Até mesmo o lugar mais incrível do mundo não é tão incrível assim se os seus pensamentos e, principalmente, o seu coração estiverem em outra parte dele, vagando por aí e pousando sempre no mesmo espaço. Ou, mais precisamente, na mesma pessoa.
Foi a lição que Carina aprendeu enquanto seus dedos brincavam com os finos grãos de areia ao lado de seu corpo.
O azul da água, lembrava ela.
A brisa fresca do mar, lembrava ela.
As nuvens formando desenhos no céu, lembravam ela.
Inclusive o toque suave daqueles minúsculos grãos de areia... lembravam ela.
Mas a verdade é que, ainda que estivesse em uma sala vazia, revestida por paredes brancas e um silêncio ensurdecedor, adivinhe? Lembraria dela.
A apenas alguns passos de si, Owen e Andrea se divertiam jogando bola na beira do mar e rindo quando algumas gotas salgadas atingiam suas faces.
Estavam em Oahu, uma ilha do arquipélago do Havaí, destino escolhido pelo filho do casal. Embora a ilha fosse de comum acordo, Andrea insistia para que fossem à Sunset Beach e explorassem suas grandiosas ondas da costa norte, já Carina se mantinha reticente quanto a essa escolha. Sabia que as habilidades do filho no surf não eram as melhores do mundo mas, como não podia falar isso a ele, preferiu alegar que temia os mares turbulentos de Sunset Beach e que aproveitaria melhor a viagem se fossem a uma praia mais calma e, sendo assim, escolheram um hotel em Waikiki, uma bela e exuberante praia com águas tranquilas e rasas.
Apesar das lembranças, Carina conseguia sentir pequenos vislumbres de paz nos breves momentos em que seu cérebro não tentava lhe sabotar ao enviá-la, a todo custo, o aviso de que não poderia mais prolongar essa situação por muito tempo. Quando focava sua atenção na natureza, na beleza das árvores, no choque das ondas, no canto dos pássaros, o presente existia. E isso era tudo o que importava.
— Hey, mamãe urso! — Tori a puxou de volta para a realidade. A brevidade lhe atingia novamente. — Uma para você e outra para mim.
A jovem menina sorriu ao entregar à sogra uma água de coco, esta que assentiu e agradeceu, com um largo sorriso nos lábios. Tori sentou ao seu lado.
— É legal ver eles se divertindo assim, não é? — a mais nova indagou, em uma pergunta retórica.
— É sim, fazia tempo que eu não os via interagindo dessa forma... — Carina respondeu após bebericar um gole da água.
— Eles ficaram bastante próximos desde o acampamento, sabe, eu fico feliz por eles, é bom saber que agora o Andrea tem uma companhia além da minha. — Tori falou empolgada.
— Ohh... — a italiana engoliu em seco. — É, é sim... — coçou a nuca sentindo o peso das palavras que saíram tão leves da boca da mais nova. — Veja, Tori, eu sei que eu não tenho sido a melhor companhia. Está tudo um caos, eu não estou sendo a mãe que eu deveria ser e...
— Nã, nã, nã, nã, não! — a jovem a interrompeu enquanto balançava o indicador em negação frente aos olhos de Carina. — Não vou deixar você se culpar por isso, Andrea já é bem grandinho. Minha intenção não era lhe acusar de não ser uma boa mãe, por Deus, você é a melhor mãe do mundo, Carina!
— Como eu queria que isso fosse verdade. — sorriu fraco. — É só que, tem tantas coisas acontecendo ao mesmo tempo... E eu não consigo me livrar da culpa de não estar tão presente na vida do Andrea como eu gostaria. Parece que há uma barreira invisível se formando entre nós a cada dia que passa.
— Mamma, o que está acontecendo? — Tori a olhou, tentando ler nas entrelinhas. — Há algo que você queira me contar? — seu tom de voz revelava preocupação e afeto quase que na mesma proporção.
