"Existem linhas tênues entre querer, poder e fazer. Com elas, alguns tecem desculpas; outros, realizações."
(Paulo Ricardo Zargolin)
Para Carina, tais linhas se tornavam cada vez mais frágeis, uma vez que ela sequer reconhecia a totalidade do seu querer. Mas em algum momento ela se reconheceu? Em algum momento ela deu voz aos seus desejos ou às suas necessidades como mulher? Para Carina, a vida sempre fora seguir os desejos dos outros, em primeiro instante os desejos dos pais e da Igreja e, então, vieram os desejos de Owen.
Como ela poderia fazer algo quando ao menos reconhecia o próprio querer? A vida toda esteve presa em uma gaiola, como um pássaro que tem suas asas cortadas e sua liberdade podada. Contudo, nenhum pássaro deveria vir ao mundo destinado a viver enclausurado, assim como nenhum ser humano deveria vir ao mundo destinado a ser escravo de suas crenças. O ponto chave da questão é: um pássaro, uma vez que descobre o poder das próprias asas, nunca mais volta a ser o mesmo.
E, talvez, fosse isso que Carina temia, descobrir o poder de suas asas. Descobrir o poder que o corpo de outra mulher seria capaz de exercer sobre o seu. Era mais fácil ignorar seus instintos do que reconhecer os seus desejos como um querer, querer esse que nunca, sob hipótese alguma, poderia vir a fazer.
Algo havia mudado também para Maya desde o aniversário de Arizona, a loira havia pensado tanto em Carina nos últimos dias, nas últimas horas; no quanto ela queria tê-la e em como sequer sentia culpa por querê-la tanto. Não seria errado roubar aquela mulher para si, quando ela nunca fora verdadeiramente de Owen. Seria?
Enquanto Carina não reconhecia o seu querer, Maya o reconhecia em toda sua extensão. O seu desejo possuía nome e sobrenome: Carina DeLuca. A morena que havia ocupado sua mente desde a primeira vez em que seus olhos se cruzaram. Não conseguia esquecer o seu cheiro, o seu abraço, o enlace de suas mãos, aqueles lábios entreabertos e a respiração que escapara entre eles. Tudo na fotógrafa parecia ter sido feito na medida certa para enlouquecê-la.
Em tempos passados, se uma mulher como Addison Montgomery a abordasse em uma festa, Maya não pensaria duas vezes antes de ceder aos seus encantos. Afinal, estava solteira, não custaria nada deitar-se com uma mulher por algumas horas em busca de prazer. Prazer esse que, agora, parecia tão vazio perto do desejo que ela sentia por Carina.
— Podemos ir para a minha casa, se você quiser. Será divertido. — Addison falou ao se despedir da escritora. Seu tom de voz recheado de malícia denunciava seus interesses obscuros. Maya riu da ousadia da ruiva sem, entretanto, cogitar de fato a ideia. Quando a loira olhou para o lado, a alguns passos dali, percebeu Carina se afastar do local, existia algo incômodo naquele cenário todo e não demorou até que Bishop dispensasse Montgomery e fosse atrás de DeLuca.
Reconhecia que seria fácil ir para a cama de Addison, mas não seria justo transar com uma mulher tendo outra em seus pensamentos, não seria justo com Addison e nem com ela mesma. Deslizaria sua língua sobre a ruiva desejando outro gosto, tocaria seu corpo desejando outra textura, ouviria seus gemidos ansiando pelos de Carina. E, no outro dia, acordaria se sentindo vazia por ter descontado a sua frustração em uma desconhecida.
Por um momento, naquela piscina, Maya se sentiu esperançosa quanto a uma possível reciprocidade de sentimentos, por alguns minutos ela sentiu o mundo parar para que observasse cada detalhe daquele rosto milimetricamente desenhado, por alguns segundos ela sentiu que poderia beijar Carina ali mesmo, enquanto sentia o pulsar dos dedos da fotógrafa contra os seus. E, então, o medo a estagnou. Qualquer avanço em relação a Carina poderia colocar tudo a perder, temia que, ao interpretar os sinais de forma errônea, colocasse também a amizade das duas por água abaixo. Se lhe entregasse seus sentimentos de bandeja, Carina poderia fazer o que bem quisesse com eles. Parecia estar em um beco sem saída. Por que tinha sido tão tola a ponto de se apaixonar logo por aquela mulher? Ela tinha encontrado alguém especial e iria arruinar tudo de novo, mais uma vez.
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TAKE ME TO CHURCH
RomanceDe um lado, Maya Bishop, uma escritora assumidamente lésbica. De outro, a mãe de um jovem rapaz e esposa de um fiel pastor, Carina DeLuca, cujas crenças são questionadas quando o destino de ambas se cruzam e desse encontro nasce um profundo sentimen...