twenty-nine

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Com o passar dos minutos, Mikasa insistia em ligar, mas eu não atendia. O telefone vibrava em intervalos curtos, e cada vez que ele parava, sentia um aperto ainda maior no peito. Eu estava à beira de um colapso, incapaz de organizar meus pensamentos ou encontrar uma maneira de fazer tudo aquilo parar. O silêncio, que antes parecia um alívio, agora pesava como uma sentença.

Desesperada, lembrei do remédio que Levi havia me dado certa vez. As mãos trêmulas mal conseguiam abrir a embalagem, mas de alguma forma alcancei todas as cápsulas e, sem hesitar, engoli todas de uma só vez. Sem água, sem tempo para refletir. O gosto amargo e a sensação de cada comprimido descendo rasgando minha garganta eram detalhes insignificantes perto do caos que consumia minha mente.

Eu queria gritar, queria vê-lo, queria abraçá-lo uma última vez e pedir desculpas por tudo. Queria perguntar a Eren se a culpa era minha. Mas, ao mesmo tempo, não queria nenhuma dessas coisas. Estava dividida entre um desejo desesperado de reparação e uma completa apatia. O mundo parecia desabar sobre minha cabeça, e isso doía mais do que qualquer coisa que eu já tivesse sentido.

– Droga... – Murmurei enquanto me sentava na cama, segurando as pernas para tentar conter o tremor. Fiquei ali por longos minutos, de cabeça baixa, até que o efeito do remédio começou a surgir. Uma leveza estranha tomou conta de mim, como se meu corpo flutuasse, desconectado da realidade. Arrastei-me para deitar, fechei os olhos e me permiti um descanso forçado. Amanhã, eu resolveria o assunto com Eren. Hoje, eu não tinha forças.

O som de batidas violentas na porta me despertou abruptamente, arrancando-me do estado de torpor em que eu havia mergulhado. A princípio, não consegui distinguir se aquilo fazia parte de algum sonho inquieto ou se era a realidade me chamando de volta. Meus sentidos estavam embaralhados, como se a linha entre o sono e o despertar fosse apenas uma neblina densa e opressora.

Esforcei-me para levantar, mas a tontura veio como uma onda avassaladora, me jogando de volta à cama. Pressionei as têmporas com as mãos, tentando organizar os pensamentos enquanto o barulho continuava, cada vez mais alto e insistente. Respirei fundo e me sentei lentamente. O coração batia descompassado, e a sensação de leveza proporcionada pelo remédio agora parecia ter sido substituída por um peso destruidor em meu peito. As batidas se intensificaram, acompanhadas de vozes que me pareciam distantes.

– Marissa? Responda! – As palavras chegaram até mim como um eco, carregadas de urgência.

Demorou alguns segundos para que eu reconhecesse as vozes. Kuchel. Levi. A confusão deu lugar à preocupação, e reuni o pouco de força que me restava para me levantar novamente. Desta vez, avancei cambaleante até a porta, os pés pesados como se estivessem presos ao chão.

Assim que abri, eles entraram apressados, a preocupação evidente em cada gesto.

– O que aconteceu? – Levi perguntou em tom elevado, os olhos varrendo cada canto do quarto como se procurassem por algum perigo invisível. – Você não atendeu às ligações... Está tudo bem?

Franzi a testa, confusa. Não me lembrava de ter ouvido o telefone tocar. Meu sono era leve demais para algo assim passar despercebido.

– Filha, cancelei as aulas da tarde. Fiquei preocupada. – Kuchel se aproximou, me puxando para um abraço apertado. Sua presença era reconfortante, mas a menção às aulas me deixou ainda mais desorientada.

– Que horas são? – Perguntei, sentindo-me perdida.

– São 14h32 – respondeu, os olhos fixos em mim, cheia de preocupação.

Expliquei o que havia acontecido na noite anterior. Eles eram os únicos em quem eu podia confiar naquele momento, e sabia que precisava desabafar. Contei sobre o remédio, sobre Eren, sobre a angústia que parecia me engolir viva.

– Não faça isso novamente. – Levi disse, a voz carregada de preocupação. – Esse remédio é muito forte. Você podia não ter acordado. ― Seus olhos encontraram os meus com uma intensidade que me fez desviar o olhar. Ele estava assustado, mas tentava controlar o tom para não me alarmar ainda mais.

