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— Nós sentimos muito Simon. Sua mãe foi encontrada gravemente ferida e já sem vida, entre as ferragens do carro.

Simon ouvia o policial falar mas não conseguiu registrar muito mais do que alguns segundos de informação. A ideia de que sua mãe estava morta o atingiu com tamanha força que seu raciocínio ficou lento e ele só conseguia acenar com a cabeça, os olhos vidrados no policial à sua frente.

O tempo parecia passar lentamente, ele sentia seu corpo pesado, inerte. Queria escorregar da cadeira em que estava sentado e derramar-se no chão.

Ao seu lado, sua irmã Sara chorava baixinho. Virou a cabeça em sua direção lentamente e pôde vê-la tremer, os ombros subindo e descendo enquanto tentava controlar os soluços e o choro.

Levou uma das mãos até seu ombro e o apertou levemente. Não sabe se para dizer a ela que ele estava ali para apoiá-la ou se para certificar-se de que aquilo era real e estavam mesmo ouvindo um policial dizer que haviam perdido sua mãe em um acidente de carro na estrada.

— Embora tenhamos encontrado os documentos de Linda Eriksson junto ao corpo, precisamos que alguém da família faça o reconhecimento.
Sara olhou para cima imediatamente, pavor tomando conta de seu rosto.
— Eu faço — Simon disse, sua voz arrastada.

Na sala gelada e totalmente iluminada, sob uma mesa de metal, Simon viu um embrulho preto. Aproximou-se devagar até que, de repente, sugou o ar pela boca, soltando um som de espanto, e a tapou imediatamente. Seus olhos começaram a arder, sentiu as lágrimas brotarem e jorrarem.

Sua mente o sugou para a memória do dia anterior.

Se viu sentado na sala de estar lendo seu romance favorito. O sol se pondo, tocava algumas partes do piso de madeira da sala, deixando o ambiente em um tom de laranja aquecido e confortável.

Ouviu a porta da frente fechar e ergueu o olhar para ver sua mãe entrando na sala, segurando a correspondência. Os cabelos fartos e escuros presos em um coque frouxo, os olhos cansados mas tão lindos. Ela era bonita demais.

Sua mãe sorriu quando o viu.

— Oi filho — Linda parou atrás do sofá e repousou uma mão na cabeça de Simon, afagando seus cachos. Curvou-se e deixou um beijo entre seus cabelos. Ergueu o corpo, olhou o relógio no pulso, um sorriso dançando em seus lábios — São 16h agora. E então, já fez sua irmã chorar hoje?

Simon soltou uma risada curta, a cabeça erguida para olhá-la.

— Infelizmente não, mas são só 16h né — Simon respondeu, divertindo-se.

Linda bagunçou seu cabelo e ele sorriu.

O gênio forte de Simon sempre causava intensas discussões entre ele e Sara. Linda conhecia o filho bem demais, eram parecidos, e depois de tanto tempo tendo que apartar as brigas e controlar os gritos, resolveu que era melhor rir do seu pequeno filho arisco.

Como que adivinhando, Sara entrou na sala a passos firmes, os braços cruzados sob o peito.

— Mãe, você precisa falar com o Simon.

Linda olhou para o filho que só deu de ombros.

— Sobre?

— Ele precisa ser mais — Linda ergueu a mão para interrompê-la

— O que é isso? — Perguntou para Simon. Segurava um envelope grande que trouxe com a correspondência — Aqui diz Julliard.

Simon pulou do sofá, arrancando o envelope da mão da mãe, abrindo-o rapidamente.

— Eu fui aceito! Eu fui aceito!

— Querido, isso é ótimo, mas essa faculdade não fica em Nova Iorque?

— Mas essa é a melhor parte!

— É... mas decidimos que você faria faculdade aqui, como eu.

Simon sentiu sua animação dando lugar a irritação
— Não, a senhora decidiu

— Certo... Então... você simplesmente vai embora assim?

— Tomara que sim — Sara disse em tom de súplica. Simon a olhou com os olhos cerrados e depois para a mãe, com a expressão desafiadora.

— Mãe, pergunte a ela quem a trouxe pra casa ontem depois da festa

— Simon não mude de — Linda viu os olhos arregalados de Sara e desviou o assunto inicial — Quem trouxe você pra casa ontem, filha?

Sara apressou-se em explicar
— Mãe, é só implicância do Simon. Tem esse cara, o August

— Um renomado imbecil — Simon comentou, enquanto fingia lixar as unhas

— Simon, por favor.

Sara continuou — E eu acho que ele vai me pedir

— E a resposta mais inteligente é não — Simon a interrompeu e Sara fez um som de frustração.

Não precisou muito para iniciarem a discussão aos gritos.

— Você nem o conhece direito, Simon!

— Conheço o suficiente e ele não presta!

— E por que isso? Por que ele não é como seus amigos fracassados?

Simon encheu-se de ira. Odiava quando Sara desdenhava de Rosh e Ayub.

— E você prefere os depravados com quem ele anda, claro! — Sara abriu a boca mas Simon não a deixou falar — É incrível como você não tem um pingo de vergonha na cara e senso pra perceber que August não passa de um idiota narcisista que suga o que puder das pessoas e depois as joga no lixo. Eu tenho pena de você, Sara, por que apesar de bonita, você não consegue ser mais nada além de ingênua!

— Você é um grande idiota — Sara disse, a voz dura. Logo lágrimas começaram a rolar por seu rosto, e ela apenas se virou e saiu da sala.

Linda estava de pé, no canto da sala, olhando para o filho com a expressão indecifrável
— Parabéns, Simon, sempre comprometido com sua missão diária — disse em um tom baixo. Simon não viu o divertimento em seus olhos como viu antes

Linda movimentou-se devagar para deixar a sala — Falamos sobre a faculdade quando eu voltar da conferência, na sexta. E quero que peça desculpas a Sara.







Simon despertou da memória, havia esquecido onde estava por um minuto, até que caiu em si.

Ele não pediu desculpas.

Ele mal viu Sara depois da discussão já que ela ficou trancada em seu quarto e não jantaram juntos.

Pela manhã, Linda acordou antes dos filhos e seguiu para a conferência. Seriam quatro longas horas dirigindo até seu destino.

A estrada estava úmida mas ela seguiu bem a maior parte do caminho. Até que, já cansada, piscou algumas vezes e não conseguiu evitar de chocar-se com um caminhão.

Os paramédicos não puderam fazer muito por ela, ela já não tinha vida quando chegaram ao local do acidente.

A polícia tentou encontrar um familiar o mais rápido que pôde mas houve dificuldade pelo fato de Linda estar em outra cidade e na retirada do corpo.

Simon queria gritar.

Ali, naquela sala fria, sobre uma mesa de metal, ele viu o corpo e o rosto de sua mãe. Agora pálido, machucado e sem vida.

Das coisas que odeio em vocêOnde histórias criam vida. Descubra agora