Jantar à Luz de Velas

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  Por dois dias, Kaoru não recebeu nenhuma mensagem ou ligação de Kojiro.
  Não tinha pegado o número de Kojiro de volta, de modo que não podia tomar a iniciativa de mandar uma mensagem.
  Mas, mesmo que tivesse, não o faria.
  Kaoru se assusta ao notar que, inesperadamente, uma notificação aparece na tela de seu celular. Era uma mensagem de um número desconhecido.

Oi, Kaoru
Desculpa não mandar nenhuma mensagem até agora
Problemas no trabalho
Ah, aqui é o Kojiro

  Kaoru desligou o aparelho, se virando para a tela que pintava. Dançou com o pincel entre os dedos longos e pálidos.
  Num gesto rápido, fisgou o celular novamente. Encarou aquelas quatro frases como se fossem um código indecifrável, com os dedos flutuando acima do teclado.
  Oque caralhos deveria responder?!
  Puxou o ar com força e prendeu o fôlego até sentir o fundo da garganta arder. Arrumou os óculos, os ajustando na parte alta do nariz.
  Digitou uma frase genérica, mas a apagou num toque.
  Reescreveu sem pensar muito.

Oi
Entendo, é mesmo complicado
Como vai Reki? Tudo bem?
Ah, aqui é o Kaoru
Mas você já sabe disso
“Óbvio”

  Os dedos de Kaoru formigavam de vontade de apagar toda aquela baboseira, mas se segurou, desligando o celular uma segunda vez e colocando num móvel afastado.
  Cinco minutos depois, o barulho de outra notificação chamou sua atenção.
  Decidiu ignorar por enquanto, precisava se concentrar no trabalho.
  Outro “pling” de notificação chegou aos seus ouvidos, depois mais outro, depois outro, e mais um; após isso, pararam.
  Kaoru paralisou o pincel na tela.
  Mordeu o lábio e franziu a testa, suspirando. Se levantou, deixando o pincel no copo d'água e pegando o celular.

Pois é. É mesmo complicado
Sim, Reki está otimo. Não muito empolgado para a volta às aulas, mas está bem
E o Miya? Ainda apreensivo?
Deveríamos marcar um dia para nos conhecermos

  Kaoru parou, olhando para a última mensagem.
  Miya? Conhecer ele?
  Não, não, não e não. Como poderia levar o filho para conhecer o ex-melhor amigo que não via há dezessete anos?
  Nem ele mesmo conhecia Kojiro.
  Durante aqueles dezessete anos havia mudado muito, e Kojiro com certeza também tinha. Não eram mais as “crianças meio adolescentes” que se conheciam desde bebês. Agora eram dois adultos e pais, com um passado e experiências que nenhum dos dois tinha ideia. 
  Eram, basicamente, estranhos.
  Mas estranhos com memórias.
  Memórias muito, muito dolorosas. 
  E Kaoru não conseguia ignorá-las. Fingir que oque aconteceu não tinha acontecido, nem o porque tinha acontecido. 

 
Talvez
Vamos fazer isso
Mas só depois que resolvermos oque tem para ser resolvido

  As mensagens foram visualizadas de imediato. Três pontos pulantes revelavam hesitação.
  Hesitação essa que permaneceu por dois minutos inteiros.
 
Sim, tem razão
Deveríamos marcar um dia para nos encontrarmos
Você poderia vir onde trabalho
É um restaurante italiano
Então poderíamos conversar num ambiente descontraído”

  Kaoru prensou os lábios.
  Bom, não soava como uma má ideia.
  Em um lugar aberto sentiria que não seria tão sufocante, o barulho de pessoas poderia o distrair, e, se precisasse fugir, seria bem mais fácil.

Claro, para mim está ótimo

Amanhã vai ter um prato típico aqui no restaurante
Que tal?

Eu, Você e os Nossos FilhosOnde histórias criam vida. Descubra agora