Mate um amigo, e saia correndo

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POV Priscila

O padrão. Se você for sortudo o bastante pode nascer em uma boa família, estudar em uma boa escola e ter amigos incríveis, que com o tempo mostram sua verdadeira identidade, mas ainda sim, amigos incríveis. Arranjar um namorado bonito, cursar uma faculdade e se tudo der certo, se casar e ter uma boa casa, em um bom bairro e ter uma vidinha pacata até o momento de seu último suspiro.

Seres humanos são fadados ao padrão tanto quanto são a serem cruéis. A crueldade humana seria o padrão? A Priscila de um mês atrás acreditava que não, que se quiséssemos, poderíamos mudar o mundo. Porém aí que está, o mundo não pode ser mudado, porque o problema não está nele, está nas pessoas que habitam nele, o padrão é o cruel.

Eu apenas nunca quis fazer parte dele...

Nesse último mês que passei com ela, tive uma pequena amostra do que seria viver no inferno. O pior de se estar na escuridão é que você sempre espera uma luz, você tem esperança que no final tudo vai ficar bem, mas a minha luz nunca veio, e a minha? Havia se apagado.

Nas primeiras semanas não fazia ideia de onde eu estava, Renata me jogou dentro de um cubículo escuro, imundo e abafado, eu ficava dependurada em um pequeno banco feito de pedra. A única certeza que eu tinha é que as paredes tinham uma textura áspera e cada vez que eu levava uma de minhas mãos até ela, conseguia um novo corte.

Não conseguia enxergar nada, mas eu comecei a contar os dias que se passavam por puro tédio. Os dias eram calorosos e abafados, como se eu estivesse em um caldeirão, sentia minha pele arder formar bolhas dolorosas. Durante as noites, meu corpo inteiro se estremecia, completamente devota ao frio, meus lábios se arroxeavam e o bater de dentes era o único som que eu poderia ouvir. Minhas esperanças estavam se esgotando com o passar do tempo.

Na segunda semana achei meu inferno pessoal, a esperança que alimentava a fé de que uma hora Vinnie iria aparecer parar me salvar estava se esvaindo de minhas garras. Gritei por socorro sem parar, pelo menos até minha garganta começar a queimar e eu decidir que se não parasse, certamente romperia as cordas vocais. Ninguém estava me ouvindo.

Na metade da segunda semana, não tinha forças para gritar, estava sem me alimentar a dias e soquei as paredes até meus punhos adquirirem casquinhas, e minhas unhas se racharem por completo. Meu instinto humano estava fazendo absurdos consigo mesmo, um alerta de que eu estava morrendo aos poucos.

Na terceira semana meus pulmões pareciam se fechar a qualquer instante, minhas mãos tremiam sem parar devido à fraqueza e meus lábios estavam ressecados. Esse dia a porta se abriu revelando seu rosto, ela continuava linda como sempre, não sofria com o remorso e nem culpa. Minhas narinas ardiam enquanto ela enfiava uma sonda de alimentação em meu organismo, talvez eu estivesse com uma aparência tão fraca e vulnerável, que ela imaginou que eu não conseguiria segurar um garfo.

Ela estava certa, eu certamente não iria conseguir comer, meu corpo estava se degradando aos poucos e iria a óbito naquela semana por desnutrição. Não havia forças parar fugir, gritar ou me debater, mas consegui forças para questionar ela ao menos uma vez.

— Você vai me matar? - pergunto

— Priscila querida, olhe para você, já está morta e não percebe - diz e eu adormeço pela primeira vez em dias, concordando com ela

Passei a terceira semana me tratando, todos os dias ela entrava naquele cubículo para cuidar de mim. Trocava a sonda de alimentação e me enchia de suplementos e antibióticos, além de sempre limpar meus cortes com um líquido amarelo que queimava e em seguida, enfaixava com uma espécie de pano limpo e macio.

Conquistei o direito a um banho, eu fedia como um porco, e esfregar a esponja por cada canto de minha pele certamente não retirava aquela sensação imunda de minha alma. Renata me deu roupas novas e até mesmo fez um novo corte de cabelo em mim, não entendia ela, e passar quase um mês com a mesma não nos rendeu nem mais de vinte palavras.

South Side - Vinnie HackerOnde histórias criam vida. Descubra agora