Conto - O Soldado - Parte 1

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LARA

Fiz 20 minutos de pausa para descanso, o correto são 2hrs. No entanto, impossível quando se é a única médica totalmente formada. Temos bons residentes no hospital de Regional de Bamako, a capital e maior cidade do Mali. Mas eles ainda precisam de mais experiência e uma dose extra de coragem. Não foi uma decisão fácil aceitar esse emprego, estamos próximos de uma zona de conflito constante, porém é onde meu conhecimento é essencial. Poucos médicos com minha expertise se candidatam a esses cargos, e com isso a necessidade dessas pessoas se torna cada vez maior.

Caminhando para o setor de triagem ouvi um burburinho agitado. O hospital se integrou a uma base militar americana recém-instalada na região. Agora, além de tratar de boa parte dos pacientes de carentes de Bamako e adjacências, temos que incluir esses soldados nervosinhos.

- Que algazarra é essa na minha emergência? – Falei com dureza.

Sim, é a minha emergência, eu sou a médica chefe do pronto-socorro.

- Temos um soldado ferido e esse enfermeiro quer que ele aguarde na fila. – Respondeu o sujeito alto, vestindo farda de combate suja de sangue.

Aquela voz e aquele físico, eu conheço este homem. Por tudo que é sagrado, será ele ou vestígios do sonho que tive noite passada?

O sujeito girou em minha direção, seu semblante logo estampou a surpresa. Minha pele se cobriu de arrepios e eu perdi a fala. Meu coração aumentou o ritmo dos batimentos. Eu não via aquele rosto, pessoalmente, há 5 anos.

Apenas nos encaramos em silêncio, até o enfermeiro dizer algo.

- O quê? – Desviei os olhos do homem, tentando disfarçar o meu choque.

- Ele precisa passar pela triagem, não pode avançar na fila. – Repetiu.

- Certo, volte ao atendimento que eu lido com eles. – Falei.

- Tem certeza doutora? – O enfermeiro lançou um olhar desconfiado ao soldado.

- Tenho, pode ir. – Assegurei, e ele se afastou. Retomando ao profissionalismo encarei o soldado. – O que há com esse homem?

- Foi atingido por um estilhaço, parei o sangramento, mas creio que perfurou uma artéria. – Informou.

Fiz a assepsia das mãos, apanhei um par de luvas na caixa e parti para avaliar o soldado ferido.

- Cabo Troy, como está se sentindo? – Li o nome dele na identificação.

- Triturado, senhora. – Respondeu.

Está pálido, os lábios arroxeados. Levantei o curativo na perna direita dele. O corte é profundo, rompeu o músculo e realmente atingiu uma artéria.

- Logo você se sentirá costurado, está sangrando outra vez. Vai direto para o centro cirúrgico. – Falei. – Enfermeira, aqui!

- É grave? – Capitão Miller perguntou, olhando sobre meus ombros.

- Se ele continuar aqui será. – A enfermeira se aproximou. – Avise o centro cirúrgico, vamos subir com um rompimento de artéria e sangramento intenso.

- Sim, doutora. – Ela se prontificou.

- Fiquei comigo, soldado! – Percebi que ele está perdendo os sentidos. – Enfermeira, rápido!

Rapidamente coloquei a mão no ferimento, posicionando o dedo de maneira para conter o sangramento.

- Eu não quero morrer assim, Miller. – O cabo falou.

Coletânea Fardados - ContosOnde histórias criam vida. Descubra agora