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É normal acordar com a sensação que ainda estamos a sonhar? Parecer que aquela não é a nossa vida nem sequer o nosso mundo, querer voltar a dormir porque os sonhos aproximam-se mais da realidade do que a própria realidade... Esta tem sido a minha rotina. Em quinze anos não me lembro de uma única vez ter saído de casa, sem ser para utilizar a casa de banho, nem do meu quarto saio quanto mais de casa.
Os meus pais dizem que sou demasiado frágil, que posso ficar doente muito facilmente, é verdade que a visita dos médicos é frequente mas se eu perguntar como estou a resposta é sempre a mesma: "estás ótima", acompanhada por um sorriso falso. Mais tarde acabo sempre por ouvir sussuros por trás da porta do meu quarto e a minha mãe chora. É assim tão grave? Porque é que não me deixam saber?
Por todas estas razões é que prefiro os meus sonhos à realidade, os sonhos em que posso correr contra o vento, adormecer deitada na relva limpa e verdinha com o sol a bater-me nas faces, isso sim era a realidade que eu desejava.
Alguém imagina como é viver dentro de uma casa fechada sem poder sair? Alguém imagina como é crescer sem qualquer contato com outras pessoas da mesma idade?
Não tenho noção dos dias, semanas ou meses e só tenho noção dos anos devido aos aniversários festejados com os meus pais, quando a minha mãe entra pelo quarto a dentro com um bolo nas mãos.
Não tenho aquilo que a minha mãe chama de telemóvel ou computador, tenho um telefone velho na mesa-de-cabeceira que só serve para chamar alguém quando preciso. A minha mãe diz que não preciso ter conhecimentos sobre o mundo poluído que é fora de casa, diz que os livros, imagens e o que a professora Kurama me ensina é o suficiente para não me desiludir com a realidade.
À bastantes dias que fico em casa sozinha, bem totalmente sozinha não, Megan ficava em casa também mas sempre na cozinha ou no terraço, passa o dia a limpar e a molengar de vez em quando mas é como estar sozinha. Às vezes tento levantar-me da cama mas sem a ajuda da minha mãe é difícil ficar em pé.
Tenho um espelho enorme encostado à parede e foi para aí que devagar me dirigi. O que comecei a ver foi a minha pele pálida, as olheiras por baixo de uns olhos verdes reluzentes, um corpo magro sem força, tapado por um pijama de verão que deixava à mostra uns braços e umas pernas finas que revelavam uma certa delicadeza, os meus seios faziam-se notar debaixo do pijama de seda. Quinze anos pesavam-me em cima, juntamente com a forma de mulher e as desvantagens de o ser.
As minhas pernas começaram a falhar e vi-me obrigada a voltar para a cama, peguei num livro e fiquei sossegada a lê-lo.

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Nada é como parece
RomanceEla é apenas uma rapariga normal, mas vive de uma maneira completamente diferente de qualquer outra. Alguém imagina como seria viver sem qualquer contato com o mundo exterior? Sem falar com alguém da vossa idade, sem ter qualquer aparelho de comunic...