A primeira - e última - vez

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(Dê play em "Palmas pro Amor" - Henrique e Juliano)

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Aquele era o momento que eu me arrependia de ter tantas fotos na galeria e todas bagunçadas.

"Calma, estresse só destrói, cara, tu vais achar sim! Só precisas procurar com mais calma..."

Não foi bem assim. Aquela foto... Poderia estar em mil lugares, mas ainda estava ali. Aquele sorriso fez com que eu sorrisse também só de ver e, antes fosse apenas isso. Senti o perfume, ouvi a risada, o vento bagunçou meu cabelo mas parecia que era ela. Balancei a cabeça.

"Ela não pode ter tanto de mim só com aquele sorriso e aquelas covinhas!"

Ah... as covinhas... Quantas vezes aqueles furinhos nas bochechas me desmontaram. E, pelo visto, ainda desmontavam e desmontariam mil vezes mais.
Eu não conseguia esquecer a forma como ela era fascinada por animais, apaixonada por contos de fadas e como ela enfeitava tudo com o Piu Piu.
Eu não esquecia que, mesmo com seus 21 anos, ela ainda usava canetas coloridas, escrevia cartas e desenhava corações no lugar dos pontos no i.

E eu a admirava. Admirava a forma dela ver o mundo, tão belo e ao mesmo tempo "fingindo de vilão", ela diria tentando fazer uma expressão má. Eu sempre ria. Ria da tentativa fracassada dela ser malvada e de mim, Um mundo desses não merecia alguém como ela. Assim como alguém como eu também não a mereceria.

E foi assim que eu me permiti dizer que não combinaríamos. Que éramos uma conta que não fechava e que nós fomos o "felizes para sempre" que não deu certo.
Eu disse sem olhar nos seus olhos porque eu tenho a plena certeza de que aquelas palavras tão duras e frias não sairiam se eu olhasse neles e visse o brilho se apagar no mesmo instante ao serem ditas.

Eu fui o responsável por trazer lágrimas àqueles lindos olhos cor de mel. Fui eu quem a deixou vermelha, só que dessa vez não foi de vergonha e sim de raiva, raiva de mim. Eu até hoje não consigo acreditar de onde surgiu a coragem de dizer não àquela boca lindamente desenhada que só pediu pra que eu ficasse.

O pior de tudo é que eu ainda mantinha o quarto que ela dormia intacto, sem tirar nem por, do jeito que ela deixou. Eu preservava aquilo porque eu gostava da lembrança, ir àquele "santuário" me fazia sentir o cheiro dela, trazê-la pra mais perto de mim, nem que fosse só um pouquinho. Eu nem sei se aquilo era realmente certo: uma espécie de masoquismo, creio eu, de tanto falarem que eu só estava me machucando.

Eu, um cara no auge dos seus 23 anos que não bebia, nunca fumou nem um cigarro sequer, agora apaixonado.
Logo eu, aquele que julgava o amor perda de tempo, que sacaneava os amigos que namoravam. Isso não estava acontecendo, isso foi só uma aposta que eu conseguiria sim o número dela.
Se não fosse aquela noite do poker de quinta, se eu não tivesse apostado o número da novata do trabalho, se ela não tivesse dito sim...

Eu sentia falta. E eu não trocaria nunca aquela sexta a, aproximadamente, 7:40. Não trocaria o pedido de número com a invenção de ser para um teste profissional. Nao trocaria aquele convite para um lanche, que acabou virando jantar. Uma série de jogos, derrotas minhas no jo-ken-po. Eu sempre fui o vencedor de todos os possíveis jogos! Perder pra uma mulher e ainda por cima, mais nova que eu? Era questão de honra arrancar pelo menos um beijo que claro, daria à algo mais. Ninguém nunca havia resistido. E, assim como qualquer outra, ela não seria diferente.