Carina apenas sacudiu a cabeça em negação. Como poderia falar para a sua nora-quase-filha-e-também-adolescente que estava apaixonada por uma mulher? Que estava prestes a largar o marido e, consequentemente, a família, para poder ficar com essa mulher?
Apesar da impossibilidade em conseguir se expressar verbalmente naquela circunstância, sua linguagem corporal gritava inquietação. Ainda que ela tentasse disfarçar ao bebericar novamente a água através do canudinho ou, ainda que ela olhasse para os dois únicos homens da sua vida, fingindo costume, Tori a conhecia.
— Tem algo a ver com a sua amiga escritora? — direta e reta, afiada como uma faca.
— Tori!! Não!! Claro que não. — Carina arregalou os olhos e sentiu suas bochechas corarem enquanto uma sudorese repentina lhe atingia.
A menina semicerrou os olhos em sua direção e, antes que pudesse fazer mais perguntas, a italiana foi salva pelo gongo. Andrea e Owen estavam saindo do mar e indo em direção a elas.
— Mãe, a água está deliciosa, você tem que vir com a gente! — o garoto esboçou animado enquanto algumas gotas d'água escorriam por seus cabelos.
— A areia está deliciosa também e essa água de coco, então... — riu tentando desconversar. — Querem?
— Eu aceito. — Owen se prontificou, sentando ao lado de Carina e pegando o coco de sua mão. Após provar o líquido ele sorriu sugestivo e aproveitou a deixa enquanto Andrea e Tori conversavam entre si. — Deliciosa mesmo, mas aposto que não mais que você com esse biquíni por baixo do vestido. — sussurrou próximo ao ouvido de Carina.
Instantaneamente ela sentiu seu estômago embrulhar ao perceber que estavam recém no primeiro dia de uma longa semana que teriam pela frente, por mais que tivesse dito a Maya que não era uma viagem romântica, essa era claramente a intenção do marido.
Carina não estava surpresa, para ser sincera. Sempre que as coisas estavam saindo dos eixos eles as consertavam com uma viagem e, as viagens anuais, costumavam ser seu ponto de reencontro em um casamento supostamente estável.
Mas ali, tendo o homem sentado ao seu lado, falando daquela forma sugestiva, a realidade lhe atingiu como um tapa na cara e, o medo de não conseguir cumprir a promessa que havia feito à escritora, lhe trouxe náuseas.
Não conseguiu responder, apenas deu um sorriso amarelo, tentando se desvencilhar imperceptivelmente da investida.
— Vamos dar um mergulho? — Carina sugeriu, talvez se entrasse em movimento os seus pensamentos acalmassem um pouco.
Owen sorriu com o convite e, antes que pudesse responder, levantou-se de um salto e pegou Carina no colo. Ela soltou um grito de surpresa, sem esperar pela atitude repentina, enquanto o casal de adolescentes caía na risada diante da cena inusitada.
— OWEN!!! Não!!! — a italiana arregalou os olhos prevendo o que viria a seguir, mas o marido não se importou com a relutância e, ao invés disso, correu em direção à água, segurando firmemente Carina em seus braços. Seus corações batiam acelerados, enquanto a adrenalina tomava conta deles.
Com um sorriso travesso nos lábios, Owen saltou no ar, impulsionando-se para a imensidão azul do oceano. O tempo pareceu se esticar por um breve momento, como se estivessem flutuando, e então o impacto da água envolveu seus corpos. A sensação de frescor e liberdade lhes envolveu instantaneamente, enquanto as ondas os acolhia em um abraço refrescante. Tori e Andrea os seguiram e logo estavam todos rindo e jogando água uns nos outros. Carina soltou uma gargalhada, sentindo-se viva e rejuvenescida naquele momento de sintonia com a sua família.
Afinal de contas, ainda eram uma família.
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TAKE ME TO CHURCH
RomanceDe um lado, Maya Bishop, uma escritora assumidamente lésbica. De outro, a mãe de um jovem rapaz e esposa de um fiel pastor, Carina DeLuca, cujas crenças são questionadas quando o destino de ambas se cruzam e desse encontro nasce um profundo sentimen...