– Não acredito que Mikasa tenha dito essas coisas horríveis... – Kuchel murmurou, as lágrimas começando a se formar em seus olhos. Ela segurou minhas mãos com firmeza. – Não é sua culpa, querida. Estamos aqui para você. ― Quando ela me abraçou novamente, senti um conforto que não experimentava há muito tempo. – Você é mais do que uma funcionária para mim, Marissa. É a filha que nunca tive. Pode contar comigo para tudo.

Levi, hesitante, se aproximou e, com um gesto inesperado, nos envolveu em um abraço. Foi reconfortante, ainda que ele parecesse desconfiado do súbito afastamento de Kuchel.

– Vocês são fofos. – Ela comentou, observando a cena com um sorriso enorme. – Acho que oficialmente tenho uma filha mulher e um filho homem.

Conversamos por horas. Eles insistiram que a melhor decisão seria me afastar de Eren definitivamente, por mais que isso doesse. E eu sabia que estavam certos. A presença dele me destruía, e continuar nesse ciclo seria minha ruína.

Dias depois, as ligações de Mikasa continuaram, sempre no mesmo horário. Atendi algumas vezes, mas os discursos de ódio eram insuportáveis. Decidi ignorá-la. Certo dia, quando saí para comprar pão, a encontrei na padaria. Ela parecia abatida, mas seu olhar ao me ver era carregado de rancor.

– Não vou comprar nada de um lugar que você frequenta. – Disse, jogando os pães no chão antes de sair.

Senti pena. Mikasa parecia estar perdendo o controle, mas decidi que não permitiria que isso afetasse minha vida. No entanto, a angústia em relação a Eren permanecia. Era um peso constante, uma dor surda que me acompanhava a cada momento.

E então, inesperadamente, meu telefone tocou em um dia comum como qualquer outro. O número era desconhecido. Hesitei, mas atendi.

– Marissa... – A voz do outro lado da linha era inconfundível. Bastou ele pronunciar meu nome para que meu coração parasse por um instante e, em seguida, disparasse violentamente. Era Eren.

Hesitei, segurando o telefone com força, como se aquilo pudesse me proteger. Queria desligar, fingir que não ouvi, mas algo dentro de mim me prendeu ali, congelada.

– Precisamos conversar – ele continuou, a suavidade na voz soando quase como uma carícia. Mas para mim, cada palavra era uma lâmina afiada, cortando qualquer resistência que eu tentasse erguer.

– Não acho que seja uma boa ideia – murmurei, minha voz fraca, quase imperceptível.

– Por favor, Marissa. Só uma conversa. Nada mais. – Ele insistiu, sua voz carregada de uma tristeza que era difícil ignorar. – Sei que errei. Sei que te machuquei... Mas eu preciso te ver. Nem que seja pela última vez. ― Apertei os olhos com força, sentindo as lágrimas ameaçarem cair. Cada fibra do meu ser dizia que aquilo era um erro, que eu não deveria ceder.

– Não temos mais nada a dizer, Eren. O que quer que precisasse ser dito, já foi.

– Você não entende... – Ele pausou, como se estivesse tentando encontrar as palavras certas. – Eu não consigo seguir em frente sem isso. Não consigo seguir em frente sem você.

O silêncio entre nós foi quebrado apenas por sua respiração pesada. Eu queria ser forte, mas sua vulnerabilidade me desarmava de uma forma que me fazia odiar a mim mesma.

– Apenas uma vez, Marissa. Eu prometo. Se você ainda quiser que eu desapareça depois disso, eu vou. Nunca mais vou incomodá-la. Mas me dê essa chance de me despedir.

As lágrimas começaram a escorrer pelo meu rosto antes mesmo que eu percebesse. Ele estava me puxando para um lugar do qual eu vinha lutando para sair.

– Amanhã, às 19h – respondi, minha voz mais firme do que eu me sentia. – Na praça principal. Em público. ― Ele suspirou, e o som parecia carregar uma dor que ecoava em mim.

– Obrigado. – Sua voz soou embargada. – E... Me desculpe, por tudo.

Antes que eu pudesse responder, a chamada foi encerrada. Soltei o telefone e desabei em lágrimas, a cabeça girando. Sabia que vê-lo novamente seria um teste para minha força, uma batalha que talvez eu não conseguisse vencer. Porque, por mais que ele fosse como um veneno, parte de mim ainda era viciada nele.

𝐖𝐀𝐈𝐓𝐈𝐍𝐆 𝐅𝐎𝐑 𝐘𝐎𝐔, eren yeager Onde histórias criam vida. Descubra agora