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Revelações

Ana Júlia

A saída do hospital foi mais esquisita do que eu previa.
Na verdade, desde o início foi estranho; ver o estado do Guilherme e saber que, involuntariamente, acabei sendo a responsável pelo estrago, foi ainda pior. Eu juraria que estava tudo mais frio do que antes; digo, pelo término, pelos diversos mal entendidos, a minha decepção com ele pelos sumiços e aquela despedida definitiva no carro, me pareceu que dali, se espremesse, não sairia nem uma gota de emoção, mas agora estou tomada de remorso e aflição.
Para ser sincera, minha vontade era de arrancar o Guilherme de todos aqueles fios da sua mão e dizer que o perdoava, que já tinha passado mais do que da hora de recomeçarmos e que não importava mais os mal entendidos, ter ficado inacessível, as chamadas recusadas ou não atendidas e os e-mails, mensagens no aplicativo ou SMS não respondidas. Eu só o amava, apesar de tudo.
Mas aquela mentira também era para mim, que lembrava e ainda lembro do quanto eu sofri ao ser ignorada pelo meu namorado. Daí, de quebra ainda tem o Cláudio, o primo/irmão/inimigo do João Guilherme, que chegou de leve e acabou dando um nó nos resquícios de sentimentos que ainda restavam do meu último relacionamento.
Eu estou presa na teia de aranha que eu mesma montei. Na presunção de querer desmascarar o meu amigo e o cabo da pistola protuberante no cós da calça, desmontei pelo excesso de álcool e me perdi em como o meu chefe poderia ser atraente sem camisa.

Nossa, eu estou devastada! Consegui dar um fio de esperança ao meu ex em um leito de hospital enquanto eu havia acabado de beijar outro! Estou confusa, perdida. Eu ainda quero desvendar o grau de parentesco dos dois, mas já percebi que quanto mais eu tento resolver a vida do Guilherme ou a minha curiosidade, mais me enrolo nessa confusão e acabo por me comprometer. Cláudio sempre tão atencioso, cuidadoso, respeitoso... não posso negar que ele foi um excelente amigo, inclusive em relação a forma como lidou comigo sob os efeitos do álcool. Não sei se o respeito se quebrou ali, no momento em que tentou me por sobre a mesa da sua sala mesmo a iniciativa tendo sido minha, ou só reafirmou quando andou pela empresa como se eu fosse oficialmente algo que eu passava longe de ser.
Acabou que fiquei na dúvida desde quando soube que o verdadeiro dono da Pro+ era o Cláudio e ele nunca sugeriu essa ideia. Então tudo embolou ainda mais, porque enquanto eu tentava me aproximar, ganhar confiança para só assim, desvendar o mistério da família, vi a arma, fiquei bêbada, beijei meu amigo, dormi na casa dele e terminei estragando e perdendo o pouco de sanidade que me restou.
Mente dividida sempre me causou problemas demais, não vai ser agora que será diferente.

- Ana Júlia, você ouviu uma palavra de tudo que eu disse? - Agora tenho a Ingrid, que parou na minha frente e, consequentemente, me parando também. Esse hospital é imenso e sim, estava viajando.

- Não. - Não fiz rodeio. - Cê ainda tinha algum--

- Não sei nem porque fiz essa pergunta, contei toda vida do enfermo e você "mudinha".

Mais uma vez a vida do João Guilherme preocupando e prejudicando a minha. Eu quero saber, lógico que quero. Namoramos, ainda o amo e, qual seria o problema saber um pouco mais?

Uma queimadura para quem está em um incêndio é irrelevante.

- Amiga, eu confesso que fiquei em choque porque... ah, sei lá! Olha o estado dele, foi surpreendente. - Não é mentira, mas eu enrolo um pouco mais pra não dar detalhes da gente.

- Júlia, eu sei que cês namoraram ou tiveram alguma coisa. - Meu rosto esquenta de imediato e não olho para o lado. - Eu conheço o Guilherme há anos e a forma como ele lhe olha, fala com você é... não sei dizer, mas não é dele, sabe?

Murmuro um "uhum" só para ela saber que ainda estou na conversa.

- Pois é, então no fundo fico feliz. Feliz por ele ter mudado, ele está diferente, parece mais maduro. Era isso que eu falei sozinha e você me ignorou esse tempo todinho, inclusive. - Ela rebate em deboche e eu solto uma risada a empurrando com o antebraço, a fazendo rir também.