Inverno

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Júlia point of view:

(Dê play em "A Paz Desse Amor - Paula Fernandes")

Eu olhava fixamente para o teto tentando inutilmente conter as lágrimas que você nem merecia.

Maldição... Como foi que tornamos esse nós em absolutamente nada? Eu era dominada por um vazio imenso que não havia coisa alguma que preenchesse.

As lágrimas escorriam pelas minhas bochechas por eu estar deitada e eu não tinha pretensão alguma de enxugá-las porque eu tinha a absoluta certeza que elas saberiam a hora de parar e ainda não era o momento exato. A primeira gota foi a do sumiço de nós dois, seguida pela segunda: a desculpa. Logo veio a terceira que não hesitou em cair, que era das 22 ligações que caíram na caixa postal. Depois disso eu perdi a conta e só permiti com que caíssem livremente.

O tempo está fechado aqui. Sim, as janelas estão embaçadas e, por mais que tenham dias que eu não saio de casa, eu sei que a chuva lá fora não para de cair - assim como a do meu quarto.

A surpresa que não aconteceu ainda está aqui, no canto do meu quarto. Os chocolates cobertos de formiga, o travesseiro molhado - no início pelas lágrimas e agora pela infiltração por onde está -, as camisas que se completavam que nunca usaremos, a garrafa do vinho que eu bebi sozinha, o jogo de lançamento para o videogame que prometemos disputar um com o outro e as fotos que agora estão pela metade.

Eu não sei se arrumaria aquilo tudo e se sim, quando, porque minha cabeça estava mais bagunçada que o próprio quarto.
São 72h sem comer qualquer coisa salgada, 36h sem doce e a mesma quantidade de tempo sem banho. É, você não acreditaria que a "obcecada por água" e que escovava os dentes 4 vezes por dia estava fugindo de um chuveiro e que não bebia água há 3 dias. Eu não queria ver a sua escova na prateleira nem as suas iniciais gravadas na parede, feitas pelo canivete. Eu não queria ver a toalha da suíte com seu nome já que aquele banheiro era mais nosso do que só meu. Hesitei em me deparar com a foto colada próximo ao espelho, tirada no mesmo lugar quando nós dois estávamos com a boca espumando e sujos pelo creme dental no rosto. Uma disputa boba e infantil, mas que nos fez rir mais do que o necessário.

~

E quer saber o pior do que já realmente é? Eu lhe perdoei. Perdoei por ter simplesmente sumido do mapa e não ter atendido nenhuma ligação e não ter respondido um e-mail sequer. Perdoei por você contornar minha casa todo santo dia à caminho do trabalho e mesmo assim não tirar 5 minutos para me explicar alguma coisa. Perdoei também o fato de ser tratada com total indiferença no trabalho, como se não tivéssemos viajado mês retrasado, como se você não tivesse me pedido em namoro subindo em uma mesa, na frente de uma praça de alimentação lotada e eu não tivesse chorado publicamente dizendo um sim na mesma altura que foi feito o pedido, porque nunca fizeram nada parecido por mim. Como se eu não tivesse recebido promessas demais, projetos diferenciados e planos para a próxima férias de julho e para o feriado do carnaval. Eu estava enganada de que seria diferente, que você não desapareceria, que a mentira do teste profissional foi a melhor das intenções. Mas mesmo assim eu perdoei.

Perdoar.
O perdão nunca me doeu tanto.

Seus olhos não mentiam porque não sabiam.
Não depois de tudo que tínhamos vivido.

Não para mim.

Mesmo que eu estivesse completamente chateada, magoada e por alguns segundos até aborrecida, eu conhecia aqueles olhos e o formato daquela boca bem demais.

Eu vi que você estava perdido em palavras ao me pedir o relatório do trimestre que, por tanto me evitar, acabou por atrasar. Me esforcei para não segurar suas mãos trêmulas entre as minhas e não me levantar e abraçá-lo, só para que você entendesse que eu sentia a sua dor e seus olhos finalmente focassem em mim, já que giravam por todo escritório e não repousava no lugar que tanto conhecia.

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