Lembranças

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- Cara, seu problema é não conseguir esquecer aquela menina! Se for por falta de coragem eu trago agora mesmo mais um shot de tequila, já que você deu o primeiro pra um desconhecido! Só vai lá, aquela garota não para de te olhar! - A voz do Fernando já estava me cansando e eu me sentia extremamente arrependido de ter aceito o convite para "uma diversão alternativa". - Ela deve estar com alguém agora, cara, desapega que é mais lucro, garanto!

Ouvir a voz do rapaz falar palavras tão duras sobre ela não era tão simples. Eu conhecia a Júlia, ela jamais se submeteria a se envolver com alguém tão rápido assim, ela era diferente da maioria, ela era melhor do que que qualquer outra. Eu não diria por minha causa ou que eu seria o motivo para tal atitude, mas a little sweet  não se entregaria à outra pessoa assim, tão rápido, com um término tão recente.

- Cala a boca!
Aproveito o ambiente barulhento e grito bem forte. Minha vontade era de voar nele e quebrar aqueles dentes bem feitos após anos fazendo uso de aparelho ortodôntico e umas quatro sessões de clareamento.

- Ê, mano! Sou eu! - Ele diz com os braços estendidos para cima, como quem está entregando-se. - Mas já que estamos aqui, vamos aproveitar a oportunidade e pegar todas, como nos velhos tempos?

Aquela cara de safado repleta de más intenções me causava enjoo. Eu tinha nojo de caras como o Fernando que não sabiam ouvir um não e forçavam a barra para conseguir o que queriam a todo custo.

- Cara, não! - Bati o pé de uma forma mais enérgica só para ver se ele entendia que aquele não era o jeito certo de resolver o problema mais doloroso que eu já tive.

Eu tinha 16 anos e durante uma partida de futsal na escola, levei um carrinho enquanto trombava com outro rapaz. Enfim, foi um baita acidente. Rompi o ligamento do tornozelo e desloquei o joelho, fiquei meses de bota e usando muleta para receber a triste notícia de que teriam grandes chances de eu não conseguir praticar qualquer atividade física, até com as exatas 66 sessões de fisioterapia. Desde então eu nunca mais sequer tentei jogar, mesmo que eu não tenha mais nenhum sintoma, ainda tenho um certo receio de arriscar e sentir que tenho algumas sequelas.
A questão foi o dia em que eu acordei em um quarto de hospital e meus pais não sabiam, então continuaram conversando.

~

- Mas ele pode nunca aceitar que precisará ficar sem jogar pra sempre, Armando!

- Vira essa boca pra lá, mulher! Isso é passageiro, logo logo a gente vai brigar de novo com ele pra ele almoçar e largar aquela bola.

- Eu não sei não, querido, eu realmente estou preocupada, sabe? De uma atrofia, uma depressão, não sei.

- Você ta sofrendo por antecipação. Na pior das hipóteses nós o colocamos no vôlei e pronto, ninguém fala mais disso, nosso papel vai ser só ajudar nosso filho no sonho dele.

- Essa é a questão... O sonho dele sempre foi o futebol, colocá-lo em outro esporte o deixaria desanimado. Armando, não se cura um amor com outro.

~

Agora eu sei que a dona Rosana tinha toda razão. Hoje, até para alguém com um passado como o meu, era difícil aceitar que para esquecer a Júlia eu precisava beijar outras bocas e acreditar que aquilo sim me ajudaria a superá-la. Não era assim, eu jamais tinha vivido algo tão extraordinário como os meses que ela havia me proporcionado, eu aprendi muito com a simpatia e singeleza da Júlia porque todas as vezes que eu estive com ela, eu desejava ser alguém melhor, ela despertava o desejo de ser homem e não moleque e eu não teria coragem de desperdiçar tudo que ela tinha me ensinado involuntariamente só para agradar aqueles "meninos" que eu chamava de amigos.

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