Nova fase

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Guilherme

Sexta-feira, 24 de dezembro.
5:30

Não sei se a minha experiência mais vívida de hospital foi em um período mais jovem e não me atentei a certos detalhes. O cheiro de limpeza é sufocante, quando não está escuro demais é tudo branco demais, também. Aqui, tudo é muito cedo. Digo isso porque já vieram até meu quarto várias vezes quando o sol ainda nem havia nascido e, sonolento, mal pude ver o acender das luzes. Agora que peguei o celular enquanto verificam os parâmetros, sei que meu relógio biológico ainda me acorda, apesar da porção superestimada de medicamentos, então confirmo a hora só por via das dúvidas.
Atualmente meu braço "saudável" dói por tantas furadas e tantas veias estouradas e é provável que ao sair daqui esteja mais magro que antes, também. Sei que minha barba já esteja mais proeminente porque sinto o rosto mas áspero que arranha o lençol, ao deitar um pouco de lado, e a pele já começara coçar como dar-se inicio aos pelos. Enquanto a enfermeira anota alguma coisa a ver com a pressão e o sangue, vejo Vinícius andando de um lado para o outro falando baixo ao telefone, pela sua expressão isso não me cheira muito bem e eu juro que eu não queria mesmo que meus problemas acabassem respingando no meu melhor amigo.

- Pressão estável, 12 por 8, batimentos ritmados e boa temperatura. A única alteração foi da glicose, mas creio ser pelo senhor não ter tomado café ainda. - Com certeza, afinal, ainda não são nem seis da manhã!

- É, acordei agora. - Tento responder simpático.

- Senhor precisa de ajuda pra comer?

- Não, não, tranquilo. Obrigado.

- Ok, um bom dia! - Ela abre um sorriso e caminha lentamente até a porta com seus inúmeros papéis e apaga a luz.

Vinícius ainda está falando no celular virado para a janela e fala ainda mais baixo, talvez em respeito a funcionária ou para que eu não saiba do que se trata. Após alguns minutos ao desligar ele se joga na poltrona.

- Bom dia, irmão. Tudo bem? - Ele suspende a cabeça para encarar-me ao me ouvir falar.

- Bom dia, Gui... Bem a gente nunca ta 100%, né. Problemas, enfim.. - A resposta foi quase um pedido de socorro.

- Manda qual foi a da vez.

- Ah, cara... Não sei não. Você já está atolado de problemas, estar aqui já é um deles, não vou trazer ao hospital um dos meus.

- Ei, de boa. Olha só, eu já vou sair daqui dentro de alguns dias, daqui a pouco chega o fisioterapeuta e fica tudo certo, bora se ajudar, né, cê já fez tanto por mim, me fala o que eu posso fazer, quem sabe não ajuda.

- É problema do trabalho. - Senti minha veia da testa pulsar e respirei fundo, não posso romper mais um ponto.

- Da Strategic Company? - Faço uma pergunta patética porque foi só para dar uma respirada e pensar mais um pouco.

Chega uma técnica que nos cumprimenta apenas com a cabeça empurrando um carrinho com o café. Ela deixa uma bandeja no armário do meu lado direito, pede licença de forma inaudível e sai tão rápido como vimos chegar.

- É, né? Qual meu outro trabalho senão lá? - Ele solta um riso abafado e eu o acompanho.

- Problema com o Henrique?

- Também.

- Eita...

Ele fica alguns segundos em silêncio para provavelmente formular a frase enquanto fico conjecturando os possíveis motivos.

- Ta, primeiro: seu Henrique quer que eu deixe você aqui. Ele disse que conhece o trabalho e a competência do Marcos, disse que está em boas mãos e não há necessidade de ficar sem "dois grandes funcionários".

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