendo. Naquele dia ao chegar em casa e contar para sua mãe sobre o ocorrido fora repreendida para que falasse em tom baixo. Ela não podia falar aquilo perto de homens ou perto de qualquer pessoa, pois aquele sangue era retratado como impuro e não deveria ser mencionado em voz alta. Durante muito tempo o catolicismo influenciou fortemente a forma que a população olhava para a menstruação, sua mãe parecia ter estagnado na Era das Trevas.

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