Errado, errado. Até porque ela nem precisou recusar aquilo que eu sequer tentei fazer. A hora já estava avançada, aproximando de 1:30, ela mencionou ir embora. Eu me preocupei com ela e nem ouse me criticar, ela ia voltar na marra, teimosa demais, qualquer um se preocuparia.

É, acertou quem disse que ela se recusaria a dormir comigo. Ela disse não mais de sete vezes, alegando que nunca dormiu com homem algum e, foi assim que eu entendi que ela não era qualquer uma. Ela era diferente das outras, ela não seria aquela que eu prometeria o mundo, dormiria e, só no outro dia, eu ia lembrar que esqueci de perguntar o nome. Ela não seria um número em meu celular de uma noite só, ela não faria parte da lista do "não lembro, não fiz", ela não ouviria a minha historinha de como eu fui desprezado no último relacionamento, que eu queria compromisso e ela só queria brincar e blá blá blá.

E eu cedi. Cedi ao ponto de não tentar espiar ou colocar meu celular pra filmá-la enquanto tomava banho. Eu corri pra arrumar o mais rápido possível o quarto que meus amigos dormiam pra deixá-lo como ela merecia: sem camisinha nas gavetas, sem revista pornô, sem manchas de batom pelos lençóis. Eu cheguei até a colocar tudo limpo, sem nada a reclamar. Então ela gritou meu nome e me pediu uma toalha e eu não ousei empurrar a porta pra tentar ver algo a mais. Esperei ela mesma abrir uma fenda da porta o suficiente pra que a toalha passasse e saí do quarto; saí nervoso.

"Como assim, João Guilherme? Perder o jogo sem jogar?"
Aquele não era eu! Aquele era o meu tipo de jogo e eu estava disposto a ir até o final, firme e forte.

Mas eu não esperava que fosse tão difícil.

Me permiti ir ao seu santuário, sentir seu cheiro e abrir aquele álbum que ocupava 50% de 128GB da memória do meu celular. Eu sorria olhando cada foto como se fosse a primeira vez, revivi cada momento das fotos que provavelmente você nem sabe que eu tirei; como aquela que você fez a careta quando eu dei replay três vezes naquele gol no FIFA, aquela que você ficou vermelha de tanta vergonha quando servi seu café na cama e o sorriso maravilhoso expondo suas covinhas. Eu demorei na foto da sua primeira vez no trem fantasma, na sua foto de cabeça pra baixo na cama enquanto cantava e também aquela que você fechou os olhos enquanto se empurrava no balanço do "nosso" parque, aqui mesmo no prédio.

Parei na foto da piscina. Você estava linda e se me perguntassem sobre que roupa usava ou detalhes do seu corpo eu descreveria mal. Eu estava encantado com aquele sorriso escancarado, olhos fechados e uma mão estendida tentando cobrir a câmera porque foi pega de surpresa. Eu conseguia ver a formação de um bigode chinês e os olhos semicerrados, a espontaneidade e sinceridade ao sorrir e não consegui conter meu sorriso também.
Deslizei lentamente a tela para a próxima foto. Dessa vez você já estava avisada e se aprontou pra mesma: a marca registrada que era a língua entre os dentes ao sorrir e um dos olhos fechado, esse era o meu sorriso favorito, que o apelidei de "sorriso da aventura/ sorriso do ninguém-sabe-que-foi-eu/ sorriso de danadinha" mas - o meu preferido, diga-se de passagem - também era o "sorriso do namorado".

Ah meu anjo da guarda, tanta coisa... Cheguei ao ponto de criar outra pasta só pro dia da piscina, o dia que eu conheci uma sereia com pernas. Talvez eu nunca tenha dito isso mas você nada bem melhor que. Nunca disse que seus olhos mudam de cor embaixo d'água, que você fica linda de verde e que também arrasa com aquele shortinho branco. Mas se possível, não esquece que ainda está tudo aqui. A sua bóia de baleia, os pés de pato "pra mostrar como que se vira golfinho", as sombrinhas pros drinques de cinema, a bebida pro seu primeiro porre estão aqui. Não demora não.

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