Já era tempo de voltar para casa, os exames estavam todos feitos, não tinham sido nada como eu pensava, não houve nada doloroso, até mesmo as injeções foram como picadas de mosquitos.
Tinha acordado perto das oito da manhã para começar com os exames e acabei perto das seis da tarde, dito assim parece muito, mas na verdade foi bastante rápido, não parei nem para comer porque não podia devido a certos exames que teria de fazer em jejum. Acabei por ter que passar lá mais uma noite porque já era tarde, mas o médico prometeu que poderia sair no dia seguinte caso não houvesse nenhum problema durante a noite, dores, náuseas ou algo do género.
A minha mãe já se tinha ido embora quando o médico veio ter comigo, parecia bastante sério, começou a abrir e a fechar a boca mas sem emitir nenhum tipo de som, finalmente suspirou, sentou-se à borda da cama e começou a falar:
"Bem, a tua mãe disse para ser eu a contar-te quando ela se fosse embora para que pudesses ter uma boa explicação e pudesses fazer as perguntas que quisesses, sei que em muitas alturas da tua vida perguntaste-te o que tinhas, em termos dessa doença que a tua mãe faz parecer tão grave, mas não é bem assim. Todas as vezes que os médicos iam a tua casa diziam para a tua mãe de vez em quando deixar-te apanhar ar ou até mesmo frequentar a escola, a tua mãe concordava mas nunca chegava a cumprir e isso notava-se no teu corpo cada vez mais fraco. Trata-se de uma doença da Válvula Cardíaca que é incomum ser congénita mas no teu caso foi, esta doença atrapalha o fluxo normal do sangue através do coração, o que te afeta a saúde e também te deixa incapacitada de fazer muitos esforços. Os sintomas já deves saber porque normalmente passas por eles, um deles foi o motivo de teres vindo para o hospital. Podes sentir-te atordoada ou fraca por realizares certas atividades normais, se estiveres muito tempo ao relento podes começar a ter dores no peito e por último podes ter palpitações cardíacas ou um sentimento que o coração está a bater de forma irregular."
- Que tipos de atividades normais? - perguntei sem hesitar assim que ele se calou.
- Como o teu corpo se encontra muito tempo imóvel, vai ficando cada vez mais fraco e isso leva a que mínimas atividades como te levantares da cama sejam um motivo para começares a sentir-te fraca ao ponto de caíres.
- Então mas é só sentir-me fraca? Então e o desmaio?
- Como a tua mãe disse, bateste com a cabeça e foi isso que te fez desmaiar, caso contrário apenas tinhas caído no chão sem forças.
Agora sim estava esclarecida! Finalmente sabia o que se passava comigo e de certo modo não é tão grave como imaginei. Pelo que o médico disse, supostamente eu devia poder sair de casa, agora a minha mãe não tinha a desculpa de eu não puder sair porque posso piorar, era tudo mentira, tudo para me prender dentro de casa por causa da sua estúpida preocupação de mãe!
Agradeci ao médico careca pelo tempo que ele dispôs para falar comigo e sorri, não precisei de me esforçar como normalmente fazia, já era natural por estar contente e o médico sorriu de volta com aquele sorriso meigo que cativava qualquer pessoa. Por fim despediu-se porque não o iria voltar a ver, no dia seguinte ele iria estar ocupado para me vir visitar de manhã antes de eu me ir embora. Agradeci por tudo e ele apenas disse "é um prazer ajudar quem precisa, foi por isso que me tornei médico", era realmente uma boa resposta, mas na realidade nem todos os médicos estão ali por vocação, muitos estudaram para estarem ali apenas pelo dinheiro, como toda a gente sabe, os médicos são muito bem pagos, especialmente aqueles que devido à sua inteligência chegaram longe.
Fiquei sozinha de novo naquele quarto vazio e sombrio, hoje sim, iria ser uma noite difícil... O sono era pouco e não sabia o que fazer para adormecer. Ouvia-se passos, os ramos das árvores batiam nas janelas e faziam sombras nas paredes, fechei os olhos várias vezes, mas sempre que ouvia um barulho voltava a abri-los para olhar em redor. Estava sempre tudo no sitio, sempre tudo igual, mas os sons perturbavam-me na mesma, os ramos das árvores moviam-se devido ao vento e de uma forma assustadora refletiam-se na parede à frente da minha cama, se olhasse fixamente parecia ter braços e pernas, a cabeça meio defeituosa e um sorriso largo e tenebroso. Voltei a fechar os olhos e esforcei-me para não os abrir, rapidamente comecei a contar "cordeirinhos", como a minha mãe me dizia para fazer quando não conseguisse dormir, "um cordeirinho" deixei de forçar os olhos a estarem fechados, "dois cordeirinhos" consegui acalmar-me, "três cordeirinhos" o medo passou, "quatro cordeirinhos" comecei a ficar com sono, "cinco cordeirinhos"... Não cheguei ao sexto porque adormeci.
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Nada é como parece
RomanceEla é apenas uma rapariga normal, mas vive de uma maneira completamente diferente de qualquer outra. Alguém imagina como seria viver sem qualquer contato com o mundo exterior? Sem falar com alguém da vossa idade, sem ter qualquer aparelho de comunic...