13. Feito

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"O desejo esmagador de um corpo humano por outro em particular, e sua indiferença aos outros é um dos maiores mistérios da vida."

(Iris Murdoch)

Se meses atrás alguém aparecesse para Carina e lhe contasse como sua vida estaria agora certamente a mulher riria, descrente da ordem de fatores que a trouxeram até o momento atual. Se apaixonar por uma mulher claramente não estava na lista limitada de coisas que ela desejava fazer antes de morrer. Entretanto, ali estava ela, prestes a se entregar de corpo e alma a essa mulher.

A fotógrafa havia abdicado dos planos de voltar para casa naquela noite, contaria com a ajuda de sua melhor amiga para tecer desculpas mais tarde. Por hoje, lhe bastaria a companhia da escritora e todas as nuances que viessem dessa companhia. Os opostos a este ponto já tão parecidos cruzavam-se em caminhos perigosos, impossíveis de serem desviados.

Aquela sala, protagonista dos seus melhores momentos até então, estava sendo palco mais uma vez do encontro das duas mulheres. Já livres dos calçados e das amarras do mundo externo, Maya e Carina desfrutavam de uma boa conversa embalada por uma única taça de vinho e pelos estalos acolhedores da lenha sendo queimada na lareira. As duas estavam sentadas lateralmente no sofá e, entre alguns risos e olhares, trocavam também discretas carícias na extensão de seus braços com as pontas dos dedos.

— Todo mundo tem suas memórias favoritas da infância, quais são as suas? — Maya apoiou o cotovelo no encosto do sofá e escorou a cabeça contra sua palma enquanto esperava Carina lhe dar uma resposta.

— Minhas memórias favoritas da infância com certeza são aquelas que vivi na Itália. — após alguns segundos de reflexão a morena lembrou saudosamente dos velhos tempos, sentindo o doce gosto dessas lembranças. — Eu não tenho lembranças pontuais, sabe? Mas eu lembro que era gostoso ser feliz com coisas básicas como tomar um picolé de uva com os amigos depois de brincar de pique-esconde ou pega-pega, essas coisas que todas as crianças gostam. — sorriu fraco. — Ahhh, eu também gostava de pular em poças d'água. Minha mãe ficava furiosa. — riu.

— Você sente saudades do seu país, não é mesmo? — perguntou pegando a taça da mão da italiana para bebericar o vinho.

— Sinto, todos os dias... — seus olhos piscaram vagarosamente enquanto ela observava Maya beber o líquido.

— E você não pensa em voltar para lá?

— Pensamentos todos temos, mas não é algo que dependa somente de mim. Entende?

— Entendo. — respondeu baixinho.

— A vida do meu filho é aqui nos Estados Unidos, eu não faria com ele o que os meus pais fizeram comigo. — mordeu o lábio, pensativa.

— Mas você pretende viajar para a Itália algum dia?

— Sim, sem sombra de dúvidas. Só não sei quando isso irá acontecer! — Carina se ajeitou melhor no sofá, recuperando a taça para tomar mais um gole da bebida. — E quanto a você, Maya, quais são as suas memórias favoritas da infância?

— Oh... eu tenho muitas memórias felizes. A maioria delas foram com o meu pai, como os dias de pescaria e as partidas de futebol que fazíamos só eu e ele... — sorriu pensando nos momentos especiais que teve com o único homem que amou na sua vida. — Mas eu também tenho boas lembranças com a minha mãe, não vou ser injusta, como quando ela pediu para um artesão fazer uma casa de boneca do jeitinho que eu sempre sonhei. — Maya apontou para a casinha que ainda enfeitava uma das estantes da sua sala.

— É linda! — deu um sorriso bobo ao perceber o carinho que a loira nutria por aquela relíquia.

— Minha mãe me deu ela alguns anos depois de o meu pai partir, foi a primeira vez depois de muito tempo que me senti genuinamente feliz. Nunca consegui me desfazer dela... e nem pretendo.

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