Dois lados da história

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Cláudio point of view:

Foi difícil levantar da cama com a pele tão macia da Júlia em contato com a minha, que mesmo estando sem camisa e com o ar-condicionado em 16°C, me permitiu suar uma porção de vezes. Me desvencilhar das suas mãos agarradas ao meu braço foi a pior parte, entre murmúrios e um ressonar meio engraçado, consegui sair da cama a contra-gosto de ambos.

Tomei banho em outro banheiro para não fazer barulho, sei bem como é acordar com uma baita dor de cabeça após uma noite de muito álcool, então evitei tudo que pudesse incomodá-la, por isso vesti a mesma camisa de ontem do trabalho.
Saí cedo, ainda eram por volta das sete, optei por tomar café na rua mas ela deve gostar de cappuccino e pão de queijo, foi o que tinha e, quando fui embora, ainda não estavam entregando. Espero que ela veja o recado próximo a garrafa térmica na mesa da sala de estar que não precisa trabalhar hoje, não com a ressaca absurda que deva estar e não sem ter recebido toda papelada do programa da empresa. Na verdade, espero que veja os analgésicos na mesinha de cabeceira e que consiga descer as escadas sem nenhum risco ou dano, também. Beber o que bebeu ontem foi surpreendente até para mim, imagina para uma primeira vez; eu sei, fui irresponsável e inconsequente demais em permitir que isso acontecesse, que ela insistisse e cedesse enquanto eu oferecia, mas queria que ela soubesse o seu limite, uma hora iria entender e saber quando parar futuramente que espero não demorar.

A rua ainda está um pouco deserta pela hora e pela chuva, mas a "empresa que nunca dorme" está no pique como se já fosse meio-dia. Sorrio ao passar por ela, mas eu não pretendo chegar cedo na Strategic Company, não hoje que eu quero tomar café na minha segunda casa tranquilamente e não quero ter o desgosto do Henrique gritando o que bem quer com sua inseparável garrafa de whisky na mão como se fosse um copo d'água qualquer, mas ao ponto de quebrá-la facilmente diante de movimentos bruscos e alterados; não antes do meu honroso primeiro café da manhã, eu valorizo mais a minha paz temporária de um início de dia, mesmo já sabendo que meu atraso e a ausência do Guilherme resultariam em cobranças excessivas porque eu estou escalado em substituí-lo e cobrir seus serviços.

Não vou estragar meu dia.
Não hoje.
Não depois da noite de ontem.

São 7:21 quando estaciono, o carro desliga o rádio automaticamente quando puxo a chave da ignição assim como ligou sem que eu pedisse. Não dei muita atenção às notícias do dia, mas já sei que a manhã vai ser muito chuvosa, então preciso estar pronto para os funcionários que irão atrasar com a justificativa de que "o tempo não ajudou". Mesmo que o sol não contribua para o uso de óculos escuros, pego um que já estava no painel para ajudar a esconder as olheiras de ontem, estou um pouco acabado, mas feliz por saber o motivo.

Assim que piso na Computer Pro+ sou surpreendido em ver tanta gente já trabalhando. Passo dando bom dia aos porteiros, algumas moças e rapazes da limpeza e outros da recepção, que assim como detestam me ver, detesto o trabalho tosco que fazem e ouvir as reclamações que chegam a mim dos seus serviços.
Vou caminhando a passos curtos à lanchonete e de longe vejo que pela bênção divina a dona Lúcia já está lá. Sorrio e vou cantarolando um trecho de alguma música dos Strokes que grudou na cabeça e não saiu mais; a Ana Júlia ainda vai acabar comigo.

- Bom dia, seu Guilherme! Veio me dar a graça de tomar café aqui comigo? - Ela diz sorrindo em me ver enquanto enxuga as mãos em um pano que está pendurado no bolso do seu avental e eu retribuo não só o sorriso, como dou a volta na bancada e lhe arranco uma risada quando a tiro do chão em um abraço apertado.

- Saudade da graça do seu café, dona Lúcia!

- Agora me ponha no chão que eu não tenho mais idade pra pegar esses sustos que o senhor me dá, não! - Ela diz entre risos e batendo levemente nas minhas costas e eu a solto. - Vai ser aquele frapuccino de sempre que o senhor adora?

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